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quarta-feira, 1 de maio de 2024

O Legado de Pinto da Costa

 

O Legado de Pinto da Costa



Cheguei a pensar que a saída de Pinto da Costa da presidência do Futebol Clube do Porto só ocorreria quando Deus, ou o Diabo (Deus me perdoe), o chamassem.


Eufóricos com as sucessivas vitórias, indiferentes às suspeitas de manipulação de jogos, intimidados pelas ameaças da “milícia” protetora do Presidente, convictos dos inevitáveis sucessos futuros, os associados foram incapazes de criar alternativas de governo do seu clube.


Pinto da Costa dedicou a sua vida a derramar um supremo e incontido ódio ao maior e mais fascinante clube do país e do mundo, o Benfica, sem perceber as causas de tal realidade.


Foi o momento em que o futebol se revestia de romantismo, foi a alegria, o cavalheirismo, a elegância e a arte de jogar e ganhar aos melhores e mais ricos clubes da época, que fizeram do Benfica o que é; um clube, respeitado e admirado em todo o mundo.


Pinto da Costa não percebeu que a popularidade dum clube está associada à sua cultura. O ódio, o medo, a vingança, a ostentação que propagou em todo o seu consulado gerou bajulação, hipocrisia, ressentimento, mas nunca a adesão de quem ama o desporto nem a sã convivência entre clubes e adeptos.


Talvez incentivado por alguns setores partidários, quis fazer do FCP um instrumento de aglomeração da população regional, de fratura social, “esgravatando” um fosso de hostilidade entre portugueses que se foi tornando cada vez mais desconfortável. Arvorou-se em paladino e vingador de reais ou imaginárias injustiças históricas de que o clube ou a cidade teriam sido vítimas.


Presidente do maior clube da cidade, com raízes familiares nas suas elites, Pinto da Costa, assumiu o papel de líder político, da mesma e, por inerência, de toda a região adjacente.


Aqui residia o seu poder, do poder do FCP; na congregação de corporações económicas, sociais, religiosas e políticas, bem como de instituições públicas, administrativas e judiciais, regionais e até governamentais, em torno do clube, pela causa regional.


Ainda não há muito tempo os Conselhos, de Administração da SAD e Consultivo, eram uma constelação de figuras notáveis da economia, da finança, da academia, da Justiça, de corporações e institucionais!


Ao misturar desporto com política, Pinto da Costa e seus apoiantes conseguiram o contrário do que pretendiam; provocar um sentimento de hostilidade geral relativamente ao clube e à ideia de regionalização.


A extrapolação foi uma consequência inevitável; o ambiente de crispação, insegurança, injustiça e de prepotente ascendente desportivo do FCP, gerou, entre a população, receio no projeto político subjacente.


A estratégia de permanente desafio, insulto e ameaça, prejudicou mais o objetivo da regionalização do que décadas de centralismo administrativo e político.


O Benfica era e é, o meu clube, mas, tempos houve em que tal não me impediu de admirar outros clubes; Sporting, Porto, Belenenses, Setúbal, Guimarães, Braga, Cuf, Barreirense, Académica, etc, e os bons jogadores; Marinho, Alexandre Batista, Peres, Keita, Yazalde, Damas, Hernâni, Futre, Juary, Cubillas, Madger, Jacinto João, Tomé, Perrichon, Vítor Campos, Gervásio, Maló, Vítor Manuel, Matateu, José António, etc, etc..


Vibrei com a vitória do Sporting na Taça das Taças e na primeira vitória do Porto na Taça dos Clubes Campeões Europeus, contra o Bayern! Com orgulho, como se tivesse sido o meu Benfica! Isso hoje não é possível e muito se deve ao ambiente criado entretanto no desporto, no qual Pinto da Costa e seus apoiantes e instigadores, tiveram papel determinante. Parece que o fracionamento social do país é do interesse de certos quadrantes político-partidários.


Foi esse o legado do agora ex-Presidente do Futebol Clube do Porto; a par de um conjunto de vitórias do seu clube envoltas em suspeitas, muito contribuiu para a descrença e hostilidade geral no desporto, onde já ninguém acredita em nada, onde o comum espetador tem, frequentemente, a impressão, de que os resultados dos jogos e competições foram combinados nos bastidores, em função de incertos e “superiores” interesses! Tal o descaramento!


Por fim, não menos importante, ficou, junto da população, em geral, um ambiente de desconfiança e descrença no projeto da regionalização, que impede e contamina o importante e salutar debate do tema.


Quando Fernando Gomes anunciou a saída da SAD, percebi que algo poderia estar em marcha. Quando Madureira e seus acólitos foram presos, a ideia consolidou-se. E, surpreendentemente, confirmou-se com as eleições, deixando no ar a ideia de condicionamento de eleições anteriores pela inefável claque, agora, finalmente, ao que parece, desativada.


Não sei o que fará Pinto da Costa, mas conhecendo-lhe o caráter, receio bem que, nos bastidores, continue o seu nefasto contributo de fomento de guerrilha no desporto. Pode até ser mais perigosos por falta de escrutínio público.


Quanto ao novo Presidente, o seu incontido ódio ao Benfica, publicamente proclamado, deixa-me sérias reservas na sua ação futura.


Porém, tendo granjeado algum prestígio no exterior, provavelmente desprovido da inserção social e de determinação, comparável ao seu antecessor, tenho alguma esperança que ocorra uma descrispação do ambiente e, finalmente, de alguma paz no desporto.


Quem sabe se não voltarei a ter orgulho nos rivais do meu querido clube, com quem aprendi a respeitar a arte do futebol, e do desporto em geral, donde quer que ela venha.



Peniche, 1 de Maio de 2024

António Barreto


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