Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P9)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)  
 
  
Mas o sequestro do avião da TAP e do lançamento dos panfletos sobre Lisboa acabaria por realizar-se, com os operacionais Palma Inácio, Manuel Serra, Camilo Mortágua, Fernando Vasconcelos, Helena Vidal - grávida de dois meses - e João Martins. José Cerqueira Marcelino, de 45 anos, foi o piloto do Super-Constellation da TAP - Mouzinho de Albuquerque -, que, de Casablanca, seria desviado para Lisboa onde foram lançados mil panfletos - na Avenida da Liberdade, no Marquês de Pombal, na Rua do Ouro, no Terreiro do Paço, na Avenida 24 de Julho, Alcântara, Barreiro, Beja, Faro -, incitando a população à rebelião, com regresso a Tânger, onde Galvão os esperava. Este dera ordens escrupulosas aos operacionais para não fazerem vítimas. Dois caças F-86 Sabre - Falcões Vermelhos - saíram de Monte Real com ordens para impor o regresso do Super-Constellation a Lisboa ou abatê-lo. Quando levantaram voo, este já tinha aterrado em Tânger. Tal não obstou o inevitável interrogatório da frustrada PIDE aos pilotos. Galvão tinha simulado um desembarque por mar, no Algarve, onde dois navios de guerra aguardaram, em vão. Foi o primeiro sequestro da história da aviação comercial em todo o mundo.

    O comportamento do piloto José Marcelino suscitou rasgados elogios da parte de Henrique Galvão. É verdade que Marcelino foi pragmático, inteligente e corajoso, revelando grande perícia nas manobras da aeronave. Foi talvez pela sua postura serena que não houve vítimas - Camilo Mortágua acharia a operação demasiado fácil -, mas, talvez a razão dos elogios tenha sido outra. É que a resistência da tripulação poderia ter abortado a operação provocando vítimas mortais e manchando o movimento de Galvão. Diferente foi o caso do paquete Santa Maria, em que, apesar do titubeante comandante, o projeto ficou aquém do planeado. Então, Galvão sentiu a frustração.

   Nestes episódios ficou bem expresso o caráter autoritário e paradoxal de Humberto Delgado. O seu egoísmo superou o seu patriotismo. Ao recusar a articulação dos dois projetos sacrificou a probabilidade de sucesso da insurreição, revelando um profundo desejo de poder e ciúmes exacerbados. Afinal ele é que traiu Galvão ao denunciá-lo publicamente. Apesar disso, este mostrou-se melhor preparado para a fase operacional e dum nível de patriotismo superior. Ambos eram corajosos mas Henrique Galvão enfrentou Salazar e o “seu” aparelho por dentro do regime onde ocupava cargo de relevo. Humberto Delgado foi um fiel servidor de Salazar até experimentar o doce sabor da popularidade quando se candidatou, pela oposição, à Presidência da República, por iniciativa de Henrique Galvão. A derrota foi a causa da dissidência. Henrique Galvão Foi uma lenda que o abrilismo quis esquecer, por ser anticomunista convicto e por ter um entendimento diferente relativamente às colónias.

   O convite que a ONU, em 1962 fez a Henrique Galvão para discursar como peticionário contra a política ultramarina portuguesa, acabaria por concretizar-se em 13 de Dezembro de 1963 a pedido dos países africanos e apesar das diligências americanas para o evitar dado o seu interesse em preservar o acordo que tinha com o Governo português para utilização da base da Lages.

   Galvão corria o risco de extradição ao pisar solo americano o que o obrigaria ao cumprimento da pena de 24 anos de prisão pelo cúmulo jurídico relativo às condenações do sequestro do Santa Maria e do avião da TAP. Escapou graças ao diletantismo provocado, intencionalmente, pela administração americana, que terá invocado dificuldades burocráticas, dando tempo a Galvão para apanhar o avião de regresso ao Brasil.

   Porém, para os promotores do evento, a deceção foi total; contrariamente ao que esperavam - a reprovação inequívoca da política ultramarina portuguesa -, Henrique Galvão defendeu a suspensão da guerra colonial seguida da consulta ao povo português e aos habitantes das colónias sobre a autodeterminação, após o estabelecimento da democracia em Portugal, tendo responsabilizado Salazar pelos problemas que se verificavam no Ultramar. Para desespero da audiência africana Galvão declarou que as colónias não estavam prontas para a independência total, o que aqueles consideraram uma atitude colonialista.

   Hoje, que assistimos à invasão da Europa por imigrantes afro-asiáticos, constatamos que Henrique Galvão estava certo; as independências africanas falharam quase todas ou todas, sujeitando as respetivas populações à miséria e à repressão com a conivência da ONU.

   Os fautores da trágica descolonização portuguesa preferiram ignorar o grande opositor de Salazar, para não serem confrontados com os erros que cometeram, já que se limitaram a entregar as colónias, incondicionalmente, empenhados, como hoje, na difusão do socialismo sob o manto hipócrita da ONU.

   No âmbito interno, toda esta turbulência - circularam ainda rumores da oferta de financiamento de 500 mil dólares, pelo regime cubano, para o assassinato de Salazar -, e a convicção da iminência de novas operações, contribuiu para o recrudescimento da ação das forças de segurança cujas principais vítimas terão sido os comunistas, empenhados sobretudo em ações de consciencialização das massas.

   Uma curiosidade; foi Henrique Galvão que apelidou Salazar de caranguejola numa carta que enviou à sua mulher após o regresso da ONU. Caranguejola foi o termo com que a esquerda - da “geringonça” - apelidou o arranjo partidário do governo que a precedeu. Ou seja, implicitamente, chamou fascista a um governo eleito democraticamente.

Foto: Supercontellation idêntico ao que foi sequestrado pela equipa de Henrique Galvão.

Peniche, 13 de Fevereiro de 2019
António Barreto

Sem comentários:

Enviar um comentário