Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O
Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A
Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
“Quando a ditadura é um
facto, a revolução é um direito”; a frase que proferiu em 1948 pode ler-se na lápide do seu
jazigo.
E foi assim que,
incompatibilizado com Henrique Galvão a quem acusava de traição por querer
liderar a secção operacional do movimento e por não ter levado a cabo todos os
propósitos da operação Dulcineia, Humberto Delgado, se associou, através do
MNI, ao Partido Comunista Português em Dezembro de 1963, constituindo a Frente
Patriótica de Libertação Nacional a que viriam associar-se o Movimento de Ação
Revolucionária (MAR) de Lopes Cardoso e Gomes da Costa e a Ação Republicana e
Socialista (ARS) de Mário Soares.
Sol de pouca dura. A
estratégia de derrube de Salazar pela luta armada colidiu com a da lenta e
progressiva doutrinação das massas preconizada pelo PCP e por Mário Soares. Mas
a divergência incidiu também no método da tomada de decisões; Delgado
considerava-se o líder da FPLN a quem competia decidir, recusando o método
colegial defendido pelos restantes membros e a “ditadura” de Tito de Morais e
respetiva família.
Dez meses depois, a
cisão consumava-se com a constituição da Frente Portuguesa de Libertação
Nacional, constituída pelo MNI, as forças que apoiaram Humberto Delgado,
Delgado, Mário Soares e Emídio Guerreiro - estes, considerados infiltrados por
Henrique Cerqueira (delegado de Humberto Delgado) - e elementos da Frente de
Ação Popular (F.A.P.) - depois U.D.P., atualmente integrados no B.E. -, como
observadores.
Assinale-se que a
Frente de Ação Popular (F.A.P.) - que na sequência do 25 de Abril deu lugar à
União Democrática Popular (U.D.P.) a qual por sua vez, associada ao Partido
Socialista Revolucionário (P.S.R.) e ao Movimento Política XXI, formaram em 1999
o atual Bloco de Esquerda -, teve origem no movimento designado por Comité
Marxista-Leninista Português (CM-LP), organização constituída por Francisco Martins
Rodrigues - o “camarada” Campos - membro do Comité central do Partido Comunista
expulso do Partido por Álvaro Cunhal em Dezembro de 1963 - que o acusou de
ladrão - por defender a luta armada. João Pulido Valente, recentemente
falecido, aderiu à nova formação, instalando-se ambos em Argel, aderindo à FPLN
de Humberto Delgado.
Esta dupla
dissidência, de Humberto Delgado e dos membros das F.A.P relativamente à
estratégia de consciencialização da população preconizada pelo PCP, provocou
uma crescente crispação entre as partes, queixando-se o PCP do recrudescimento
da repressão salazarista sobre os seus membros em resultado da estratégia de
intervenção armada dos “cisionistas aventureiros”.
Por volta de 5 de
Outubro de 1964, João Pulido Valente e Rita D’Espiney,
são presos pela PIDE por atividades conspirativas, quando, no âmbito da FPLP
(HD) se deslocaram a Portugal a fim estabelecer contactos preparatórios de
atentados. Em Janeiro de 1965, um comunicado do CM-LP, acusava o PCP de
denúncia dos ativistas e consequente prisão. Nota oficiosa da PIDE publicada na
imprensa em 24 de Fevereiro de 1966, permite concluir que o delator teria sido
Mário da Silva Mateus, infiltrado na FAP, o qual terá sido executado por
Francisco Martins Rodrigues e Ruy
D’Espiney, por sua vez presos em consequência deste atentado. Em 7 de Abril
de 1976, a UDP, em comunicado à imprensa, responsabiliza o PCP pela prisão dos
ativistas das FAP - João Pulido Valente foi libertado logo após o 25 de Abril
de 1974 -, acusando-os de se terem apropriado dos ficheiros da PIDE para
ocultar as provas da sua colaboração e desacreditar os ativistas dissidentes para
o que teriam constituído uma “polícia secreta antirrevolucionária”.
Segundo relatos de
Henrique Cerqueira no seu livro “Acuso”, a história da oposição é um manancial
de intrigas, traições, prisões, assassinatos, ambições descontroladas,
irresponsabilidades e vaidades desmesuradas, envolvendo figuras gradas da
democracia abrilista. Terá sido esta uma das causas do insucesso da luta
oposicionista contra o regime de Salazar; incapacidade de articulação de uma estratégia
comum com um chefe e uma cadeia hierárquica aceite por todos. Humberto Delgado,
no seu estilo espalha-brasas, era um homem de ação, indisponível para
burocracias e revoltas de secretária, comportamento que provocava graves
dissabores aos comunistas. Paradoxalmente, a perseguição e tortura destes era
uma das causas do anti salazarismo de Delgado, que as condenava convictamente,
apesar de anticomunista confesso. De todo o modo a polícia de Salazar tinha
infiltrado praticamente todos os núcleos oposicionistas mantendo-se ao corrente
dos seus movimentos.
Para completar o puzzle oposicionista, refere-se a
Associação dos Portugueses livres de Marrocos, a qual, ainda antes da fundação
da F.P.L.N., decidira apoiar Humberto Delgado, o que, após a cisão na FP.L.N.,
viria a acarretar graves dissabores aos seus membros, em virtude da retaliação
que o Partido Comunista e seus aliados da F.P.L.N. lhes passou a mover, bem
como a todos os aderentes à causa de Humberto Delgado, beneficiando das boas
graças do Presidente argelino Ben Bella.
Na sua grande maioria, aqueles, ficaram sem emprego, sem habitação, passaram a
ter grande dificuldade na obtenção de vistos de entrada e saída no país,
acabando alguns por ser expulsos.
No interior de
Portugal desencadeou-se um movimento revolucionário, que viria a ser designado
por “Organização República” (O.R.), disseminado por todo o território com a
missão de ocupação dos cargos administrativos quando se verificasse a eclosão
da revolta militar de deposição do regime de Salazar e instauração de um regime
liberal sem a presença de comunistas. Deste movimento - que viria a ser
descoberto e desmantelado pela PIDE, graças a uma notícia publicada no Le Monde com origem numa fonte da
F.P.L.N. -, faziam parte figuras como Manuel José Homem de Melo, Marechal
Craveiro Lopes, General Botelho Moniz, Contra-Almirante Ramos Pereira, Capitão
Vilhena, Coronel Montalvão, Coronel Firmino da Silva, Dr. Dias Amado, Dr. João
Manuel da Costa Figueira, Dr.. Zacarias Guerreiro, Francisco Lopes Madeira
(comerciante), António Rita (industrial de conservas), José dos Santos
(solicitador) e outros.
Foto: paquete Pátria, gémeo do Império.Peniche, 21 de Fevereiro de 2019
António Barreto
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