Publicação em destaque
Olhando Para Dentro (notas)
Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...
Pesquisar neste blogue
sábado, 26 de dezembro de 2020
Human Caused Global Warming: The Biggest Deception in History
sábado, 12 de dezembro de 2020
USA - Eleições 2020 (V)
Economia
A análise económica do mandato da administração Trump deve dividir-se em dois períodos, o pré-covid - de 2016 até março de 2020 - e o pós-covid - ainda em curso.
A derrocada económica, vaticinada pelos detratores de D. Trump, resultante da sua ascensão à presidência dos EUA, não só não se verificou, como manteve ou superou os indicadores do mandato anterior, no primeiro período. No segundo período verificou-se o maior colapso económico dos últimos 80 anos, nos EUA.
Vejamos o que nos diz a análise da BBC Brasil realizado em 27 de Setembro de 2020, a partir dos relatórios do Escritório de Análise Económica dos EUA:
O crescimento económico médio anual dos primeiros três anos do mandato de D. Trump foi de 2,5 % contra 2,3 % dos últimos três anos do mandato anterior, sendo que, neste, em meados de 2014 se verificou um crescimento de 5,5 %. Em abril, maio e Junho verificou-se uma contração superior a 30 %; três vezes superior à que se verificou em 1958! Se tal ocorreu apesar da recusa de D. Trump em adotar o confinamento geral, não custa supor que teria sido bem pior se tivesse feito o contrário. Contudo, a recuperação económica tem ocorrido com grande rapidez, estimando-se, no final do ano, uma retração do PIB próxima dos 3 %! Cerca de 1/3 da que se verifica, em média, na Europa, para o ano em curso. Certo também é que, nos últimos 50 anos, houve períodos de maior crescimento do que o que ocorreu na fase pré-covid.
Quanto aos mercados financeiros, nomeadamente S&P 500, apesar da queda abruta do início de 2020, apresenta uma valorização de cerca de 14 % neste ano até à data e um total de 83 % desde 2016. Já o desempenho do Nasdaq é bem superior, cum uma valorização em 2020 e atá à data de cerca de 30 % e de 171 % desde 2016! Um desempenho sem paralelo na Europa, com todas as bolsas negativas em 2020, enquanto a oriente os índices são os índices chineses que mais se aproximam: Nikkei (13,1 % ytd), CSI 300 (24,1 % ytd), Kospi (24,2 % ytd), Sensex (9,3 % ytd), e BIST 30 (5,3 % ytd). Tal desempenho revela que os mercados confiam nas ideias de D. Trump.
Relativamente à taxa de desemprego, de 3, 5 % antes da pandemia, era a mais baixa dos últimos 50 anos. Mas é verdade que nos últimos três anos de mandato de Obama foram criados 7 milhões de postos de trabalhos enquanto nos primeiros 3 anos do mandato de Obama foram criados “apenas” 6,4 milhões. Com a pandemia a taxa de desemprego disparou para 14,7 % em abril - a mais alta desde a Grande Depressão de 1930 - tendo sido destruídos, num só mês, cerca de 20 milhões de postos de trabalho, anulando uma década de criação de emprego. Em agosto porém, a taxa de desemprego já estava em 8,4 %, confirmando a rapidez da recuperação económica.
Os salários médios por hora no mandato de D. Trump mantiveram a tendência de subida iniciada no primeiro mandato de Obama, com uma média anual de 2,1 % naquele e de 2,4 % deste. O efeito da pandemia provocou um aumento abruto dos salários devido ao desemprego dos trabalhadores de baixas qualificações, voltando a baixar logo que se iniciou a recuperação económica, com o regresso daqueles ao trabalho.
Apesar de ter sido em 1966 sob o mandato de Lyndon B. Johnson que se verificou a maior redução de pobres num só ano - 4,7 milhões de pessoas -, contra 4,2 milhões em 2019, é verdade que foi no mandato de D. Trump que se atingiu o mais baixo índice de pobreza dos últimos 50 anos, 10,5 %, desconhecendo-se ainda a evolução resultante da crise pandémica. Sucede porém que se verifica grande assimetria étnica no que diz respeito à população pobre, com cerca de 18,8 % para americanos negros e de 7,3 % para americanos brancos não latinos.
Conclusão
Donald Trump é um outsider, um corpo estranho na cena política, rejeitado até por alguns setores do seu próprio partido. Oriundo do mundo empresarial representa uma reação inorgânica da sociedade civil contra o status quo partidário vigente. É visto como uma ameaça pelo espetro político estabelecido, sobretudo pelo setor progressista, este divorciado do país profundo. Apesar do seu estilo algo patético, por vezes grotesco, com uma linguagem imprudente, direta às vezes incendiária, D. Trump tem uma ideia para o país assente nos valores tradicionais, na família, na moral cristã, na segurança, no trabalho e na Pátria. Relativiza a vertente imperialista dos EUA iniciada em 1945, privilegia o comércio internacional baseado no equilíbrio das trocas, defende maior cooperação ativa dos aliados militares naturais, abomina as dinâmicas políticas e económicas prevalecentes assentes na teoria do Aquecimento Global, empenha-se na causa ambiental privilegiando o gás natural e de xisto, denuncia e combate frontalmente os promotores do terrorismo global. A apoiá-lo tem uma vasta população que já não se sente representada pelos partidos tradicionais. As notícias de fraude eleitoral no processo ainda em curso, a confirmarem-se, significarão, o início do último estertor das democracias representativas multipartidárias e o advento de novas ditaduras ou de regimes democráticos de representação direta alcançáveis a partir dos meios proporcionados pelas novas tecnologias tal como revelam alguns estudos do MIT (Massachusetts, Institute Technology).
Fim.
Peniche, 8 de Dezembro de 2020
António Barreto
quinta-feira, 10 de dezembro de 2020
USA - Eleições 2020 (IV)
As políticas
D. Trump definiu-se como conservador, nacionalista, defensor da
família tradicional, dos valores cristãos, do liberalismo económico e do
mercantilismo.
Imperialismo
Anti-globalista
defende o mercantilismo, o comércio internacional com regulação. É interessante
verificar como muitos dos que censuram o imperialismo americano passaram a
acusar D. Trump de, com o seu
nacionalismo, deixar os seus aliados externos sem referências abrindo espaço
geoestratégico ao avanço de potências não democráticas; a russa e a chinesa. É
certo que a abertura económica é fonte de progresso e tem contribuído
decisivamente para a erradicação da pobreza no mundo. Mas também é verdade que
o desequilíbrio da razão de troca agrava a desigualdade entre países pobres e
ricos, perpetuando a dependência daqueles relativamente a estes. Desse mal
ainda padece Portugal por, no século XVIII ter feito um acordo de comércio com o
Reino Unido - o Tratado de Methuen assinado
em de 27 de Dezembro de 1703 também conhecido por tratado de panos e vinhos -,
mediante o qual Portugal prometeu comprar os tecidos ao Reino Unido (RU) - o
maior produtor mundial de tecidos da época – e, este, os vinhos a Portugal. David Ricardo, o lendário economista da
época, demonstrou então como ambas as
partes ganhavam com o negócio; simplesmente a razão de troca era desfavorável a
Portugal - de 1 para 3 -, enquanto a do RU era de 1 para 5! O resultado
traduziu-se no empobrecimento relativo de Portugal e no atraso da sua
industrialização, de que ainda hoje padecemos. Também não deve perder-se de vista
que alguns historiadores consideram a política económica nacionalista de Roosevelt uma das causas da 2ª GM, por
impossibilitar à Alemanha os recursos de que necessitava para pagar as
astronómicas indemnizações de guerra que lhe foram impostas no Tratado de Versaillhes em 28 de Junho de 1919. Tudo
ponderado, considerando ainda o agravamento da dívida externa - atualmente
cerca de 100 % do PIB - e do défice orçamental - atualmente, cerca de 5 % do
PIB - dos EUA em razão da crise de 2008 e da política de desagravamento fiscal de
D. Trump, não é destituído de senso que a sua administração procure
inclinar a balança externa a seu favor atuando nas pautas alfandegárias e
cambiais relativamente aos principais parceiros, em especial a China. Trata-se,
afinal e sobretudo, de travar a desindustrialização do país e consequente
desemprego que se tem verificado nas últimas décadas devido à deslocalização
empresarial. A sabedoria reside na capacidade de encontrar o equilíbrio de
interesses. A tudo isto acresce a perceção geral de que a globalização é um
veículo político e económico para a instauração dum governo mundial gizado e
controlado pela ONU graças à maioria socialista dos seus membros controlados
pela China. Um propósito cujos contornos ganham nitidez a partir das repetidas
e explícitas declarações do socialista António Guterres concordantes com a conhecida
aspiração imperialista da 2ª Internacional e do Império do Meio.
Aquecimento Global
Crítico do Acordo de
Paris, D. Trump deu prioridade à
energia de origem fóssil em detrimento da renovável, propondo-se atingir os
objetivos de redução de emissões de CO2 por outras vias. Sustenta-se
no parecer científico, historicamente comprovado, segundo o qual as alterações
climáticas são naturais e que o impacto do aumento da concentração de CO2
na temperatura ambiente, sendo marginal, é, sobretudo, consequência do aumento
de temperatura dos oceanos e não causa do mesmo. Este tema engloba quatro
questões; a energética, a económica, a política e a geoestratégica. Com a
implementação da tecnologia do fracionamento - desenvolvida nos EUA - na
prospeção e exploração do petróleo e gás - natural e de xisto -, os EUA, que
são os maiores consumidores mundiais de petróleo, passaram, também, a ser os maiores
produtores mundiais, com baixos custos de produção unitários. De importadores
de produtos petrolíferos passaram a exportadores dos mesmos. Esta alteração
retirou à OPEP o poder de controlo das economias ocidentais através do controlo
do principal fator de produção; a energia. Deve-se à evolução tecnológica dos
EUA - ocorrida sob a presidência de Obama
- os baixos preços do petróleo nos mercados internacionais - uma grande ajuda
para países energeticamente dependentes como Portugal. A vertente geoestratégica
está ainda bem patente relativamente à União Europeia (UE) uma vez que esta
aposta, determinadamente, nas energias renováveis, sujeitando-se à perda de
competitividade da sua economia devido ao agravamento dos custos unitários de
produção. Finalmente a questão política reside no facto de a causa ambiental,
propulsionada pela ONU, ter sido “apropriada” pelos partidos de matriz
socialista com o propósito de identificar, isolar e combater os regimes capitalistas.
Um dever de convocação planetária cuja solução só parece alcançável com o fim
do capitalismo! Como se as ideias maniqueístas não estivessem testadas pela
História.
Imigração
Contrário à política
de fronteiras abertas D. Trump proibiu
a imigração de países com histórico de envolvimento em atividades terroristas -
com exceções - e impôs o controlo rigoroso do fluxo migratório pelo sul, de
matriz eminentemente mexicana. Os EUA enfrentam o drama demográfico
característico dos países desenvolvidos tipificado na fase quatro da Teoria da
Transição Demográfica (TTD). Com uma população de cerca de 330 milhões de
habitantes - 12, 7 % das quais nascidas no estrangeiro, 11,3 % de origem
mexicana, 12,3 % de afro-americanos e uma taxa de reposição de 1,82 -, a sua estrutura
demográfica encontra-se num processo de envelhecimento e reconfiguração étnica.
O México, com cerca de 123 milhões de habitantes - o 3º mais populoso das
américas, com uma taxa de reposição de 2,1, encontrando-se na 3ª fase da TTD -
contribui, anualmente, com cerca de 1,2 milhões de emigrantes maioritariamente ilegais.
Nesta cadência, em menos de 20 anos a população de origem mexicana ascenderá a
cerca de 50 milhões, quase 15 % do total da população americana atual - e cerca
de 40 % da população mexicana atual total. Esta reconfiguração social conduzirá
ao inevitável agravamento conflitos sociais e políticos no país. Contudo, com a
taxa de reposição da população no limiar da neutralidade e em queda no México,
o fluxo migratório mexicano tenderá a diminuir. Note-se porém que os Estados
Unidos têm uma dívida de gratidão para com o México que, por ocasião das duas
guerras mundiais lhes forneceu a mão-de-obra de que a sua economia carecia. Por
outro lado vigora entre os dois países um acordo de livre comércio entre as
cidades fronteiriças. Finalmente, há, no México, uma comunidade de cerca de um
milhão de cidadãos americanos. Com Presidente conservador ou democrata, com
mais ou menos discrição, a política de emigração dos USA será tendencialmente
de contenção acompanhada de incentivos à natalidade. É no entanto provável que
os democratas apostem no incremento migratório como forma de alterar a seu
favor o impasse eleitoral que se tem verificado no país nos últimos anos. A
demonstrá-lo está o diferendo entre democratas e republicanos em vésperas do
ato eleitoral, em que estes defenderam a exclusão dos imigrantes ilegais dos
cadernos eleitorais e aqueles o contrário. Por outro lado D. Trump defende a prioridade de acesso à carta verde aos
imigrantes mais qualificados em vez do modelo em vigor que privilegia a reunião
familiar. Está em causa não só o impacto económico do contributo imigratório mas,
sobretudo, o impacto político. Por outro lado, também a administração Obama repatriou de imigrantes ilegais,
incluindo dezenas de milhar de crianças - para cujo efeito a sua administração chegou
a pedir aprovação de financiamento ao Congresso - e se desenvolveram políticas
de combate aos traficantes envolvidos no fenómeno da imigração.
Peniche 8 de Dezembro de 2020
António Barreto
terça-feira, 8 de dezembro de 2020
USA - Eleições 2020 (III)
A supressão dos privilégios da aristocracia e do clero, característicos das monarquias, pelos regimes republicanos - fundados na tripla utopia, liberdade, igualdade e fraternidade -, não obstou à emergência de novas castas e correspondente cortejo de privilégios. Castas relacionadas com a esfera partidária, judicial, militar, económica e do alto funcionalismo público. A desigualdade começa aqui, desacredita a República e a democracia, perpetua-se e tende a agravar-se com as sucessivas gerações. A casta partidária, geralmente instalada na administração pública e com acesso às instâncias de poder, atribui-se a exclusividade da representatividade política. A ascensão política extemporânea de D. Trump, um outsider pragmático, financeiramente independente, oriundo da sociedade civil, vinculado à defesa dos interesses da América profunda, contra os poderes instalados, fez soar o alarme, não só entre o partido oponente como no interior do seu próprio partido. A sua lógica fora do filtro partidário suscitou compulsivas reações hostis radicadas no medo da perda de privilégios e de poder. A sua figura grotesca, o ar desajeitado, o discurso meio desarticulado e um passado social e económico polémico, forneceram pasto abundante à maledicência dos adversários. Ao bom estilo socrático, a uma figura caricatural, diabólica, está vedada a produção de boas ideias. Como tal nem vale a pena discuti-las. Apenas afastar a criatura para bem longe, catalogando os seus apoiantes com a habitual parafernália de epítetos vexatórios; estúpidos, incultos, ignorantes, atrasados, etc..
O Declínio dos Candidatos
Um breve olhar pelos Presidentes dos EUA dos últimos 50 anos permite constatar um declínio dos respetivos perfis. Neste ato eleitoral chegam ser patéticas as mútuas acusações de incompetência dos candidatos, inclusive entre membros dos respetivos partidos. Se D. Trump é considerado rude e boçal, J. Biden é apelidado de senil, taralhouco. Nenhum destes classificativos seria aplicável a Ronald Reagan, Bill Clinton, George H. W. Bush ou Obama. Parece haver um estranho mecanismo na democracia americana, a confirmar a velha máxima de Adam Smith, segundo o qual a má moeda afasta a boa moeda. Mais uma vez trata-se de uma característica de quase todas as democracias, visível em Portugal, Espanha, França, Reino Unido e Itália onde se tem assistido a fenómenos idênticos, seja emergindo do seio dos partidos de poder, seja na sequência da emergência de novos partidos. Talvez o jogo democrático tenha resvalado para uma espécie de aviltamento que afasta as verdadeiras elites da causa pública. E isso constitui uma ameaça às democracias.
Forma e conteúdo
Diz o bom povo; “As aparências iludem” e “quem vê caras não vê corações”, aforismos que permanecem atuais em qualquer vertente da atividade humana e em particular na política, essa arte simultaneamente nobre e aviltante da persuasão. A forma precede o conteúdo. Vê-se por todo o lado e em todo o lado. Viu-se exuberantemente, exageradamente, despudoradamente, com D. Trump, nos Estados Unidos, mas também em Portugal. A sua figura meio grotesca, meio patética, a sua retórica rudimentar, direta, proporcionaram vasto campo de enxovalhamento pessoal. Nenhuma boa ideia poderia sair de figura tão repugnante. Um conceito puramente nazi. Choveram acusações de todo o género; de corrupção, de traição ao país, de racismo, de xenofobia, de homofobia, de machismo, de violação, etc. etc. Pelo Frankenistein que ocupava a Casa Branca todas as monstruosidade eram praticáveis e prováveis. Raramente se encontrava uma análise crítica exaustiva ao seu programa de governo nos meios de comunicação social. Especialmente em Portugal. A tática é simples e recorrente; desacreditando-se a pessoa desacreditam-se as suas propostas evitando-se o confronto de ideias cujo resultado pode ser o contrário ao pretendido.
Peniche, 8 de Dezembro de 2020
António Barreto
sábado, 5 de dezembro de 2020
USA - Eleições 2020 (II)
O quarto poder
Há um consenso acerca
da influência da Comunicação Social nas democracias a ponto de ser considerada
como o 4º Poder. Um poder informal mas real e fácil de compreender. Em
democracia - um homem um voto - o espaço público é o local privilegiado de
debate e formação da opinião pública, das convicções do eleitor, daí a
importância de comunicação social. Importância crescente devido à proliferação
de plataformas e órgãos de informação, aumento da frequência de emissões e
publicações e alargamento do nível de escolaridade das populações. E é por isso
que muitos a consideram, não o quarto, mas o primeiro poder! Nunca tal foi tão
evidente para mim como nestas eleições; a declaração de vitória de Joe Biden
pela CNN, primeira entidade a fazê-lo, com as urnas ainda em alvoroço e a
comoção do anunciante, denunciam a guerra que a Comunicação Social,
maioritariamente democrata, travou contra o Presidente Republicano durante todo
o mandato. Não o posso afirmar, ninguém poderá fazê-lo, mas pergunto-me se não
terá sido a Comunicação Social americana a decidir estas eleições. E se foi
desvirtuou um regime onde cabe aos eleitores o primado da soberania política. Uma
democracia desvirtuada não é democracia.
A tribalização política
A degradação do
diálogo político interpartidário, fonte da criação de uma sociedade mais justa
e próspera esteve francamente exposta durante todo o mandato de D. Trump. Os partidos entrincheiraram-se
nas suas posições e passaram a considerá-las abomináveis quando adotadas pelo
oponente. Ignóbeis e absurdos ataques pessoais perpetraram-se continuadamente,
dum e doutro lado da barricada, deixando de fora os grandes temas da nação. A insana
e irracional luta pelo poder sobrepôs-se a todas as regras de boa conduta
democrática, dominando tudo e todos. Um fenómeno que não é exclusivo dos EUA
mas característico da maioria das democracias, comprometendo-as. Ou evoluem ou
morrerão. O monopólio partidário da representação política está em causa.
O Poder da Rua
O ativismo inundou a rua em toda a legislatura, com inúmeras e violentas manifestações de minorias reivindicando direitos, amplificando e extrapolando qualquer acontecimento negativo transformando-o em tragédia sociai coletiva. Exigiu-se a destituição de órgãos legítimos vigentes. Imputou-se-lhes a responsabilidade de todas as iniquidades sociais e económicas. Reivindicou-se a legitimidade da ação direta. Criou-se um estado de pré-guerra civil condicionando e bloqueando a governação sufragada democraticamente. Tudo ocorreu num contexto de progresso económico notável, de pleno emprego e de integração das minorias. O poder da rua, pré-revolucionário, atribui-se legitimidade própria pretendendo sobrepor-se à legitimidade do poder democrático. A entropia política e social foi uma constante, internacionalizou-se e pôs em causa a legitimidade dos centros de poder. A anarquia social estabeleceu-se, alimentada pelo partido derrotado anteriormente e, suspeita-se, por entidades externas empenhadas na permanente luta pelo domínio geoestratégico. O direito de manifestação, em muitos casos, extravasou as prorrogativas legalmente consagradas. Um fenómeno que se verifica nas democracias e que dá lugar ao paradoxo da subjugação das maiorias pelas minorias graças à grande intensidade do ativismo destas.
Peniche, 6 de Dezembro de 2020
António Barreto
domingo, 29 de novembro de 2020
USA - Eleições 2020 (I)
Introdução
Sete dias depois do ato eleitoral a contagem de votos aproxima-se do fim com a vitória do candidato democrata Joe Biden a definir-se com clareza, a despeito das múltiplas denúncias de irregularidades por parte do seu oponente que levaram à recontagem de votos nalguns Estados.
A falta de envolvimento direto na realidade social, económica e política americana, se, por um lado, relativiza a credibilidade das conclusões de quem se encontra nessa condição - o meu caso -, por outro, confere-lhe a descontaminação que o distanciamento proporciona.
Em todo o processo definiram-se contornos de natureza política e social comuns a muitos países democráticos.
Um país dividido
Que me recorde esta divisão já ocorria por ocasião da eleição do 43º Presidente dos EUA, em que George W. Bush ganhou a Al Gore por “uma unha negra”, repetiu-se na eleição de D. Trump contra Hillary Clinton e agora entre Joe Biden e D. Trump.
Estão em confronto duas realidades sociais e económicas distintas; a das populações dos grandes centros urbanos, qualificada, da economia dos serviços, intelectual, ateia ou pagã, próxima dos centros de poder, e progressista, e a do país profundo, rural, artesão, cristão, distante dos centros de poder, e conservador. Algo semelhante ocorre, por exemplo, em Portugal, Espanha, França, Reino Unido, etc. Diz-nos a história, que, em geral, é a “canalha das cidades” que define os ciclos políticos. Portugal é disso exemplo, nomeadamente, em 1383-1385, em 1640 e em 1910.
É neste contexto que se compreende a importância do fenómeno da imigração maciça que tem ocorrido nos últimos tempos. Apoiados incondicionalmente pelos democratas é natural e inevitável a sua preferência por este partido tendo em conta a estratégia de controlo dos fluxos migratórios pelos republicanos e a natureza do regime político dos respetivos países de origem de matriz política maioritariamente socialista ou afim. É por esta razão que me parece que o que subjaz à tomada de posição partidária relativamente à imigração são razões eminentemente eleitorais e não humanitárias. A imigração parece estar a ser fomentada e usada com o propósito de reconfigurar socialmente os EUA, o que ocorre também na Europa.
Desconfiança eleitoral
As denúncias de irregularidades neste ato eleitoral são persistentes e abundantes tal como ocorreu em eleições anteriores. Numa democracia que é o referencial em todo o mundo livre a repetida entropia à volta do ato eleitoral degrada a sua legitimidade. A relutância de D. Trump em aceitar a derrota radica não só, em alegados testemunhos de irregularidades mas sobretudo no ressentimento provocado pela postura dos democratas em todo o mandato anterior caracterizada por insistentes suspeitas de manipulação eleitoral em seu benefício e com a ameaça de impeachment sempre pendente. Quando, num ato eleitoral, sucessivamente, o derrotado não reconhece a derrota, é a própria democracia que se degrada, neste caso, americana. Não tardará a contaminar todas as outras. Uma nova idade das trevas pode estar no horizonte, vislumbrando-se alguns dos seus contornos.
Peniche, 29 de Novembro de 2020
António Barreto
terça-feira, 24 de novembro de 2020
Jaime Neves e o 25 de Novembro
Jaime Neves e o 25 de Novembro
A maior preocupação porém era com a sublevada tropa especial de paraquedistas de Tancos, liderados pelo major Mascarenhas Pessoa, dos quais se esperava forte reação. Tal não viria a ocorrer graças a uma inteligente manobra administrativa do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, general graduado Morais e Silva que proíbe o fornecimento de alimentação, atribuição de verbas e qualquer tipo de apoio aos militares sublevados, desmoralizando-os, até porque boa parte deles são instruendos. A recusa de apoio aos paraquedistas por parte de Heitor Almendra, a alma mater dos paras, conterrâneo e amigo de Neves, acabado de regressar de Angola com centenas de paraquedistas, que despreza Mascarenhas pessoa, desativaria em definitivo a sublevação dos boinas verdes.
Duas das consequências do 25 de Novembro foram o fim da oclocracia e a eleição de Ramalho Eanes para a Presidência da República; o primeiro democraticamente eleito, com o apoio de Jaime Neves, que participa na sua campanha. Este não tem apetência pela atividade política e recusa-a, considerando os políticos, tal como Torga - seu conterrâneo - “papagaios insinceros”. Confia na intransigência da defesa da democracia do seu amigo e camarada Eanes, cujo caráter conhece, por isso o apoia.
Efetuadas as comoventes honras militares aos falecidos furriel Pires e tenente Coimbra, os seus funerais são sentidos pelo Povo. No de José Coimbra, tripeiro da rua de Santo Ildefonso, milhares de pessoas inundaram a ponte D. Luis, que parece ter tremido com a carga humana. Jaime Neves fica com a sua kalashnikof.
Sintetizado de "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand
segunda-feira, 16 de novembro de 2020
Ela entrou como um pássaro no museu de memórias
Ela entrou como um pássaro no museu de memórias
E no mosaico em preto e branco pôs-se a brincar de dança.
Não soube se era um anjo, seus braços magros
Eram muito brancos para serem asas, mas voava.
Tinha cabelos inesquecíveis, assim como um nicho barroco
Onde repousasse uma face de santa de talha inacabada.
Seus olhos pesavam-lhe, mas não era modéstia
Era medo de ser amada; vinha de preto
A boca como uma marca do beijo na face pálida.
Reclinado; nem tive tempo de a achar bela, já a amava.
Vinícius de Morais
Peniche, 16 de Novembro de 2020
António Barreto
domingo, 8 de novembro de 2020
Lex Barker
Lex Barker nasceu em 1919 na povoação de Rye, em Westchester County - a cerca de 50 Km de Nova Iorque - à época Com cerca de 5 mil habitantes -, onde seus pais, construtores bem sucedidos, tinham uma segunda habitação.
Lex Barker
Contrariando a vontade dos progenitores, Lex desde muito jovem quis ser ator. Depois de uma pequena experiência na escola e no teatro de Mount Kisco - povoação próxima de Rye -, foi na cidade natal que, aos 17 anos, teve a primeira experiência séria, no Teatro de Verão, ao lado de Vincent Price e da estrela, de origem russa, Eugenie Leontovich. Apesar de desanimado com a experiência decidiu dedicar-se à profissão de ator após novo papel na peça Anna Christie no teatro da cidade vizinha de Westport County. Não muito longe dali, no rio Hudson, o seu destino estava escrito.
Depois de desempenhar pequenos papéis em filmes de grande qualidade, como “The Farmer’s Daughter” e “Crossfire”, ambos realizados em 1947, Lex Barker foi bafejado pela sorte - comum a muitos grandes atores -, ao ser escolhido pelo produtor Sol Lesser, entre uma multidão de candidatos, para sucessor do lendário Johnn Weissemmuller na representação do personagem criado por Edgar Rice Borroughs, o célebre Tarzan. O seu porte atlético - cerca de 1,90 de altura -, gerou unanimidade na escolha, autor incluído. Na verdade havia algo mais que aproximava Lex Barker do personagem de Borroughs. De origem hispano-britânica, descendente de Roger Williams - fundador da cidade de Providence e cofundador da colónia de Rhode Island, e de William Henry Crichlow, histórico governador-geral de Barbados ainda no tempo dos piratas, Lex Barker tinha o charme apropriado às nobres origens do rei da selva.
Em 1939 Lex Barker entra na peça “The Five Kings”, realizada por Orson Wells na Broadway. É recrutado como soldado raso de infantaria para a 2ª GM. Regressou em 1945 no posto de Major - o mais jovem das Forças Armadas Americanas - altamente condecorado e com uma placa de platina na zona da têmpora em consequência dum grave ferimento de guerra. No mesmo ano retomou a sua carreira participando no filme Doll Face.
Em 1949 iniciou a sua saga na pele de Tarzan com o filme “Tarzan Magic’s Fountain”, que se revelou um sucesso junto do público, da crítica e, consequentemente económico. Seguiram-se “Tarzan and The Slave Girl”, em 1950 e “Tarzan’s Peril”, em 1951, o primeiro realizado na selva africana. Porém, Lex Barker, cansado de ser visto como “o homem da selva”, aspirava a papéis onde pudesse exprimir todas as suas qualidades de ator.
Em 1952 entra num pequeno filme “Battles of Chief Pontiac”, um western de fraca audiência. “Tarzan and the She-Devil”, realizado em 1953, foi o seu último filme desta série e um grande sucesso de bilheteira. No mesmo ano prossegue no género western com “Thunder Over the Plains” e “The Yellow Mountain”, em 1954, um policial, “The Man From Bitter Ridge”, em 1955, e um drama naval “Away All Boats”, em 1956, com os quais granjeou aclamação geral. Seguiram-se, em 1957, “The Girl in Black Stockings” e “The DeearsLeyer”, com os quais terminou o ciclo Hollywood.
Falando fluentemente francês, italiano e espanhol, Lex Barker partiu para uma carreira na Europa chegando a Itália, onde estavam na moda os filmes de aventuras, género em que se se sentia à vontade. Em 1959 a sua carreira sofreu um novo impulso com o convite de Frederico Fellini para integrar o elenco de “La Dolce Vita”, onde contracenou com Marcello Mastroianni, Anita Ekberg e outras estrelas da época.
Nova viragem ocorreu na sua carreira quando, pela mão do produtor Artur Brauner, fez uma incursão no cinema alemão, desempenhando o papel de Joe Como - agente do F.B.I. destacado para combater o infame Dr. Mabuse -, nos filmes de suspense “Return of Dr Mabuse”, em 1961, e “Invisible Dr Mabuse”, em 1962. Com “Frauenarzt Dr. Sibelius “ e “Old Shatterhand “, realizados ainda em 1962, Lex Barker atingiu o estrelato também na Europa.
A sua popularidade, em declínio na América, rapidamente ultrapassou, na Europa, a das superestrelas John Wayne e Clint Eastwood, ao integrar as superproduções do jovem Horst Wendlandt alusivas ao tema do Oeste Selvagem, superando todos os recordes de bilheteira e abrindo caminho às grandes produções de Sergio Leone.
Cerca de 12 filmes, baseados nas novelas de Karl May, protagonizou nesta fase, tendo como pano de fundo, o Oeste, o México e o Oriente, onde desempenhou as personagens de, respetivamente, “The Olde Shatterhand”, “Dr. Sternau” e “Kara Bem Nemsi”. Os filmes “The Treasure Of Silver Lake”, em 1962, e “Apache Gold”, em 1963, serviram de referência para o cinema do género. Os locais das filmagens, Croácia e Espanha, constituíram uma vantagem por propiciarem uma atmosfera condizente com o teor da história.
O público ficou deliciado com o aparecimento de personagens índios em pé de igualdade com os pioneiros americanos em “Winnetou I”, em que o francês Pierre Brice, fez o papel da chefe Apache Winnetou, irmão de sangue de Lex Barker. A grande popularidade do tema do filme, “The Old Shatterhand” impulsionou o talentoso ator americano, em 1965, a gravar baladas românticas, género western, algumas delas compostas por Martin Boettcher.
A sua carreira prosseguiu por todo o mundo em grandes produções europeias com os filmes de Karl May. Desta fase os mais icónicos são “Code 7, Victim 5”, de 1964, onde faz o papel de um agente privado encarregado da investigação de uma série de homicídios na África do Sul, “Die Slowly, you'll enjoy it more”, em 1966, no papel de espião tipo James Bond em versão cómica; e “Blood Demon”, em 1967, um filme de terror baseado no romance de Edgar Allan Poe “The Pit and the Pendulum”, rodado em autêntico ambiente medieval, com o “Drácula” Christopher Lee na pele de antagonista.
O simpático americano pôde ainda ser admirado como durão do Oeste em “A Place Called Glory, em 1965”, no qual decorre um interessante duelo de pistoleiros, e em “ La balada de Johnny Ringo”, em 1966, onde, por uma vez faz o papel de vilão. Em 1967, protagoniza, ao lado de Shirley McLaine, Anita Ekberg, Michael Caine e outros, “Woman Times Seven”, a única produção americana noa anos 60 com Lex Barker.
Com o advento dos filmes western e eróticos italianos então em voga, escassearam as propostas para Lex Barker. Tendo conseguido, na Europa, tudo o que havia para conquistar, o ator americano regressou a sua casa na Costa Brava, determinado a prosseguir a sua carreira em Hollywood e viver na sua América. As dificuldades porém superaram as suas espectativas. A sua atividade limitou-se à participação nalgumas séries televisivas como ator convidado em “It Takes a Thief” e “The King of Thieves”. Os espetadores alemães puderam ainda vê-lo num sketch ao lado de Ron Ely, o novo Tarzan televisivo alemão.
Nos anos 70 a carreira de Lex Barker prometia novo fôlego. “"When you're with me", produzido na Alemanha em 1970, fora o seu ultimo filme. Novas produções na televisão e no cinema estavam “na calha”, com Lex Barker como protagonista. Porém, o destino tinha outros planos para o grande ator americano; Lex Barker, o ídolo das gerações dos anos 60 e 70, o grande Tarzan, morreu de ataque cardíaco em 11 de Maio de 1973 na avenida Lexington na sua Nova Iorque.
Lex Barker foi casado com, Constanze Thurlow, Arlene Dahl, Lana Turner, Irene Labhardt, e Maria del Carmen 'Tita' Cervera. Teve dois filhos e uma filha e ficou imortalizado em 73 filmes.
Obrigado Lex Barker.
(Créditos a Marlies Bugmann)
Peniche 08 de Novembro de 2020
António Barreto
domingo, 1 de novembro de 2020
Cinco míseros escudos
Eh pá, se fores a terra não leves dinheiro! Quando eles topam assaltam a
malta. Assim fiz; fui a terra sem um tostão no bolso! Uma das coisas mais
estúpidas que fiz na minha vida marítima!
Foi pelos idos de 73, teria aí uns 22 anos. O Uíge fazia a carreira
Lisboa-Bissau-Lisboa. Transportava militares, nos dois sentidos. Uma missão
algo deprimente. Especialmente deprimente quando alguns tripulantes
aproveitavam para fazer um dinheirinho extra. A bordo vendiam-se relógios, rádios,
sandes, sei lá mais o quê, aos jovens e ansiosos militares que viajavam nos
porões atulhados. Daquela vez, não sei o motivo, o navio fez escala em Cabo
Verde, salvo-o-erro no Mindelo.
Admirador da música cabo-verdiana, do Bana, do Eugénio Tavares, do
Fernando Queijas, do tom dolente e ritmo ondulado das mornas e da alegria
vibrante das coladeras, tinha que a ouvir na fonte, nas tabernas, onde era
tocada em modo livre - tipo “jam session" -, habitualmente em convívio de
gerações que incluía instrumentos típicos como, rabeca, violino, viola,
cavaquinho, clarinete, reco-reco e maracas, entre garrafas de vinho tinto e
cachaça e alguma "bucha" para enganar a fome.
Anoitecia quando o navio atracou. Anda tinha umas horas livres, três ou
quatro antes do próximo quarto. E lá fui, à sorte, na direção da cidade,
perguntando às poucas pessoas que ia encontrando, por uma tasca onde fosse
possível ouvir música.
Ao passar numa rua escura, ouvi os sons ténues do que parecia ser uma
rabeca. Fui atrás deles. Encontrei a taberna. Entrei. Uma ténue luz amarelada
difundia-se na pequena sala logo após a entrada, de portas escancaradas. Em
frente o balcão com algumas garrafas e copos de vinho e cachaça. Taberneiro no
seu posto, trapo ao ombro e olhar inquisidor. Uns quantos clientes, quatro ou
cinco, estavam por ali, pacatamente, conversando e bebendo. De uma das salas do
lado vinha um som meio fanhoso da tal rabeca e algo semelhante a maracas e
reco-reco. Disseram-me que estava lá um certo fulano a tocar com miúdos “se
calhar é uma espécie de escola, pensei”. Um dos presentes, um pouco mais velho
que eu veio em minha direção. Conversámos. Não se podia entrar na sala donde
vinha a música. Era o reservado! Pediu duas violas, mandou vir uma garrafa de
vinho tinto, chamou dois colegas e fomos para uma salinha anexa, aberta.
Eram bons de viola; sobrava-lhes tempo para aprender e tocar. Tal como a
mim, afinal. Tocaram umas modas, várias; mornas e coladeras. A solo e em duo.
Maravilhado com tudo aquilo, quando chegava a minha vez acompanhava-me nuns
fadinhos, daqueles que todos os portugueses conhecem. Disseram que era bom.
Quis acompanhá-los nas coladeras. Que não, que não dava. Que não sabia. Era
verdade; não é fácil fazer os baixos bamboleantes da morna e os arpejos ritmados
da coladera. Pelo meio, íamos bebendo uns tintos, entusiasmados com a tertúlia.
“Este é que era bom para tocar connosco”. Ouvi entre a pequena multidão que se
foi juntando. “Pois era, pensei, para mim era, mas…amanhã já cá não estou!
Vamos a todo o lado e não estamos em parte nenhuma.”
Chegada a hora - Foi até à última -, despedi-me e saí. Já na rua,
percebi que era seguido. Voltei-me. Era o músico de quem tinha acabado de me
despedir. Olhei para ele sob a luz mortiça que se escapava da porta da taberna.
Era jovem, sim. Meio andrajoso, vestia algo parecido com zuarte, calças
rasgadas nalguns sítios e…descalço! Descalço, meu Deus!
Comovi-me. Tínhamos ficado amigos. Como era possível andar roto e
descalço? Pediu-me cinco escudos para uma garrafa de vinho. Disse-lhe a
verdade; não tinha! Insistiu dizendo que impedira um colega de me assaltar, de
navalha. Voltei a dizer-lhe que não tinha e convidei-o a acompanhar-me a bordo.
Dar-lhe-ia então, com todo o gosto, algum dinheiro. Não quis. Eu não tinha
tempo de ir e voltar, estava a pé.
Olhei-o mais uma vez, antes de retomar o caminho de regresso, triste e
comovido, sentindo-me profundamente estúpido por ter acatado o conselho do meu
camarada…até hoje. Ocorreu-me mais tarde que talvez tivesse aceitado a camisa,
se lha tivesse oferecido. Soube muito tempo depois que, por essa altura,
abatia-se sobre Cabo Verde a maior seca das décadas precedentes.
Desapareceu na penumbra. Nem sequer recordo o seu nome. E se o soube,
esqueci-me dele!
24 de Outubro de 2020
António Barreto
sábado, 3 de outubro de 2020
Os Bastidores do 28 de Setembro
Vinte e nove de Setembro de 1974, com as barricadas ainda nas ruas o
General Spínola chama Sanches Osório - Ministro da Comunicação Social do 2º
Governo Provisório - para, na sequência dos acontecimentos do dia anterior,
esgotadas todas as outras opções, lhe comunicar a sua decisão de resignar. A
comunicação ao país seria feita no dia seguinte, pelas 11 horas, diretamente do
Conselho de Estado, perante os microfones da Emissora Nacional e as câmaras da
RTP. No gabinete, onde além de Spínola e Osório se encontrava também a
secretária particular daquele, Maria Luísa, entra, exaltado e comovido, o Major
Zuquete da Fonseca protestando contra a decisão de resignação, incentivando o General
a lutar de armas na mão e declarando-se pronto a sair com as unidades fiéis.
Acalmando-o o General Spínola disse-lhe que não se derramaria sangue no País
por sua causa ou por seu intermédio.
A 26 de Abril realizara-se um
Conselho de Ministros com a principal incumbência de deliberar acerca de
anunciada manifestação da “Maioria Silenciosa”. Os partidos andavam apreensivos
com as alegações de Álvaro Cunhal em defesa da proibição. Dizia tratar-se de
uma manobra da “reação”, que os camaradas o tinham informado de que os
fascistas se iriam manifestar usando abusivamente o nome do Presidente da República,
e que, independentemente da decisão do Governo, a iriam inviabilizar. Ostensivamente,
Álvaro Cunhal mostrou que o Partido Comunista dispunha de um serviço de
informações próprio e que a obediência ao Governo estava condicionada ao seu
exclusivo interesse. Tal como atualmente relativamente à Festa do Avante.
Salgado Zenha e Melo Antunes
defenderam a proibição da manifestação apesar dos alertas de ilegalidade de Sanches
Osório que defendeu a realização da mesma. Almeida Santos - Ministro das
Colónias -, adiantou que seria possível ilegalizar a manifestação a partir de
interpretação a contento da Lei da Reunião. Já a Salgado Zenha - Ministro da
Justiça -, bastava publicar um Decreto-Lei legalizando a proibição, algo sem
importância face à necessidade de impedir a realização da manifestação. Para
estes dois ministros do 2º Governo Provisório, considerados ilustres democratas,
a Lei manipulava-se de forma a ajustar-se aos seus interesses políticos.
A coerência de
Salgado Zenha pode ser aferida pelas declarações que fez, como Ministro da
Justiça, sobre presos políticos; enquanto à imprensa portuguesa tinha declarado
não haver presos políticos em Portugal, à imprensa estrangeira disse nunca ter
havidos tantos.
Sobre o mesmo
assunto o ilustre académico Magalhães Godinho - Ministro da Educação -, no seu
estilo áspero, considerou antipedagógico, impensável e incoerente para o
processo democrático a realização de tal manifestação. Mais tarde, numa
entrevista à “Vida Mundial”, Magalhães Godinho queixou-se da
“institucionalização fracionada do poder” e da gravidade do compadrio
ideológico dos comunistas, que consistia na ocupação dos lugares públicos,
acusando-os de andarem a brincar com a Pátria.
Era quinta-feira
e nada ficou decidido quanto à manifestação da “Maioria Silenciosa”, sendo
evidente a tendência geral para a proibição.
Outro assunto
dividia os membros do Governo e foi debatido no mesmo Conselho; a tourada
organizada para essa noite pela Liga dos Combatentes; a proposta de proibição apresentada
por Álvaro Cunhal foi rejeitada depois de animada discussão com Firmino Miguel
- Ministro da Defesa -, Costa Brás - Ministro do Interior -, Vasco Gonçalves -
Primeiro-Ministro - e Sanches Osório - Ministro da Comunicação Social. Spínola,
através daquele, informou o Conselho de que segundo a tradição e dada a sua
condição de combatente iria à tourada, instando à presença de alguns membros do
Governo prevenindo qualquer hipótese de reação. O Conselho recebeu com frieza a
informação tendo vasco Gonçalves, a contragosto, assegurado a sua presença. Almeida
Santos e Salgado Zenha foram convidados pelo Presidente a juntar-se a Sanches
Osório no evento.
Num exercício
de maquiavelismo que o caracterizou, Álvaro Cunhal alertou Firmino Miguel e
Costa Brás de que a “reação” “os tinha debaixo de mira”. Vasco Gonçalves
assumiu então o “sacrifício” da exposição aos atentados apresentando-se no
evento em representação do Governo. Nem por um momento ocorreu ao
“herói-pateta” e ao seu mentor que os Combatentes não tinham qualquer motivo
para assassinar aqueles dois camaradas. A ideia do atentado traduziu um dos
principais recursos do Partido Comunista que marcou o pós-25 de Abril; a
capacidade de inventar ameaças para justificar a ilegalidade dos seus atos.
Tratou-se pois de uma das várias “inventonas” que permitiram aos comunistas
dominar o processo revolucionário sobrepondo o poder da rua ao poder
institucional.
Adiou-se então
a reunião do Conselho para recomeçar no dia seguinte, sexta-feira, 27 de
Setembro.
A tourada
realizou-se nessa tarde e decorreu sem incidentes de maior. Cantou-se o Hino
Nacional e deram-se vivas a Portugal no início e no final. O apoio entusiástico
dos aficionados ao General Spínola e as vaias ao Brigadeiro Vasco Gonçalves
foram a característica dominante. Os aplausos a Spínola ocorriam sempre que
assomava na tribuna e a cada sorte, contrastando com os repetidos apupos a
Vasco Gonçalves e seu séquito. Finda a tourada, no exterior, uma pequena
manifestação organizada pela União dos Estudantes Comunistas e liderada por
dois oficiais da Comissão Coordenadora da Armada, fazia-se ouvir contra “os
fascistas” e a “reação”. Presentes, como observadores, estavam Francisco Sousa
Tavares, Piteira Santos, Sanches Osório e acompanhantes. A GNR fez algumas
detenções entre os manifestantes.
O povo ali
simbolizado pelos aficionados, mostrava de que lado estava na fratura que
começava a definir-se entre as cúpulas da Nova Ordem. Demonstrava-se o papel
decisivo de Spínola na adesão do Povo ao golpe de abril. Um embuste; aquele
ainda não se tinha apercebido que fora instrumentalizado. Ninguém no MFA queria
saber das suas ideias para o país, interessava-lhes apenas a popularidade que
granjeara como herói militar junto da população.
No dia seguinte, 27 de Setembro, pela manhã, o
General Spínola informa Sanches Osório de que decidira autorizar a manifestação
e tinha intimado o 1º Ministro a fazer uma declaração pública inequívoca disso
mesmo. E que sindicatos e partidos deviam acabar com a instigação à violência e
com as coações físicas e psicológicas.
No Conselho de
Ministros dessa manhã discutiram-se os saneamentos e a manifestação. Sobre
esta, em oposição ao Presidente da República, os partidos manifestaram-se pela
proibição. Melo Antunes apresentou uma declaração para ser lida pelo Governo. Andou
de mão em mão, como batata quente, cada um endossando a outro a
responsabilidade da divulgação. A outra declaração que, nessa manhã, Galvão de
Melo, em nome da JSN, entregara a Sanches Osório, fora rejeitada por Vasco
Gonçalves. Naquele jogo de sombras, entre hesitações e equívocos, forjava-se a
traição à esperança dos portugueses. Magalhães Godinho percebia o equívoco da
sua participação no Governo. Vítor Alves, incomodado, considerava o assunto,
delicado e, como o 1º Ministro, afirmava que os partidos continuariam a
trabalhar para isolar a manifestação. Terminada a reunião, durante o almoço,
Sanches Osório veio a saber, por um casal amigo que estavam a revistar os
automóveis na estrada do Norte. Tinham começado as barricadas.
Surpreendentemente,
pelas 19 horas do mesmo dia, realizou-se nova reunião do Conselho de Ministros
desta vez sob a presidência do General Spínola. Momentos antes este é informado
por Sanches Osório de que o 1º Ministro rejeitara a declaração da JSN e das
tergiversações do Conselho relativas à manifestação. Por sua vez, O General Spínola
informa-o da sua decisão de “despedir” o Governo e censurar duramente o 1º
Ministro.
Abrindo a sessão
o General Spínola exigiu do Governo o compromisso de restaurar a lei e a ordem
sob pena de lhe retirar a confiança. Traçou o quadro geral do país destacando o
caos económico, a recessão e o desemprego resultantes do afastamento dos
investidores nacionais e estrangeiros devido ao estado de anarquia que se vivia.
Responsabilizou a Esquerda e Extrema-Esquerda pela informação tendenciosa que
provocava instabilidade nos espíritos e nas relações de trabalho. Culpou diretamente Álvaro Cunhal pelo
pânico que o excessivo avanço do seu partido induzira na população. Ameaçou
ilegalizar o PCP por se tratar de um partido às ordens de Moscovo em vez de
nacional. Concluiu, sempre num registo firme e calmo, sublinhando a
instabilidade provocada pelos meios de comunicação social ao instigar os
trabalhadores contra os patrões, aos quais nunca reconheciam razão.
Respondeu
Vasco Gonçalves em defesa do Governo com estafados “chavões” e palavras de
ordem numa leitura delirante da situação acabando por assegurar a realização da
manifestação apesar de a considerar reacionária.
Defendeu-se Álvaro Cunhal afirmando a
extrema moderação do seu partido e o seu empenho na democracia, considerando as
acusações infundadas. Afirmou possuir provas do envolvimento da “reação” na
manifestação da “maioria silenciosa” e considerou positivo o papel que, até
então, os órgãos de informação tinham desempenhado.
As restantes
intervenções foram destituídas de relevância; Maria de Lurdes Pintassilgo
congratulou-se com as reformas de fundo que podia fazer - apesar de
interditadas pelo programa do MFA, que só as autorizava no âmbito da Assembleia
Constituinte - e Salgado Zenha, em nome dos “companheiros” não identificados, hostilizou
o Presidente da República. Sanches Osório insurgiu-se contra o policentrismo do
regime e pela necessidade de restabelecer a autoridade sem a qual não seria
possível governar.
Ouviu-se uma
gravação da “Rádio Ribatejo” incitando a população ao levantamento de
barricadas para impedir a manifestação marcada para 28 de Setembro, sem que
houvesse reação do Conselho de Ministros.
Todos os que
apoiaram tacitamente as barricadas tiveram medo, incluindo o “valente” Álvaro
Cunhal, que correu a refugiar-se numa embaixada de um país socialista, a
“descansar”!
Com o General
Spínola estavam, no Gabinete Militar da Presidência, Galvão de Melo, Silvério
Marques, Diogo Neto, Fontes Pereira de Melo, Firmino Miguel, Engrácio Antunes,
Xavier de Brito, Simas, Dinis de Melo e Castro, Sanches Osório e outros não
identificados, a que se juntaram os Generais da Junta de Salvação Nacional para
debater o assunto. Foi convocado o Primeiro-Ministro que, ao entrar, se dirigiu
ao General Galvão de Melo estendendo-lhe a mão:
“- Como está
meu General?
Perante a
indiferença de Galvão de Melo:
- O meu
General não me aperta a mão?
- Não, eu não
falo a filhos da puta. Respondeu calmamente Galvão de Melo.
- O meu
General é um estupor! Disse o Primeiro-Ministro.
Para evitar
que chegassem a vias de facto o General Diogo Neto interpôs-se, de frente para
Vasco Gonçalves e, levantando a mão, exclamou:
- Tu és uma vergonha!
Meu comunista ordinário, que queres levar o país para uma guerra civil. Se
abres a boca parto-te a cara.”
Sanches Osório
expôs ao Primeiro-Ministro a situação acusando o Governo de, em simultâneo com
a emissão dum comunicado pela realização da manifestação, tê-la boicotado ao
incitar os partidos a isolarem-na.
Respondeu
Vasco Gonçalves:
“- Isso é uma
calúnia. O senhor está a insultar-me.
- Não estou.
Respondeu Sanches Osório.
- Isto são os
factos tal como se passaram e eu não posso nem devo esconde-los.”
Interveio o
General Diogo Neto dirigindo-se ao Primeiro-Ministro:
“- És um
merdas.”
O General
Silvino Silvério Marques acrescentou:
“- Olha-me bem
de frente. Eu tenho quatro estrelas, mas só duas são da revolução; deixo-tas
aqui, atiro-tas à cara. Tu vais dar ordem ao teu partido (PCP) para acabar com
a rebelião.“
Acabara de
entrar o Presidente da República que presenciou o final da cena. Num ambiente
de grande tensão dirigiram-se para a sala do Conselho de Estado onde já se encontrava
o General Costa Gomes, que recordo foi interveniente no fracassado golpe de
Botelho Moniz ensaiado em 1961.
O Presidente da República abriu a sessão
referindo a situação melindrosa em que o país se encontrava. Sanches Osório
pediu a palavra e voltou a colocar a questão da autoridade concluindo que nem a
Junta de Salvação Nacional, nem o Governo Provisório, nem a Comissão
Coordenadora do MFA, nem o Estado Maior General das Forças Armadas mandavam no
país; o poder estava na rua e esta era controlada pelo PCP. Perante a reação
negativa de Vasco Gonçalves exemplificou com os casos da TAP, paralisada e em
greve em presença dos militares, e da Lisnave, que fez uma manifestação, apesar
de proibida, vangloriando-se do feito. O General Costa Gomes desvalorizou os
incidentes relatados com vagas explicações. O General Spínola, impressionado,
ordenou a redação imediata de um comunicado exortando o povo a pôr fim às
barricadas pois era obrigação de todos garantir uma manifestação pacífica.
Rejeitado o
comunicado redigido por Sanches Osório - Vasco Gonçalves considerou-o demasiado
violento e Costa Gomes alegou falta de meios para o fazer cumprir - a JSN
aprovou outro elaborado e assinado pelo Primeiro-Ministro que, mais tarde,
haveria de o mandar roubar para não ser desmascarado.
Já na Emissora
Nacional, ocupada pela P.S.P., Sanches Osório entregou o comunicado a Manuel
Alegre, que parecia liderar o grupo de civis que lé se encontrava. Confirmada a
autenticidade do documento, este foi lido pela primeira vez pelas 0300 horas e a
cada meia hora durante a emissão de música clássica.
Em
Belém, para onde regressara Sanches Osório, vivia-se um ambiente de exaltação.
Otelo dava ordens pouco convincentes ao COPCON. Iam chegando notícias das
barricadas. Costa Gomes decidiu ir com Otelo para a sede do COPCON - Alto do
Duque - para daí dirigirem as operações. Tal preocupou os restantes
participantes no Conselho de Estado que, desconfiados, propuseram que se lhes
juntassem o General Silvino Silvério Marques e o Almirante Pinheiro de Azevedo.
Por decisão do Presidente da República acompanharam Otelo e Costa Gomes,
Firmino Miguel - Ministro da Defesa - e o seu Chefe de Gabinete, Coronel Robin
de Andrade. Decisão fatal. Aqui começou a ruir a esperança de uma democracia
pluralista em Portugal.
Pela manhã Firmino
Miguel informa Sanches Osório de que as estações de rádio e de televisão
poderiam reabrir e que o problema das barricadas estava resolvido. O Presidente
da República decidira, na manhã do dia 28, que a manifestação da “Maioria
Silenciosa” era inoportuna. No dia seguinte reunir-se-ia de novo o Conselho de
Estado. Continuaram as barricadas, cuja senha eram os panfletos do PCP, segundo
testemunho de Vítor da Cunha Rego. O PCP
engolira o 25 de Abril.
O boicote à
manifestação da “Maioria Silenciosa” foi sustentado na denúncia da eminência do
desembarque de 40 mil armas no Algarve, em Porto Covo e em Peniche, destinadas à
“reação”, mentora da manifestação. Tais armas nunca apareceram. Pinto Balsemão,
informado pelo seu jornalista Inácio Teigão de que tinham sido infrutíferas as
buscas que efetuara durante todo o dia ao carro funerário que traria armas num
féretro, recusou-se a publicar a notícia, para “não desmobilizar as massas”! Com
esta atitude Pinto Balsemão renegou o seu próprio passado tornando-se num mero
oportunista e apoiante ativo do estabelecimento dum regime socialista em
Portugal.
A falsa ameaça
das armas foi o pretexto para a perseguição e prisões arbitrárias de opositores
dos comunistas - foram presas 62 individualidades -sob proposta do MDP/CDE
(PCP) ao COPCON e todas elas assinadas pelo General Costa Gomes, esse grande “democrata”.
Era Ministro da Justiça Salgado Zenha, outro “grande democrata”.
Um episódio
passado na noite de 26 de Setembro pode ajudar a perceber a mudança de decisão
de Spínola e a arbitrariedade de quem detinha o poder de facto. Nessa noite 20
homens à paisana, comandados por um oficial do COPCON, o Aspirante Maurício,
invadiram a casa dos sogros de Sanches Osório para prenderem o tio de sua
mulher, José Arantes Pedroso dos Santos. Como não estava e os presentes - avô e
pai da mulher de Sanches Osório - se negavam a informá-los do seu paradeiro, o comandante
da força decidiu fazer refém o Eng.º António Fuschini Serra - cunhado de
Sanches Osório -, levando-o para o RAL 1, onde ficou preso.
Informado do
episódio, Sanches Osório, procura o tio e decidem comparecer no RAL 1 onde
fizeram a troca, sem que qualquer deles soubesse a causa do mandato de captura.
Vinte e dois dias depois, José Arantes foi libertado pelo COPCON, que atribuiu
a detenção a má-fé! Tarde demais! José Arantes faleceu uns dias depois, por não
ter sido tratado à doença que tinha e que declarara quando foi detido.
Consta-se que
vários dos prisioneiros notáveis afetos ao Presidente da República foram
ameaçados de fuzilamento caso este se recusasse a proibir a manifestação.
Rejeitada pela
JSN a proposta de Estado de Sítio do Presidente da República, depois de este
ter recomendado a demissão de Vasco Gonçalves ante o próprio e Costa Gomes, aquele
decidiu-se pela resignação.
Consta do seu
discurso de resignação:
“O programa do
Movimento previa também que a substituição do regime deposto teria que
processar-se sem convulsões internas que afetassem a paz, o progresso e o
bem-estar do Povo Português. A situação é, infelizmente, bem diferente.
Forjam-se reivindicações, postas nas mãos dos trabalhadores por burgueses
frustrados do velho regime, subitamente titulados também de trabalhadores. A
paz, o progresso e o bem-estar da Nação são comprometidos pela crise económica
para que caminhamos aceleradamente, pelo desemprego, pela inflação
incontrolada, pela quebra do comércio, pela retração dos investimentos, e pela
ineficácia do poder central. Isto porque quanto se vem fazendo à sombra do
Programa do Movimento das Forças Armadas pouco menos é do que o assalto aos
meios de produção; é a reivindicação com decisões tomadas a níveis sem competências
nem legitimidade para o fazer; enfim, é a inversão das estruturas, à margem da
sanção democrática do Povo.”
Sanches Osório
demitiu-se do Governo, das Forças Armadas e, mais tarde, na sequência do 11 de
Março teve que fugir para não ser detido, preso e, talvez, morto.
Do II Governo
Provisório faziam parte, e foram cúmplices:
Vasco
Gonçalves, Vítor Alves, Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Magalhães Mota, Almeida
Santos, Salgado Zenha, Rui Vilar, Silva Lopes, Mário Soares - à data dos factos
encontrava-se no estrangeiro, convenientemente -, Vitorino Magalhães Godinho,
Costa Martins e Lurdes Pintassilgo.
Assim se “fintou”
o 25 de Abril e comprometeu o futuro de Portugal.
Texto de opinião cujas fontes são; “O Equívoco do 25 de Abril” (de Sanches Osório) e “Portugal Traído” (de Fernando Pacheco Amorim)
Peniche, 03 de
Outubro de 2020
António
Barreto