Da Lusitânia a Portugal
De Diogo Freitas do Amaral
Bertrand Editora
Notas V (sobra a obra)
D. Afonso III, um
dos mais bem sucedidos reis portugueses, sucedeu a D. Sancho II em 1248, após
um período de regência administrativa e militar na sequência da destituição
parcial dos poderes régios deste, em 1245, por alegada demência, pelo Papa
Inocência IV.
A elevada preparação
que demonstrou no exercício do cargo, resultou, certamente, da primorosa
educação que recebeu, nos 15 anos em que permaneceu na corte francesa na
companhia de seu primo direito, futuro Rei de França, Luis IX, pela sua tia e mãe deste, D. Branca de
Castela, à época viúva-regente. Acompanhou o reinado do seu primo nos primeiros
anos tendo participado nas ações militares deste e vencido a batalha de Saints em 1243.
Talvez, este, tenha
sido um dos primeiros casos reveladores da importância da influência externa
indireta na governação de Portugal. Ainda hoje prevalece a ideia da necessidade
de chancela externa para validação de competências dos cidadãos, sejam elas
quais forem. Tal revela uma persistente incapacidade de afirmação funcional
interna ou até de decadência, que pode bem ser a causa remota do permanente
estado de crise que tem caracterizado, quase sempre, o país.
O episódio da
destituição parcial - rex inabilis -
de D. Sancho II - manteve o título de Rei mas destituído de poder executivo -,
suscitou, durante cerca de um ano, uma guerra civil - que o autor nega,
considerando ter ocorrido uma “imposição” papal da paz - talvez a primeira do
reino, desencadeada pelos portugueses do norte que se mantiveram fiéis a D.
Sancho II. Este, fugiria para Toledo, onde morreu em Fevereiro de 1248,
abandonado por todos - algo que se repetiria ao longo da história de Portugal
em várias ocasiões - sem descendência, sucedendo-lhe então D Afonso, após três
anos de regência.
O “Pacto de Paris”,
realizado em 6 de Setembro de 1245, estabeleceu as condições do exercício da
regência de D. Afonso, tendo ficado consagrada a separação dos poderes temporal
e espiritual, preocupação curiosa dada a característica teocrática
generalizada, à época, na europa.
A conquista do
território algarvio implicou duas guerras militares, com os árabes e com os
espanhóis, e outra de cariz diplomático com Afonso X de Castela, que
reivindicava direitos históricos sobre este território.
Então, prosseguindo
o propósito dos que o precederam na governação do reino, Afonso III acabou por derrotar
os árabes em todo o Algarve, enquanto resistia às investidas do rei castelhano.
Só em 1253, através
do “Acordo de Chaves”, foi possível assegurar a paz entre os dois reinos, tendo
ficado estabelecido o direito de propriedade para Portugal e o usufruto para Castela,
com a garantia de reconhecimento da propriedade plena para Portugal, se do
prometido casamento de D. Afonso III com a filha de Afonso X - à data, com 9
anos de idade - resultasse filho varão e logo que este atingisse a “idade da
razão” - 7 anos.
Foi o que sucedeu
com o nascimento de D Dinis em 1261, de tal modo que, Afonso X, antecipou a
entrega do Algarve ao neto em 1267, pelo “Tratado de Badajoz”, tal o embevecimento
que sentia por ele. E foi assim que, em 1279, com a ascensão de D. Dinis ao
trono, ficou concluída a expansão continental de Portugal. D. Afonso III
intitulou-se Rei de Portugal e dos Algarves e acrescentou oito castelos,
simbolizando as conquistas aos árabes, às cinco quinas da bandeira portuguesa.
A relação entre “portugueses”
e “espanhóis” sempre foi paradoxal, caracterizando-se por permanentes disputas
territoriais e sucessivo envolvimento familiar das respetivas elites, sobretudo
com a Galiza, Leão, Astúrias e Castela. Daí a prevalência de uma amizade meio
desconfiada de ambas as partes, que subsiste nos dias de hoje.
Foi em 1255 que D.
Afonso III mudou a Capital de Portugal, de Coimbra para Lisboa. E foi em 1254
que, o mesmo rei, introduziu nas Cortes, “O Terceiro Estado”, o Povo; uma
inovação de características democráticas só posta em prática por Eduardo I de
Inglaterra em 1295 e por Filipe “o Belo”, na França, em 1314. Os “homens Bons”,
com assento nas cortes, eram eleitos nos principais municípios. O novo regime
passaria a designar-se por “monarquia aristocrático-democrática”. Quem diria
que, muito antes da Revolução Francesa, em 1789 - e da Revolução Gloriosa, em
1689, foi a monarquia portuguesa a dar o primeiro passo democrático. Registe-se
que, por esta altura, o território nacional estava, efetivamente,
descentralizado em senhorios; aristocráticos, eclesiásticos e municipais. Tal
foi consequência da estrutura senhorial que sucedeu à desagregação do império
romano, mas também da estratégia de alianças dos reis portugueses na guerra
contra os árabes, que consistiu na atribuição de senhorios a troco de contributo
militar. Um facto que contraria a ideia de poder absoluto atribuído às
monarquias medievais, nos dias de hoje, sobretudo nos regimes republicanos.
Um rei de se lhe
tirar o chapéu! D. Afonso III foi o “arquiteto”
do aparelho de Estado: promulgou mais de uma centena de leis gerais, entre as
quais, uma que permanece; a terça da herança que os pais ou mães com filhos podem
deixar a pessoas estranha à família; criou a administração pública; conselho
régio, meirinho-mor, meirinhos locais, corregedores, almotacés, etc.,
respetivamente, governo, comandante geral da polícia, agentes policiais civis, delegados
régios e fiscais das feiras e mercados; decretou as Inquirições Gerais através
das quais recuperou terras da coroa; decretou o pagamento dos impostos a
dinheiro; construiu a casa da moeda de Lisboa; reformou o sistema monetário
alinhando-o pelo padrão europeu da libra; reprimiu os abusos dos funcionários
régios; criou e concedeu foral a numerosos municípios (68); criou novas feiras
e mercados facilitando a circulação de bens e o comércio e, concedeu “cartas de
privilégio” aos mouros do Algarve.
Consolidada a
conquista do território em 1279, procedeu-se ao povoamento e ordenamento do
mesmo, nomeadamente, através da Inquirições e Ordenações Régias, através das
quais a coroa recuperou, sucessivamente, territórios muitas vezes através de “artimanhas”
administrativas, algo que ainda hoje se verifica através de processos
semelhantes. A consequência consistiu na progressiva concentração da
administração do território no poder régio, em prejuízo da descentralização
característica da monarquia intermédia. E eu que pensava que a descentralização
era obra das democracias!
D. Afonso III foi um
mecenas das artes, fazendo vir de França, trovadores e jograis, mandou copiar
romances épicos de origem germânica, o mais famoso dos quais foi “O Cancioneiro
da Ajuda” e o “Amadis de Gaula”, este, supõe-se de autor português que terá
originado uma ópera de Handel. Criou os Estudos Superiores em Coimbra, no
mosteiro de Santa Cruz e depois no mosteiro de Alcobaça, pela primeira vez, abertos
a estudantes não eclesiásticos.
Foi também no seu
reinado, em 1276, que o cardeal Pedro Julião, seu amigo pessoal foi eleito
Papa, designado de João XXI, que haveria de falecer quatro meses depois na
sequência do desabamento, sobre a sua cabeça, do teto do seu quarto. Não custa
a acreditar que esta eleição tenha sido uma forma de reconhecimento pelo
sucesso da cruzadas portucalenses na península ibérica.
D. Afonso III, que
já tinha tido um diferendo com a Santa Sé por ocasião do seu casamento dom D.
Beatriz enquanto a sua esposa, da qual estava separado, esteve viva, chegou a
ser excomungado em 1278 por um delegado do Papa Gregório X, na sequência das
queixas dos eclesiásticos “prejudicados” pela Inquirições Gerais, considerando o Papa
ter sido violado o Acordo de Paris de 1245. Foi absolvido no ano seguinte após
ter jurado submissão à Santa Sé, mas sem abdicar do poder temporal dos reis e
seus sucessores.
D. Afonso III, está sepultado em Alcobaça, com a sua segunda
mulher, D. Beatriz de Leão e Castela.
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