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domingo, 26 de julho de 2020

Olhando para Dentro (X e último capítulo)


Olhando Para Dentro

1930-1960

(Bruno Cardoso Reis)

(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
 
            O debate sobre a natureza do regime de Salazar: Fascismo sempre?
 

   Os historiadores e cientistas políticos, de Payne a Michael Mann, que se dedicaram ao estudo e caracterização da doutrina fascista, nunca incluíram o salazarismo nesta categoria política. Faltava-lhe o poder nuclear do partido único, uma política de mobilização de massas e uma liderança carismática.

   Entre as oposições ibero-americanas, porém, era corrente a identificação do salazarismo ao fascismo. Unamuno atribuiu-lhe a designação singular de “fascismo catedrático”.

   Manuel de Lucena considerou o salazarismo de fascismo sem movimento fascista. Para Fernando Rosas (O militante bloquista), o processo fascizante ocorreu intensamente entre 1936 e 1945. Manuel Loff sustentou idêntica argumentação razão pela qual considerou fascista o regime de Salazar.

   Filipe Ribeiro Menezes defende, na sua biografia política de Salazar, a tese de Manuel Braga da Cruz, segundo a qual nem toda a ditadura de direita é fascismo e de que, como defende António Costa Pinto, o fascismo que houve em Portugal foi o do Movimento Nacional-Sindicalista (de Rolão Preto) derrotado (e abolido) por Salazar.

   Constatando-se haver divergência quanto ao perfil fascista do salazarismo verifica-se unanimidade quanto ao seu caracter totalitário, como chegou a ser reconhecido abertamente por Salazar e seus próximos, pelo menos até 1945.

   Salazar não se limitou a mandar prender alguns fascistas - Estaline também mandou prender alguns comunistas que se lhe opunham -, mas foi muito mais longe; destruiu o partido fascista português, o Movimento Nacional-Sindicalista, ilegalizando-o, em contraste com o sucedido em Espanha com a Falange de Franco.

   Salazar nunca quis ser um caudilho, um líder carismático mobilizador das massas. Promoveu a desmobilização política destas para mais facilmente cooptar as elites nacionalistas. Limitou sempre o poder da União Nacional (UN) com o propósito de a impedir de se transformar em partido único. A sugestão de Caetano de atribuição da chefia do respetivo secretariado ao ministro do Interior foi recusada por Salazar que afirmou não pretender que se parecesse demasiado com um partido único fascista.

A figura de caudilho, em Portugal, coube ao general Gomes da Costa e durou menos de um mês. Gomes da Costa liderou o pronunciamento militar de 28 de Maio de 1926, proclamou o estado de sítio, exerceu o poder apoiado em unidades militares estacionadas à entrada de Lisboa e assumiu a chefia do Estado com atitudes caudilhistas, afirmando-se português e soldado em defesa da Pátria, ao serviço da qual empregara a sua espada em África, no Oriente e na Flandres.

   Gomes da Costa foi um rijo militar de campo, algo aventureiro e errático, cuja excessiva personalização do exercício do poder desagradava ao exército, já disciplinado e profissionalizado, bem como às elites conservadoras desejosas de ordem e competência.

   O próprio Salazar, que tinha aceitado fazer parte do Governo, recusou continuar nele no verão de 1926. Para os militares ficou claro que caudilhismo e competência governativa eram inconciliáveis. Foi assim que, em Junho de 1926, Gomes da Costa foi substituído pelo general Carmona, “o general da espada virgem”.

   Óscar Carmona, descendente de uma família de prestigiados militares que remontava à Guerra Peninsular, nunca entrara em combate. Dotado de grande espírito de corpo e sentido político, Carmona foi um moderador.

   E é neste contexto que Salazar, como tecnocrata representante das “competências”, assume a chefia do Governo em detrimento dos militares, controlando burocraticamente e institucionalmente, o novo regime.

   Concentrando excessivo poder Salazar aproximava-se do perfil de caudilho ou dos líderes carismáticos fascistas, porém exercendo-o de forma diversa de ambos. Os seus colaboradores mais próximos acusavam-no de excesso de estudo, de prudência e de burocracia, e de falta de contacto pessoal de que resultava falta de agilidade e lentidão dos processos.

   Diferentemente de Salazar, Francisco Franco, ascendendo ao poder na sequência da liderança direta da fação vitoriosa da Guerra Civil Espanhola e resistindo à sua institucionalização e legalização, exercendo-o discricionariamente, aproximou-se muito mais do perfil do caudilho clássico.

   Mas não se ficam por aqui as diferenças entre ambos; enquanto Salazar ostentava uma postura monástica, austera, apresentando-se nas cerimónias oficiais em fato escuro e sem condecorações, Franco presidia com pompa a cerimónias, desfiles, festas e caçadas, afirmando-se como centro da vida social da sociedade espanhola.

   Entre o salazarismo e o franquismo - e outras ditaduras europeias -, apesar das diferenças, havia alguma convergência quanto ao autoritarismo e hostilização do comunismo. Porém, a postura crítica de Salazar ao regime de Franco e ao seu estilo político, ficou bem documentado nas cartas que endereçou a Pedro Teotónio Pereira, seu primeiro “embaixador” em Madrid. De 1945 a 1960 assistiu-se, porém, a uma maior convergência entre os dois regimes.

   Um autoritarismo de direita, nacionalista, conservador, católico e corporativo, caracterizou o salazarismo. Alguns historiadores relevaram as influências fascistas - que se terão verificado até 1945. Outros consideraram-nas secundárias, recusando-se a classifica-lo de fascista, afirmando, contudo, o seu caráter autoritário.

      Deve-se a Salazar a consolidação definitiva do regime republicano. Tal aparente paradoxo decorreu da sua experiência política no Centro Católico, anterior a 1926. Então percebeu que a união dos católicos implicava a queda da monarquia. Ao sacrifício desta seguiu-se a separação da igreja, a partir de 1928, em nome da união nacional conservadora em torno de um Estado republicano autoritário e conservador.

   Todos podiam fazer política dentro dos limites que impôs (tal como depois do 25 de abril; todos podem fazer política desde que sejam de esquerda). De fora ficaram os classificados como “inimigos da nação” (tal como hoje).

  As guerras que se verificaram na Europa e no mundo - Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial, Guerra fria e Guerras de África -, ajudaram a consolidar o regime em torno de Salazar e a justificar a necessidade de repressão interna cujas consequências passavam mais despercebidas num contexto de violência externa. A oposição em Portugal foi apresentada como a quinta coluna do comunismo que urgia erradicar.

As décadas de domínio de Salazar traduziram-se num conflito sem tréguas em que o exercício do poder era privilégio dos vencedores. Estes, invariavelmente, eram os que ocupavam o aparelho estatal usando-o para lá se manterem: os seguidores de Salazar.
 
 

Peniche, 06 de Junho de 2020

António Barreto

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