Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
Resumindo, em vésperas da viagem fatídica de Humberto Delgado
a Espanha, verificava-se o seguinte quadro:
o
Henrique
Galvão, por esta altura, já está fora do circuito oposicionista ativo.
o
Sediada
em Argel, a F.P.L.N (Patriótica), de Álvaro Cunhal, Ramos de Almeida, Lopes
Cardoso, Piteira Santos, Tito de Morais, Manuel Alegre e outros, controlada
pelo Partido Comunista, cuja estratégia, contrariamente ao que acordara por
ocasião da 1ª conferência, consistia na rejeição da luta armada em favor da
consciencialização de massas, nas escolas, universidades, Forças Armadas,
fábricas, mundo rural, etc., de forma a criar as condições de apoio popular a
um futuro golpe militar revolucionário. Aconteceu no 25 de Abril de 1974.
Note-se que, por esta altura, o PCP beneficiava de um apoio financeiro da União
Soviética da ordem dos 10 milhões de euros mensais, o que permitia a profissionalização
da militância e a elaboração de uma estrutura consistente que ainda hoje se
mantém sem grandes alterações. Os restantes membros tinham constituição
incipiente e diminuta.
o
Também
sediada em Argel, a F.P.L.N. (Portuguesa), constituída com os dissidentes da
F.P.L.N. (Patriótica), liderada por Humberto Delgado, Adolfo Ayala, grupo de apoiantes da sua
candidatura, F.A.P. (como observadores), e outros, cuja estratégia consistia no
recurso à luta armada para derrubar os regimes de Salazar e de Franco.
o
Mário
Soares, Emídio Guerreiro e Jaime Vilhena de Andrade, acompanharam Humberto
Delgado na sua Frente Portuguesa, mas houve quem acreditasse convictamente que
estavam em missão ao serviço da Frente Patriótica - Henrique Cerqueira
colaborador próximo de Humberto Delgado.
o
A
Associação de Portugueses Livres de Marrocos, sediada em Rabat, constituída por
portugueses oposicionistas, que tomaram o partido de Humberto Delgado.
o
Oposicionistas
residentes em Argel, dependentes dos bons ofícios da F.P.L.N. (Patriótica)
junto do Governo Argelino, que tomaram o partido de Humberto Delgado.
o
Ben Bella, o lendário Presidente Argelino,
ex-jogador do Olympique de Marseille, amigo
de Pélé e de Garrincha, líder das forças rebeldes que conduziriam a Argélia à
independência da França, apoiava Humberto Delgado, instalando-o no Palácio e
oferecendo-lhe meios de treino para 600 operacionais, armas e apoio aéreo.
o
Portugueses
oposicionistas na diáspora; Venezuela, Argentina, Brasil, Paris, Roma (D. Maria
Pia, filha de D Carlos), cuja missão consistia, no apoio financeiro e
institucional ao movimento e na sua difusão.
o
Oposicionistas
residentes em Portugal, “sobreviventes” da O.R. (Organização República), cujo
propósito seria o de organizar estruturas de apoio popular prontas a entrar em
ação logo que se iniciassem as hostilidades.
o
Líderes
dos guerrilheiros das colónias portuguesas, com destaque para Amílcar Cabral e
sua mulher Helena Cabral, e outros, que mantinham contactos regulares com os
oposicionistas em Argel e Rabat, proporcionando algumas facilidades
institucionais aos portugueses residentes nestes locais.
o
A
P.I.D.E. com agentes infiltrados nas comunidades oposicionistas, lançando a
desconfiança entre estes e procurando desacredita-los institucionalmente.
o
A
comunidade internacional, cautelosamente, com grandes restrições, ia dando
algum conforto aos oposicionistas, salvaguardando, em geral, o relacionamento
com o Governo Português, cuja diplomacia, sob a batuta de Fernando Nogueira, se
revelava extremamente ativa e pertinente.
No plano das ideias
para o país verificavam-se incompatibilidades insanáveis entre as várias
fações. Do lado da F.P.L.N. (Patriótica) liderada por Álvaro Cunhal defendia-se
o advento da democracia e a imediata descolonização e independência dos territórios
ultramarinos. Na verdade, os acontecimentos de 74/75, no período que foi
designado por P.R.E.C., mostrou-nos um Partido Comunista pouco empenhado na
implementação efetiva da democracia. Já a F.P.L.N. (Portuguesa), liderada por
Humberto Delgado, defendia uma democracia socialista, a suspensão da guerra
colonial e a autodeterminação do povo das colónias via consulta popular,
opondo-se a qualquer tipo de totalitarismo. Por outro lado, a O.R. defendia a
deposição da ditadura e a implementação da democracia com exclusão do Partido
Comunista. O grupo de Mário Soares e Emídio Guerreiro, acompanharam Humberto
Delgado na Frente Portuguesa, aderindo, aparentemente, ao seu projeto, em
detrimento do da Frente Patriótica.
É, pois, num
contexto de guerrilha entre fações oposicionistas - inevitável face ao exposto,
sobretudo entre as duas Frentes, em que cada uma tenta desacreditar a outra junto
da comunidade internacional, em especial junto do Presidente argelino e junto
da comunidade oposicionista -, vigiadas de perto pela polícia política de
Salazar (suspeita de as ter infiltrado) que Humberto Delgado se desloca a Badajós, na sequência da “célebre” reunião
de Paris, realizada no hotel Caumartin
em 26 de Dezembro de 1964 com oposicionistas radicados em França e delegados de
Lisboa e Porto, om o intuito de preparar os apoios internos para a intervenção
armada em Portugal que tinha congeminado com o apoio de Ben Bella.
Nessa reunião, terão
participado, além do General, Rolando Verdial, Jaime Vilhena de Andrade, Mário
de Carvalho, um tal Azevedo, Emídio Guerreiro e Ernesto Castro e Sousa (Ernesto
Lopes Ramos), tendo ficado decidido a ida de Humberto Delgado a Badajós onde se
encontraria com correligionários em Portugal, incluindo altas patentes das
Forças Armadas, e ainda os delegados de Roma e Paris.
Foto: navio misto, a motor, Amboim, da CCN (não tripulei, mas pisei-lhe o convés)
Peniche, 23 de Fevereiro de 2019
António Barreto
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