Julgo que foi durante a monarquia, talvez até ao século XIX, que Portugal esteve mais próximo do federalismo. As abundantes concessões territoriais régias aos nobres e ordens religiosas como contrapartida pela participação na reconquista, resultou numa miríade de senhorios e concelhos com autonomia administrativa, económica e jurisdicional, competindo à coroa, conforme definido em cortes, a mobilização militar, o tributo senhorial e a supervisão jurisdicional - funcionando em certas matérias como tribunal de recurso. Após a consolidação territorial em 1297 - tratado de Alcanizes no reinado de D. Dinis - e o primeiro ciclo de povoamento - início dos Descobrimentos em 1415 -, por meados do século XV - 1446 - com a publicação das célebres Ordenações Afonsinas iniciou-se o processo de reversão concentracionista que se prolongou pelos séculos, intensificando-se após 1834 na sequência das reformas liberais a que foi dado novo impulso na sequência da primeira república. Surpreende a dinâmica, pela qual, à irradicação do absolutismo correspondeu a concentração político-administrativa; uma realidade que, mais coisa menos coisa, com exceção do caso das ilhas adjacentes, se mantém.
No seu “Depoimento”, no capítulo dedicado ao
Ultramar - editora Record, 1975 - Marcello Caetano resume os vários conceitos
que foram ocorrendo no tipo de relacionamento da Metrópole com os territórios
ultramarinos. Assim:
No século XIX prevaleceram as ideias de assimilação e centralização
herdadas da Revolução Francesa - 1789; o primado da igualdade justificava a
universalidade das leis e da administração política (assimilação), que só a
concentração de poderes poderia garantir bem como prevenir os abusos dos
poderes locais.
Na sequência da crise provocada pelo Ultimatum
inglês em 1890 - em que o Partido Republicano Português acusou a Coroa de
incompetência na defesa dos interesses nacionais na Conferência de Berlim - realizada
em 1884/1885 -, a República afirmou-se, desde a primeira hora, intransigente
defensora do património ultramarino.
Apesar da simpatia que o Governo Republicano tinha pelas ideias da
Revolução Francesa acabou por adotar o princípio da autonomia defendido pela
geração que fez as campanhas de ocupação africana, como foram os casos de
António Enes, Mouzinho de Albuquerque e Paiva Couceiro. À semelhança do modelo
das colónias inglesas, as ideias da especialidade do Direito e da autonomia do
Governo foram-se sobrepondo às de assimilação e centralização até aí vigentes.
Foi com a ideia de autonomia que, em 5 de Outubro de 1910, o Ministério
da Marinha e Ultramar passou a designar-se por Ministério da Marinha e Colónias
e que, em 1913, foi criado o Ministério das Colónias. A colónia, segundo os
doutrinadores da época, era mais adequada à autonomia do que a província. O
modelo foi-se impondo contra a oposição de Monárquicos e tradicionalistas.
A
possibilidade de defesa da integridade do império colonial na futura
Conferência de Paz foi uma das causas da participação de Portugal na primeira
Guerra Mundial. A outra foi a necessidade de reconhecimento internacional do
novo regime.
Críticas à política colonial de Portugal na Conferência de Paz - de
1919, aspirações da União Sul Africana ao sul de Moçambique, Conferência de
Berlim - de 1898 - e conversações secretas anglo-germânicas, incentivaram os
governos republicanos a intensificar as políticas coloniais, adotando o modelo
dos Altos Comissários, com plenos poderes executivos. Tal revelar-se-ia um
fracasso induzido pela desordem política e financeira que se vivia na
Metrópole. No seu relatório sobre as “Finanças Coloniais”, Armindo Monteiro descreve
o estado calamitoso em que se encontravam as administrações das colónias sob o
modelo dos Altos-Comissários. Marcello Caetano enquanto vogal do Conselho do
Império em 1935, cuja secção de finanças era responsável pelos pagamentos dos
exercícios precedentes, testemunhou documentalmente todo este caos.
Peniche, 06 de Setembro de 2019
António Barreto jr
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