Da Lusitânia a Portugal
De Diogo Freitas do Amaral
Bertrand Editora
Notas VI (sobre a obra)
D. Dinis superou o
seu progenitor; culto como ele, acompanhou a governação a partir dos 16 anos,
assumiu o trono em 1279 e reinou durante 46 anos, até 1325. Honesto,
competente, estadista, sóbrio, desenvolveu intensa atividade legislativa,
concedeu numerosos forais, cartas de povoamento e de privilégio para minorias,
aliou a Coroa aos “homens bons dos Concelhos”, multiplicou as feiras e
mercados, etc.
Fiel aos propósitos
do seu pai, D. Dinis, discutiu com os bispos as divergências entre a Coroa e a
Igreja Católica, redigindo um documento de consenso, “A Concórdia”, em 1282,
aprovada pelo Papa em 1289 e aditada em 1309.
Tal como fizera o
seu predecessor, na sua “luta contra os abusos
patrimoniais de aristocratas e eclesiásticos”, avançou com novas Inquirições
Gerais, aumentando o património da Coroa e limitando o daqueles, também através
da limitação da compra de bens imóveis e das heranças dos eclesiásticos. Um
velho vício do Estado que hoje se continua a praticar, agora contra cidadão
comum, através do cadastramento do património rural e do confisco encapotado
dos imóveis devolutos.
Perante a extinção
da Ordem dos Templários em 1311 por ordem da Santa Sé, antecipando-se aos seus
pares de além-Pirenéus, criou a Ordem Militar de Cristo, exclusivamente
portuguesa, com sede em Castro Marim, depois em Tomar, dotando-a com o
património daquela por autorização do Papa João XXI em 1319, através da bula Ad ea ex quibus.
Nacionalizou as
ordens religiosas que operavam em Portugal que tinham sede em Espanha; a de
Calatrava e a dos Espartários, sediando-as, respetivamente, em Avis e em
Palmela, passando a designar-se, correspondentemente, por Ordem de Avis e Ordem
de São Tiago, constituindo uma espécie de parcerias público privadas hoje muito
em voga, mais tarde usadas com grande sucesso em Inglaterra, por ocasião da
Revolução Industrial.
Estas três Ordem
vieram a consagrar as ordens honoríficas portuguesas, ainda em vigor; Ordem de
Cristo para o mérito Civil, Ordem de Avis para o mérito militar e Ordem de
Santiago para o mérito literário, cultural e científico.
Consolidada a posse
do território, menos dependente da nobreza, o rei poeta, prosseguiu a sua luta
de limitação dos poderes e privilégios da nobreza, retirando-lhes a nomeação de
párocos e abades para as suas terras, reduzindo-lhes os poderes jurisdicionais,
proibindo-lhes novas “honras” - territórios senhoriais a que estava vedada a
entrada dos reis e seus delegados, exceto em casos de homicídio - e alargando
os casos de apelação régia.
Em consequência
destas políticas jurídico-administrativas, a burguesia mercantil das cidades e
vilas foi reforçando o seu poder e protagonismo económico e social, em
detrimento da nobreza e do clero; criou-se uma “bolsa comercial” em Lisboa em
1293, fez-se um tratado de comércio com a Inglaterra em 1308 e reorganizou-se a
nossa Marinha de Guerra (?) com o almirante italiano Manuel Pessanha (?), em
1317.
D. Dinis, em 1282,
casou com Isabel de Aragão, princesa real, que pela sua filantropia cristã, foi
considerada santa pelo povo e canonizada por Urbano VIII em 1625; criou o
Convento de Santa Clara, onde está sepultada, os Hospitais de Coimbra e
Santarém, o Mosteiro das religiosas de Cister e outras obras, distribuindo a
maior parte do seu dinheiro aos pobres e doentes, o que deu origem à famosa e
muito querida entre os portugueses, “lenda das rosas”. Talvez tenha começado
aqui uma certa empatia, ou mesmo cumplicidade entre os portugueses e a
Catalunha (antiga Aragão), a que regularmente se alude; uma das nossas rainhas
mais queridas era a sua princesa. Aqui temos como as ligações familiares da
coroa portuguesa, se foram disseminando pelos vários reinos da península;
Galiza, Leão (Astúrias) e Castela.
O “rei Lavrador”
teve alguns conflitos com o seu irmão mais novo, o infante D. Afonso, que se
considerava, sem razão, legítimo herdeiro do trono por ser o filho mais velho
dos filhos nascidos após a legalização católica do segundo casamento do pai.
Mas também enfrentou diferendos com o seu filho mais velho, futuro D. Afonso
IV. Em ambos os casos, o papel da “Rainha Santa” foi preponderante na mediação
e apaziguamento.
D. Dinis, negociou o
Tratado de Alcanizes com o seu
congénere castelhano, em 1297, fixando
as fronteiras de Portugal, que perduram; as mais antigas da Europa. Foi através
deste tratado, que, Olivença, hoje sob administração espanhola, incorporou o território português. Para o
sucesso das negociações, mais uma vez, recorreu-se ao reforço dos laços
familiares entre as duas coroas; o rei de Castela prometeu casar com a princesa
portuguesa D. Constança, e o príncipe herdeiro, futuro Afonso IV, ficou de
casar com D. Beatriz, irmã do rei de Castela.
O “rei poeta”,
graças ao prestígio de que era credor, arbitrou, com sucesso, o conflito que
opôs Fernando IV de Castela a Fernando de Lacerda, neto de Afonso X, portanto,
seu primo em primeiro grau.
A política agrícola
de D. Dinis, proporcionou a dispersão da propriedade rural pela burguesia rural
e terratenentes com sacrifício da nobreza e clero e promoveu a compropriedade,
entre estes e camponeses comuns outrora escravos ou servos, através de
contratos de enfiteuse, mediante os quais, aqueles detinham a propriedade nua e
estes o respetivo usufruto a troco de uma renda em espécie ou dinheiro. Daqui
resultou melhor distribuição da riqueza e a ascensão económica e social dos
camponeses, com reforço da participação dos homens bons nas cortes de Leiria.
Para proteção das
culturas hortícolas do litoral, D. Dinis, desenvolveu a área florestal, ficando
célebre o, recentemente consumido, Pinhal de Leiria, o qual, segundo alguns
opinadores, correspondia também a uma estratégia de expansão marítima,
disponibilizando matéria-prima para as futuras naus; as “naus a haver” de Fernando
Pessoa.
Ao “rei Letrado” se
deve a ordem régia de 1305 da obrigação da redação em português de todos os
documentos oficiais, e a criação da futura Universidade de Coimbra, numa época
em que, na Europa, só haviam as de Paris, Bolonha e Salamanca. Um processo
complexo iniciado por uma petição à Santa Sé pelos clérigos de Alcobaça, da Sé
de Coimbra, de São Vicente de Lisboa e de Santa Maria de Guimarães. Nicolau IV,
em 1290, aprova o pedido pela bula De
Statu Regni Portugalliae. Depois de muitas andanças entre Coimbra e Lisboa,
só em 1537 o “Estudo Geral” de Artes, Leis, Cânones e Medicina se estabelece em
definitivo na cidade do Mondego.
Universidade de Coimbra
Peniche 20 de Junho de 2018
António J. R. Barreto
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