Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto
(Em História Política
Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
A governação de Salazar: Cooptação de
notáveis, poder pessoal e catedocracia estatista
Uma das razões do longo consulado de Salazar
residiu na forma como atraiu ao regime as várias frentes políticas. No seu
discurso programático de 1932, “As Forças Políticas Perante a Revolução
Nacional”, Salazar afirmou aceitar todas as forças políticas patrióticas com a
condição de abdicarem de atividade política autónoma fora do regime. Visava, sobretudo,
os diversos partidos da direita envolvida na Revolução do 28 de Maio;
católicos, monárquicos, integralistas e fascistas. Todos poderiam apresentar e
discutir as suas ideias mas submeter-se-iam à decisão de Salazar. Tratava-se
pois de um regime de várias tendências de direita mas centralizado e
autoritário.
As elites locais, de natureza eminentemente
caciquista e paroquial, sem preocupações ideológicas, adaptaram-se facilmente à
nova ordem integrando-se na União Nacional, (UN) apesar dos protestos dos
puristas do regime.
Tal como referiu Marcello Caetano, enquanto
responsável pela UN, esta agregava os líderes de província, não para
colaborarem nos planos da governação, mas para procurarem soluções para os
problemas das suas clientelas a troco de apoio eleitoral.
A
missão da UN consistia em estabelecer a ligação entre o poder central e o do interior,
fomentando o clientelismo, o nepotismo e o tráfico de influências. O mito da
imunidade do Estado Novo ao clientelismo não se verificou.
Salazar votava um certo desprezo à UN
considerando a sua atividade de “baixa política” ou “política de campanário”
indigna da sua dedicação. Só em 1949 e perante ameaça de demissão Marcello
Caetano, enquanto líder da UN, conseguiu uma audiência semanal com o chefe do
Governo.
Contudo a UN permitia a Salazar acompanhar
os acontecimentos e personalidades locais e acionar os correspondentes mecanismos
de apoio eleitoral.
A governação de Salazar, solitária,
distante, burocrática, misteriosa, contava com um grupo informal de
conselheiros, das várias tendências do regime que eram consultados em épocas de
crise ou de remodelação governamental. Dele faziam parte Bissaya Barreto, Albino dos Reis, Mário de Figueiredo, José Nosolini, Santos Costa, Teotónio
Pereira e Marcello Caetano, entre outros. Eram os “olhos e ouvidos de Salazar”.
Pronunciavam-se sobre qualquer assunto ainda que descorrelacionado com as
respetivas especialidades. Nem todos tinham funções no Governo sendo alguns
recompensados com nomeações vitalícias para o Conselho de Estado ou para
funções diplomáticas de prestígio.
Hipólito Raposo - monárquico opositor - e
Marcelo Caetano - (republicano crítico) - aludiram ao funcionamento altamente centralizado
do Governo tendo afirmando aquele que no Estado Novo não havia nada além de
Salazar e este que o Governo era a única fonte de política ativa. Tais
afirmações não andariam muito longe da verdade.
Apesar de a lei determinar que a decisão de
certos assuntos fosse tomada em Conselho de Ministros Salazar preferia fazê-lo
reunindo individualmente com o respetivo ministro. Perante as críticas de
Adriano Moreira e Marcello Caetano, Salazar alegava a necessidade de sigilo, a
falta de conhecimentos gerais dos ministros - que não davam contributos fora
dos temas das respetivas pastas - e que “sendo dois já era um Conselho”.
Perante as sucessivas críticas de Caetano -
que referia a necessidade de criação dum forte secretariado da Presidência do
governo e a necessidade de reunião frequente do Conselho de Ministros para
pensar e coordenar políticas -, Salazar respondia com a sua conceção de
governação de trabalho, que irradiava para os ministérios dignos de atenção. Considerava-se
uma espécie de Rei Sol. Os Conselhos de Ministros, quando se realizavam,
serviam, essencialmente, para evitar a desautorização formal dos ministros.
Excetuavam-se as alturas de crise, em que Salazar lhes reconhecia alguma
utilidade, para recuperar a iniciativa política, dar ânimo às elites e definir
linhas de ação comuns.
A concentração de poder em Salazar
consubstanciou-se também na acumulação da titularidade das principais pastas -
colónias, defesa, negócios estrangeiros e finanças -, desde os anos iniciais -
1928 - até 1945, e a partir daqui em cogestão com os respetivos ministros.
Foram criados os cargos de Ministro da
Presidência - de que foram titulares Lumbrales, Marcello Caetano e Teotónio
Pereira - na lógica de reforço do poder de Salazar e não do do Conselho de
Ministros. Este, devido ao seu esvaziamento de poder, nem de secretariado
dispunha.
Marcelo Caetano chegou a afirmar a Salazar
que o temor dos ministros era tal que, perante ele, não ousavam dissidir. Mário
de Figueiredo chegou a aconselhar um novel político a fazer-se de morto se
queria sobreviver politicamente.
Contudo os Ministros eram os detentores do
poder depois de Salazar e tinham acesso direto ao líder (afinal o “Rei Sol”
era, também, o líder).
Por seu lado, o poder Presidencial de demitir
o Presidente do Conselho estava condicionado pela dependência dos Presidentes relativamente
a Salazar; o primeiro, general Carmona, pela forte ligação política e
necessidade de contar com o aparelho da UN para os atos eleitorais, os
seguintes, general Craveiro Lopes e Almirante Américo Thomaz, fragilizados por
terem sido escolhidos por ele. O poder de Salazar sobrepunha-se, de facto, ao
poder institucional do Presidente da República.
Miguel de Unamuno definiu o Governo de
Salazar como uma ditadura “académico-castrense”. O que seria verdade sobretudo
nos primeiros anos em que predominaram os oficiais relativamente a períodos
anteriores e posteriores. Mas ainda mais os professores universitários; o
regime era uma catedocracia, uma “ditadura de doutores” como referia Salazar.
A meritocracia, forma autoritária de
tecnocracia, constava da estratégia do governo consubstanciada na procura de
talentos e competências, pois Salazar considerava importante a participação dos
técnicos. A tal ponto que considerou prioritária a formação de vastas de elites
face à necessidade de alfabetização da população.
Á sua maneira o Estado Novo continuou a ação
das revoluções liberal e republicana de renovação das elites e de assunção dum
certo credo vanguardista como via para a regeneração nacional. A diferença
consistia na concentração de poderes, durante décadas, em Salazar, e no
conservadorismo no campo dos valores.
O Parlamento reunia-se esporadicamente -
três meses por ano - e produzia muito menos leis do que o governo. Servia
essencialmente para agrupar, dar voz e “avaliar o pulso” das famílias políticas
do regime.
A oposição não tinha representação
contrariamente, por exemplo, à ditadura militar no Brasil em que o MDB estava
representado.
Pedro Teotónio Pereira
António Barreto
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