Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O
Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A
Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
Mas o sequestro do
avião da TAP e do lançamento dos panfletos sobre Lisboa acabaria por realizar-se,
com os operacionais Palma Inácio, Manuel Serra, Camilo Mortágua, Fernando
Vasconcelos, Helena Vidal - grávida de dois meses - e João Martins. José
Cerqueira Marcelino, de 45 anos, foi o piloto do Super-Constellation da TAP - Mouzinho de Albuquerque -, que, de
Casablanca, seria desviado para Lisboa onde foram lançados mil panfletos - na
Avenida da Liberdade, no Marquês de Pombal, na Rua do Ouro, no Terreiro do
Paço, na Avenida 24 de Julho, Alcântara, Barreiro, Beja, Faro -, incitando a
população à rebelião, com regresso a Tânger, onde Galvão os esperava. Este dera
ordens escrupulosas aos operacionais para não fazerem vítimas. Dois caças F-86
Sabre - Falcões Vermelhos - saíram de Monte Real com ordens para impor o
regresso do Super-Constellation a
Lisboa ou abatê-lo. Quando levantaram voo, este já tinha aterrado em Tânger.
Tal não obstou o inevitável interrogatório da frustrada PIDE aos pilotos.
Galvão tinha simulado um desembarque por mar, no Algarve, onde dois navios de
guerra aguardaram, em vão. Foi o primeiro sequestro da história da aviação
comercial em todo o mundo.
O comportamento do
piloto José Marcelino suscitou rasgados elogios da parte de Henrique Galvão. É
verdade que Marcelino foi pragmático, inteligente e corajoso, revelando grande
perícia nas manobras da aeronave. Foi talvez pela sua postura serena que não
houve vítimas - Camilo Mortágua acharia a operação demasiado fácil -, mas,
talvez a razão dos elogios tenha sido outra. É que a resistência da tripulação
poderia ter abortado a operação provocando vítimas mortais e manchando o
movimento de Galvão. Diferente foi o caso do paquete Santa Maria, em que, apesar
do titubeante comandante, o projeto ficou aquém do planeado. Então, Galvão
sentiu a frustração.
Nestes episódios
ficou bem expresso o caráter autoritário e paradoxal de Humberto Delgado. O seu
egoísmo superou o seu patriotismo. Ao recusar a articulação dos dois projetos sacrificou
a probabilidade de sucesso da insurreição, revelando um profundo desejo de
poder e ciúmes exacerbados. Afinal ele é que traiu Galvão ao denunciá-lo publicamente.
Apesar disso, este mostrou-se melhor preparado para a fase operacional e dum
nível de patriotismo superior. Ambos eram corajosos mas Henrique Galvão
enfrentou Salazar e o “seu” aparelho por dentro do regime onde ocupava cargo de
relevo. Humberto Delgado foi um fiel servidor de Salazar até experimentar o
doce sabor da popularidade quando se candidatou, pela oposição, à Presidência
da República, por iniciativa de Henrique Galvão. A derrota foi a causa da
dissidência. Henrique Galvão Foi uma lenda que o abrilismo quis esquecer, por
ser anticomunista convicto e por ter um entendimento diferente relativamente às
colónias.
O convite que a ONU,
em 1962 fez a Henrique Galvão para discursar como peticionário contra a
política ultramarina portuguesa, acabaria por concretizar-se em 13 de Dezembro
de 1963 a pedido dos países africanos e apesar das diligências americanas para
o evitar dado o seu interesse em preservar o acordo que tinha com o Governo
português para utilização da base da Lages.
Galvão corria o
risco de extradição ao pisar solo americano o que o obrigaria ao cumprimento da
pena de 24 anos de prisão pelo cúmulo jurídico relativo às condenações do
sequestro do Santa Maria e do avião da TAP. Escapou graças ao diletantismo
provocado, intencionalmente, pela administração americana, que terá invocado
dificuldades burocráticas, dando tempo a Galvão para apanhar o avião de
regresso ao Brasil.
Porém, para os
promotores do evento, a deceção foi total; contrariamente ao que esperavam - a
reprovação inequívoca da política ultramarina portuguesa -, Henrique Galvão
defendeu a suspensão da guerra colonial seguida da consulta ao povo português e
aos habitantes das colónias sobre a autodeterminação, após o estabelecimento da
democracia em Portugal, tendo responsabilizado Salazar pelos problemas que se
verificavam no Ultramar. Para desespero da audiência africana Galvão declarou que
as colónias não estavam prontas para a independência total, o que aqueles
consideraram uma atitude colonialista.
Hoje, que assistimos
à invasão da Europa por imigrantes afro-asiáticos, constatamos que Henrique
Galvão estava certo; as independências africanas falharam quase todas ou todas,
sujeitando as respetivas populações à miséria e à repressão com a conivência da
ONU.
Os fautores da
trágica descolonização portuguesa preferiram ignorar o grande opositor de
Salazar, para não serem confrontados com os erros que cometeram, já que se
limitaram a entregar as colónias, incondicionalmente, empenhados, como hoje, na
difusão do socialismo sob o manto hipócrita da ONU.
No âmbito interno,
toda esta turbulência - circularam ainda rumores da oferta de financiamento de
500 mil dólares, pelo regime cubano, para o assassinato de Salazar -, e a
convicção da iminência de novas operações, contribuiu para o recrudescimento da
ação das forças de segurança cujas principais vítimas terão sido os comunistas,
empenhados sobretudo em ações de consciencialização das massas.
Uma curiosidade; foi
Henrique Galvão que apelidou Salazar de caranguejola numa carta que enviou à
sua mulher após o regresso da ONU. Caranguejola foi o termo com que a esquerda
- da “geringonça” - apelidou o arranjo partidário do governo que a precedeu. Ou
seja, implicitamente, chamou fascista a um governo eleito democraticamente.
Foto: Supercontellation idêntico ao que foi sequestrado pela equipa de Henrique Galvão.
Peniche, 13 de Fevereiro de 2019
António Barreto
Foto: Supercontellation idêntico ao que foi sequestrado pela equipa de Henrique Galvão.
Peniche, 13 de Fevereiro de 2019
António Barreto
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