Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O
Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A
Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
Graças à pressão internacional movida pela diplomacia do
governo português, o paquete Santa Maria acabaria por ser entregue ao Governo
Brasileiro ficando por concluir os restantes objetivos do sequestro: tomada da
ilha de Fernando Pó e ataque a Luanda dirigida inicialmente ao controlo do
aeroporto e da rádio, terminando na constituição de um governo. Para este
desfecho contribuiu o levantamento da tripulação, o motim dos passageiros, e a
intervenção dos fuzileiros brasileiros. No Recife, encontravam-se, entre um
“mar” de jornalistas, Artur Agostinho e João Coito trabalhando na reportagem do
evento.
Em toda esta
tragicomédia esteve patente o poder diplomático e político do Governo de
Salazar e a sua capacidade de intervenção militar - uma força naval estava
pronta a intercetar o paquete Santa Maria caso este se dirigisse para África.
Porém, este sequestro, foi um marco na viragem da comunidade internacional
relativamente à ditadura portuguesa, condenada desde 1945. Curioso é que, de
1950 a 1974, Portugal foi um dos países do mundo cujos indicadores
socioeconómicos mais evoluíram. E Salazar, afinal, seria pateticamente derrubado
por uma cadeira defeituosa.
Ao ser informado do
sequestro do paquete, Salazar terá comentado: “Bem me parecia. Galvão é homem empreendedor, qualquer coisa haveria de
fazer. Sempre me pareceu tolice deixar sair Galvão, sempre me pareceu que nem
os argentinos cumpririam a promessa, nem ele ficaria quieto. Mas houve aí uns
medos, mil pressões...”.
Henrique Galvão
defendia a dignidade dos negros das colónias e dos portugueses da metrópole,
mas era contra a independência daquelas - por não estarem preparadas as
populações -, defendia a substituição das ditaduras ibéricas por democracias em
regime de confederação com a Galiza, Catalunha e País Basco independentes. Era
anticomunista convicto - Galvão chegou a encontrar-se em Cuba com Che Guevara e
Raul Castro, para pedir financiamento da operação dulcineia -, razão pela qual
é hoje esquecido pelas novas elites políticas. Na Assembleia Nacional onde era
deputado, denunciou o trabalho forçado nas colónias que presenciou enquanto
Inspetor colonial e apresentou um relatório nestes termos:
“Se quisermos ser
realistas, a situação é pelo menos tão desumana como era nos tempos da
escravatura. Contudo, nesse tempo, o negro, comparado a um animal de trabalho,
continuava a ser uma peça de propriedade pessoal, que o seu dono tinha
interesse em manter saudável e vigorosa, como fazia com o seu boi ou com o seu
cavalo. Atualmente, um negro não é vendido, mas simplesmente alugado ao Governo
sem perder o rótulo de homem livre. O patrão interessa-se pouco que o homem
viva ou morra, desde que trabalhe enquanto puder.”
Um dos financiadores
de Humberto Delgado e Henrique Galvão foi o célebre Lúcio Tomé Feteira,
empresário de Vieira de Leiria com fortuna, exilado no Brasil, cuja secretária,
Rosalina, foi recentemente assassinada num caso que envolveu o conhecido
advogado Duarte Lima.
A 14 de Fevereiro o
majestoso paquete Santa Maria atracava no cais de Alcântara onde foi recebido
apoteoticamente por Salazar e cerca de 100 mil pessoas. Por essa altura já o
Ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, conspirava com o embaixador americano contra
o ditador. Os ataques da UPA no norte de Angola a um quartel da PSP e a prisões
militares e civis, com que se iniciaria a guerra colonial, verificar-se-iam
pouco depois. Botelho Moniz, seria demitido em Abril, após tentativa de golpe
de Estado falhada, tendo Salazar assumido a pasta da defesa.
Ainda em Abril foi
detido pela PIDE, em Lisboa, um fotógrafo brasileiro que viria com a missão de
levar a cabo vários atentados à bomba no país e contra Salazar, com explosivos que
trouxera dissimulados no navio argentino em que viajara. Descoberto, foi
condenado a cinco anos de cadeia e solto após cumprida metade da pena.
Surpreendente, para um ditador que se diz implacável.
Um país comunista -
supõe-se que a URSS - terá oferecido a Jorge
Sotomayor dois contratorpedeiros para afundar o paquete Vera Cruz, com 1500
soldados a bordo e armamento para Angola, com a condição de Portugal sair da
Nato logo que Henrique Galvão assumisse o poder. Este terá recusado
declarando-se indisponível para aceitar ajuda de países comunistas e para
assumir compromissos sem consultar previamente o povo Português. Foi a causa da
rutura no DRIL, por várias vezes eminente durante a operação Dulcineia.
Maria Ruth
Nascimento Costa, só receberia a pensão por morte de seu marido - que lhe havia
sido prometida por Américo Tomás -, quando Marcello Caetano ascendeu ao poder
em 1968! Depois da condecoração a título póstumo por Américo Thomáz, com o
colar da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito por altura do funeral, a
família do malogrado piloto foi votada ao esquecimento pelo Estado durante sete
anos.
Abandonada a quinta
de Campinas por falta de fundos, Humberto Delgado e Henrique Galvão são
acusados por 15 guerrilheiros de desvio de verbas e desacreditados publicamente
por ação do consulado de Portugal em São Paulo. O DRIL acabaria pouco tempo
depois. Pepe Velo dedicar-se-ia à
atividade editorial e Jorge Sotomayor
continuaria, sucessivamente, a embrenhar-se em causas revolucionárias.
Os dois opositores
de Salazar incompatibilizar-se-iam pouco depois - em Maio -, por discordância da
orgânica do MNI; Galvão queria a chefia militar para si e a chefia política
para Delgado. Este queria assumir ambas argumentando com a diferença de
patentes entre eles. O perfil autoritário de Delgado, mais uma vez patente,
acabaria, mais tarde, por provocar graves roturas na oposição sediada em Argel.
Peniche, 10 de Fevereiro de 2019António Barreto
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