Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P 11)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)

“Quando a ditadura é um facto, a revolução é um direito”; a frase que proferiu em 1948 pode ler-se na lápide do seu jazigo.

   E foi assim que, incompatibilizado com Henrique Galvão a quem acusava de traição por querer liderar a secção operacional do movimento e por não ter levado a cabo todos os propósitos da operação Dulcineia, Humberto Delgado, se associou, através do MNI, ao Partido Comunista Português em Dezembro de 1963, constituindo a Frente Patriótica de Libertação Nacional a que viriam associar-se o Movimento de Ação Revolucionária (MAR) de Lopes Cardoso e Gomes da Costa e a Ação Republicana e Socialista (ARS) de Mário Soares.  

   Sol de pouca dura. A estratégia de derrube de Salazar pela luta armada colidiu com a da lenta e progressiva doutrinação das massas preconizada pelo PCP e por Mário Soares. Mas a divergência incidiu também no método da tomada de decisões; Delgado considerava-se o líder da FPLN a quem competia decidir, recusando o método colegial defendido pelos restantes membros e a “ditadura” de Tito de Morais e respetiva família.

   Dez meses depois, a cisão consumava-se com a constituição da Frente Portuguesa de Libertação Nacional, constituída pelo MNI, as forças que apoiaram Humberto Delgado, Delgado, Mário Soares e Emídio Guerreiro - estes, considerados infiltrados por Henrique Cerqueira (delegado de Humberto Delgado) - e elementos da Frente de Ação Popular (F.A.P.) - depois U.D.P., atualmente integrados no B.E. -, como observadores.

  Assinale-se que a Frente de Ação Popular (F.A.P.) - que na sequência do 25 de Abril deu lugar à União Democrática Popular (U.D.P.) a qual por sua vez, associada ao Partido Socialista Revolucionário (P.S.R.) e ao Movimento Política XXI, formaram em 1999 o atual Bloco de Esquerda -, teve origem no movimento designado por Comité Marxista-Leninista Português (CM-LP), organização constituída por Francisco Martins Rodrigues - o “camarada” Campos - membro do Comité central do Partido Comunista expulso do Partido por Álvaro Cunhal em Dezembro de 1963 - que o acusou de ladrão - por defender a luta armada. João Pulido Valente, recentemente falecido, aderiu à nova formação, instalando-se ambos em Argel, aderindo à FPLN de Humberto Delgado.

   Esta dupla dissidência, de Humberto Delgado e dos membros das F.A.P relativamente à estratégia de consciencialização da população preconizada pelo PCP, provocou uma crescente crispação entre as partes, queixando-se o PCP do recrudescimento da repressão salazarista sobre os seus membros em resultado da estratégia de intervenção armada dos “cisionistas aventureiros”.

   Por volta de 5 de Outubro de 1964, João Pulido Valente e Rita D’Espiney, são presos pela PIDE por atividades conspirativas, quando, no âmbito da FPLP (HD) se deslocaram a Portugal a fim estabelecer contactos preparatórios de atentados. Em Janeiro de 1965, um comunicado do CM-LP, acusava o PCP de denúncia dos ativistas e consequente prisão. Nota oficiosa da PIDE publicada na imprensa em 24 de Fevereiro de 1966, permite concluir que o delator teria sido Mário da Silva Mateus, infiltrado na FAP, o qual terá sido executado por Francisco Martins Rodrigues e Ruy D’Espiney, por sua vez presos em consequência deste atentado. Em 7 de Abril de 1976, a UDP, em comunicado à imprensa, responsabiliza o PCP pela prisão dos ativistas das FAP - João Pulido Valente foi libertado logo após o 25 de Abril de 1974 -, acusando-os de se terem apropriado dos ficheiros da PIDE para ocultar as provas da sua colaboração e desacreditar os ativistas dissidentes para o que teriam constituído uma “polícia secreta antirrevolucionária”.

   Segundo relatos de Henrique Cerqueira no seu livro “Acuso”, a história da oposição é um manancial de intrigas, traições, prisões, assassinatos, ambições descontroladas, irresponsabilidades e vaidades desmesuradas, envolvendo figuras gradas da democracia abrilista. Terá sido esta uma das causas do insucesso da luta oposicionista contra o regime de Salazar; incapacidade de articulação de uma estratégia comum com um chefe e uma cadeia hierárquica aceite por todos. Humberto Delgado, no seu estilo espalha-brasas, era um homem de ação, indisponível para burocracias e revoltas de secretária, comportamento que provocava graves dissabores aos comunistas. Paradoxalmente, a perseguição e tortura destes era uma das causas do anti salazarismo de Delgado, que as condenava convictamente, apesar de anticomunista confesso. De todo o modo a polícia de Salazar tinha infiltrado praticamente todos os núcleos oposicionistas mantendo-se ao corrente dos seus movimentos.

   Para completar o puzzle oposicionista, refere-se a Associação dos Portugueses livres de Marrocos, a qual, ainda antes da fundação da F.P.L.N., decidira apoiar Humberto Delgado, o que, após a cisão na FP.L.N., viria a acarretar graves dissabores aos seus membros, em virtude da retaliação que o Partido Comunista e seus aliados da F.P.L.N. lhes passou a mover, bem como a todos os aderentes à causa de Humberto Delgado, beneficiando das boas graças do Presidente argelino Ben Bella. Na sua grande maioria, aqueles, ficaram sem emprego, sem habitação, passaram a ter grande dificuldade na obtenção de vistos de entrada e saída no país, acabando alguns por ser expulsos.

   No interior de Portugal desencadeou-se um movimento revolucionário, que viria a ser designado por “Organização República” (O.R.), disseminado por todo o território com a missão de ocupação dos cargos administrativos quando se verificasse a eclosão da revolta militar de deposição do regime de Salazar e instauração de um regime liberal sem a presença de comunistas. Deste movimento - que viria a ser descoberto e desmantelado pela PIDE, graças a uma notícia publicada no Le Monde com origem numa fonte da F.P.L.N. -, faziam parte figuras como Manuel José Homem de Melo, Marechal Craveiro Lopes, General Botelho Moniz, Contra-Almirante Ramos Pereira, Capitão Vilhena, Coronel Montalvão, Coronel Firmino da Silva, Dr. Dias Amado, Dr. João Manuel da Costa Figueira, Dr.. Zacarias Guerreiro, Francisco Lopes Madeira (comerciante), António Rita (industrial de conservas), José dos Santos (solicitador) e outros.
Foto: paquete Pátria, gémeo do Império.

Peniche, 21 de Fevereiro de 2019
António Barreto

Sem comentários:

Enviar um comentário