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domingo, 10 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P7)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
 
   
Graças à pressão internacional movida pela diplomacia do governo português, o paquete Santa Maria acabaria por ser entregue ao Governo Brasileiro ficando por concluir os restantes objetivos do sequestro: tomada da ilha de Fernando Pó e ataque a Luanda dirigida inicialmente ao controlo do aeroporto e da rádio, terminando na constituição de um governo. Para este desfecho contribuiu o levantamento da tripulação, o motim dos passageiros, e a intervenção dos fuzileiros brasileiros. No Recife, encontravam-se, entre um “mar” de jornalistas, Artur Agostinho e João Coito trabalhando na reportagem do evento.

     Em toda esta tragicomédia esteve patente o poder diplomático e político do Governo de Salazar e a sua capacidade de intervenção militar - uma força naval estava pronta a intercetar o paquete Santa Maria caso este se dirigisse para África. Porém, este sequestro, foi um marco na viragem da comunidade internacional relativamente à ditadura portuguesa, condenada desde 1945. Curioso é que, de 1950 a 1974, Portugal foi um dos países do mundo cujos indicadores socioeconómicos mais evoluíram. E Salazar, afinal, seria pateticamente derrubado por uma cadeira defeituosa.

   Ao ser informado do sequestro do paquete, Salazar terá comentado: “Bem me parecia. Galvão é homem empreendedor, qualquer coisa haveria de fazer. Sempre me pareceu tolice deixar sair Galvão, sempre me pareceu que nem os argentinos cumpririam a promessa, nem ele ficaria quieto. Mas houve aí uns medos, mil pressões...”.

    Henrique Galvão defendia a dignidade dos negros das colónias e dos portugueses da metrópole, mas era contra a independência daquelas - por não estarem preparadas as populações -, defendia a substituição das ditaduras ibéricas por democracias em regime de confederação com a Galiza, Catalunha e País Basco independentes. Era anticomunista convicto - Galvão chegou a encontrar-se em Cuba com Che Guevara e Raul Castro, para pedir financiamento da operação dulcineia -, razão pela qual é hoje esquecido pelas novas elites políticas. Na Assembleia Nacional onde era deputado, denunciou o trabalho forçado nas colónias que presenciou enquanto Inspetor colonial e apresentou um relatório nestes termos:

“Se quisermos ser realistas, a situação é pelo menos tão desumana como era nos tempos da escravatura. Contudo, nesse tempo, o negro, comparado a um animal de trabalho, continuava a ser uma peça de propriedade pessoal, que o seu dono tinha interesse em manter saudável e vigorosa, como fazia com o seu boi ou com o seu cavalo. Atualmente, um negro não é vendido, mas simplesmente alugado ao Governo sem perder o rótulo de homem livre. O patrão interessa-se pouco que o homem viva ou morra, desde que trabalhe enquanto puder.”

   Um dos financiadores de Humberto Delgado e Henrique Galvão foi o célebre Lúcio Tomé Feteira, empresário de Vieira de Leiria com fortuna, exilado no Brasil, cuja secretária, Rosalina, foi recentemente assassinada num caso que envolveu o conhecido advogado Duarte Lima.

   A 14 de Fevereiro o majestoso paquete Santa Maria atracava no cais de Alcântara onde foi recebido apoteoticamente por Salazar e cerca de 100 mil pessoas. Por essa altura já o Ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, conspirava com o embaixador americano contra o ditador. Os ataques da UPA no norte de Angola a um quartel da PSP e a prisões militares e civis, com que se iniciaria a guerra colonial, verificar-se-iam pouco depois. Botelho Moniz, seria demitido em Abril, após tentativa de golpe de Estado falhada, tendo Salazar assumido a pasta da defesa.

   Ainda em Abril foi detido pela PIDE, em Lisboa, um fotógrafo brasileiro que viria com a missão de levar a cabo vários atentados à bomba no país e contra Salazar, com explosivos que trouxera dissimulados no navio argentino em que viajara. Descoberto, foi condenado a cinco anos de cadeia e solto após cumprida metade da pena. Surpreendente, para um ditador que se diz implacável.

   Um país comunista - supõe-se que a URSS - terá oferecido a Jorge Sotomayor dois contratorpedeiros para afundar o paquete Vera Cruz, com 1500 soldados a bordo e armamento para Angola, com a condição de Portugal sair da Nato logo que Henrique Galvão assumisse o poder. Este terá recusado declarando-se indisponível para aceitar ajuda de países comunistas e para assumir compromissos sem consultar previamente o povo Português. Foi a causa da rutura no DRIL, por várias vezes eminente durante a operação Dulcineia.

   Maria Ruth Nascimento Costa, só receberia a pensão por morte de seu marido - que lhe havia sido prometida por Américo Tomás -, quando Marcello Caetano ascendeu ao poder em 1968! Depois da condecoração a título póstumo por Américo Thomáz, com o colar da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito por altura do funeral, a família do malogrado piloto foi votada ao esquecimento pelo Estado durante sete anos.

   Abandonada a quinta de Campinas por falta de fundos, Humberto Delgado e Henrique Galvão são acusados por 15 guerrilheiros de desvio de verbas e desacreditados publicamente por ação do consulado de Portugal em São Paulo. O DRIL acabaria pouco tempo depois. Pepe Velo dedicar-se-ia à atividade editorial e Jorge Sotomayor continuaria, sucessivamente, a embrenhar-se em causas revolucionárias.

   Os dois opositores de Salazar incompatibilizar-se-iam pouco depois - em Maio -, por discordância da orgânica do MNI; Galvão queria a chefia militar para si e a chefia política para Delgado. Este queria assumir ambas argumentando com a diferença de patentes entre eles. O perfil autoritário de Delgado, mais uma vez patente, acabaria, mais tarde, por provocar graves roturas na oposição sediada em Argel.
Peniche, 10 de Fevereiro de 2019
António Barreto

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