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segunda-feira, 6 de maio de 2024

Reparações da Descolonização


 Reparações da Descolonização


As infelizes recentes declarações do Sr Presidente da República em que refere a obrigação moral de Portugal proceder às reparações da descolonização, revelam total indiferença daquele pelo que de bom foi feito pelo país e total desvalorização da violência e dos vexames de que os portugueses, as Forças Armadas e o país, foram vítimas, nomeadamente no decurso das negociações para as independências.


Onde havia tribos, Portugal formou Estados com fronteiras definidas, internacionalmente aceites, pelas quais, ao longo da história, de várias formas, lutou. Forneceu, ao povos das colónias, uma da mais eficientes e prestigiadas línguas do mundo, a portuguesa, apoiou, com o seu conhecimento e experiência a construção das estruturas normativas, administrativas e constitucionais dos novos países, concedendo-lhes sucessivos perdões de dívida, e tem participado ativamente em variados planos de cooperação económica, política e cultural.


No decurso da “colonização” - a reforma constitucional de 1971 atribuiu a Angola e Moçambique a designação de Estados, dotando-os de órgãos legislativo, jurisdicional, administrativo e executivo com ampla autonomia, e nacionalizando todos os residentes dos territórios ultramarinos - Portugal, cujas contas-correntes com estes, incluindo os agora Estados, foram sempre deficitárias -, construiu estradas, caminhos de ferro, barragens - Cabora Bassa era e julgo que ainda é, a maior barragem de toda a África - escolas, hospitais, mercados, piscinas, cinemas, hotéis, aldeias, vilas, cidades, desenvolveu a indústria, a agricultura, a mineração, etc., num ambiente multirracial de envolvimento crescente das populações locais nos aparelhos administrativos e governativos das respetivas regiões.


Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Samora Machel, Amílcar Cabral, Joaquim Chissano, João Van Dúnem, e muitos, muitos outros, formaram-se nas escolas e universidades portuguesas! Quantos negros “saíram das cubatas” para as cidades, as escolas, as universidades? Que valor é que isto tem? Como se calcula?


Diz o bom povo que “Dívida falada não é paga”! Que legitimidade têm de exigir reparações a Portugal, quem fuzilou, chacinou, violou, esventrou, incinerou e confiscou os bens dos portugueses, pretos, brancos e mulatos?


Quem ficou com o dinheiro - cerca de cinco mil milhões de euros - do alegado desfalque no BESA?


Passo a transcrever um extrato do ambiente que se viveu em Moçambique durante a “exemplar” descolonização, relatado por quem viveu e testemunhou de muito perto:


No acto de posse, o Presidente da República conferiu-lhe a missão de “conduzir o processo de descoloniza ção de Moçambique, em paz, em ordem, com dignidade, com patriotismo, no respeito pelo nosso passado, pelos nossos maiores em África, e, acima de tudo, pela bandeira verde-rubra da Pátria, para que o novo Estado de Moçambique venha a ser efectivamente uma nação de expressão lusa e indestrutívelmente ligada à Mãe-Pátria” (cito de um semanário lisboeta, de 14 de Setembro de 1974).

Foi isto que o Alm. Vitor Crespo jurou, solenemente, por sua honra, fazer.

E foi isto que não fez.

Logo em 21 de Outubro seguinte, aconteceu que uma unidade de “comandos” (farta de insultos incompatíveis com a sua dignidade) tomou desforço, quando foi provocada nas ruas de Lourenço Marques. Daqui nasceu retaliação horrorosa que causou centenas de mortos entre a população indefesa, conforme os insuspeitos relatos da imprensa internacional. Houve carros incendiados, com os seus ocupantes dentro. Houve violações e violências em que todos os excessos se cometeram. Houve corpos trucidados em condições horripilantes.

O primeiro-ministro Joaquim Chissano chorou convulsivamente no hospital Miguel Bombarda ao deparar com o macabro espetáculo que os médicos lhe mostraram….

O Alto Comissário, a quem competia a responsabilidade de defender a ordem pública (nos termos do acordo Machel - Antunes), não fez um movimento para proteger essa pobre gente que foi chacinada. Consentiu que os “comandos” fossem indignamente acusados de “irresponsáveis drogados” e não teve uma palavra de conforto para as vítimas imoladas. Nem um só dos responsáveis pelos morticínios foi detido, inculpado e presente a tribunal.

Os monumentos portugueses, que eram património luso em Moçambique, foram apeados antes da independência. Alguns foram mutilados ou tratados sem qualquer respeito pelo que representavam….

Numa entrevista que veio a dar, filosofando sobre a descolonização, referiu que, os que tiveram que deixar Moçambique, não passavam de “racistas”, “exploradores” e “reacionários”.


Em: “Moçambique, Terra Queimada” - De Jorge Jardim


É disto que nos devemos orgulhar?


É disto que os “libertadores” africanos e europeus, se orgulham?


Como se “reparam” as famílias dos que morreram às mãos dos guerrilheiros e populares?


Como se “reparam” todos os que, para salvar a vida, deixaram no Ultramar todos os seus bens?


Como se reparam todos os desnacionalizados que os “libertadores” de abril transformaram em párias?


Nesta infeliz declaração pública do “representante de todos os portugueses” não se vislumbra a preocupação de evitar a divisão desta quase milenar nação, invocada para a justificar a decisão de não comemorar o 5 de Novembro! Data em que o regime português adquiriu algumas semelhanças com a democracia.


Pelo contrário; por muito menos, ao longo da história, nasceram guerras civis em distintas geografias.


Razão pela qual me pergunto se o atual Presidente da República está empenhado num hipotético ajuste de contas com os portugueses, incluindo os que o elegeram.


E, se não há, devia haver um mecanismo constitucional de destituição do Presidente da República quando dá manifestos sinais de incoerência política, capazes de lançar o país num conflito civil de proporções imprevisíveis.


    Mário Soares e Samora Machel

Peniche, 6 de Maio de 2024

António Barreto

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