Federalismo spinolista e Autonomia marcelista
António de Spínola referiu,
no seu “Portugal e o Futuro”, que a transição para a federação a partir do
regime em vigor não seria difícil.
De facto, parte do caminho estava feito: as províncias dispunham de
Assembleias legislativas e Juntas Consultivas, ambas eleitas e abertas à
participação de todos os cidadãos, brancos e negros - a lei do indigenato fora
revogada em 1951. Vigorava o princípio da especialidade das leis, com tribunais
de primeira instância locais, relação em Luanda e Lourenço Marques e Supremo em
Lisboa. Cada província tinha autonomia económica e financeira. O sistema era
progressivo e aberto à dinâmica sociopolítica. O Governador era nomeado pelo
Governo e podia legislar por decreto.
Para a federação spinolista faltava elaborar uma nova constituição, constituir
o Governo Federal, reorganizar o Governo da Metrópole, eleger os Presidentes
dos Estados, definir as condições do circulação de pessoas, bens e capitais
entre os Estados, definir o estatuto da Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe,
Macau e Timor.
Ambas as soluções procuravam preservar a “portugalidade” mas de formas
diferentes; enquanto António de Spínola visava integrar todas as populações sob
a bandeira portuguesa com um modelo inovador à escala mundial, Marcello Caetano
pugnava pela adesão das populações à integração cultural, num quadro de
autonomias alargadas ou mesmo de independências plenas.
Em ambos os casos está patente o patriotismo e o respeito pelos povos e
pela democracia, mas António de Spínola numa versão mais conservadora e
irrealista enquanto Marcello Caetano ostentava um surpreende liberalismo.
Recordo que Amílcar Cabral tinha uma perspetiva de organização política
do “mundo português” muito semelhante à federação defendida por Spínola. Tal
pode ter sido resultado das negociações que travaram na Guiné, sob os auspícios
de Leopold Senhgor, com vista a
encontrar caminhos para a paz na província.
O líder do PAIGC assumiu perante os seus apoiantes, e publicamente, que,
se Portugal evoluísse para uma democracia num quadro de igualdade plena,
deixaria de haver motivos para continuar a guerra.
Amílcar Cabral foi assassinado em 20 de Janeiro de 1973 em Conakri, segundo consta, por dissidentes
do seu partido. Por essa altura o modelo
da “Autonomia Progressiva Participada” de Marcello Caetano estava no terreno há
cerca de um ano. É possível que, no Partido, tenha posto em causa a motivação da
guerra e que tenha sido essa a causa do seu assassinato.
A sobrevivência de Amílcar Cabral poderia ter posto fim à Guerra da
Guiné e de todo o ultramar, abrindo-se espaço para a evolução da Autonomia
Progressiva Participada, eventualmente, seguida das independências.
À luz do quadro geopolítico dos dias de hoje a tese de Spínola parece-me
utópica; as elites locais, tarde ou cedo exigiriam as independências, sob os
auspícios dos “amigos” externos.
Talvez houvesse alguma viabilidade do modelo da sociedade plurirracial
de Caetano mas nunca num quadro de igualdade de direitos de cidadania entre
pretos e brancos.
A doutrina da negritude que enformou as independências, paradoxalmente, surpreendentemente,
parece dedicada à cultura do supremacismo negro.
Alcácer Quibir
Peniche, 12 de Setembro de 2019
António Barreto jr