Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
(Em História Política
Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
O
debate sobre a natureza do regime de Salazar: Fascismo sempre?
Os historiadores e cientistas políticos, de Payne a Michael Mann, que se dedicaram ao estudo e caracterização da
doutrina fascista, nunca incluíram o salazarismo nesta categoria política.
Faltava-lhe o poder nuclear do partido único, uma política de mobilização de
massas e uma liderança carismática.
Entre as oposições ibero-americanas, porém, era
corrente a identificação do salazarismo ao fascismo. Unamuno atribuiu-lhe a designação singular de “fascismo
catedrático”.
Manuel de Lucena considerou o salazarismo de
fascismo sem movimento fascista. Para Fernando Rosas (O militante bloquista), o
processo fascizante ocorreu intensamente entre 1936 e 1945. Manuel Loff sustentou idêntica
argumentação razão pela qual considerou fascista o regime de Salazar.
Filipe Ribeiro Menezes defende, na sua
biografia política de Salazar, a tese de Manuel Braga da Cruz, segundo a qual
nem toda a ditadura de direita é fascismo e de que, como defende António Costa
Pinto, o fascismo que houve em Portugal foi o do Movimento
Nacional-Sindicalista (de Rolão Preto) derrotado (e abolido) por Salazar.
Constatando-se haver divergência quanto ao
perfil fascista do salazarismo verifica-se unanimidade quanto ao seu caracter
totalitário, como chegou a ser reconhecido abertamente por Salazar e seus
próximos, pelo menos até 1945.
Salazar não se limitou a mandar prender
alguns fascistas - Estaline também mandou prender alguns comunistas que se lhe
opunham -, mas foi muito mais longe; destruiu o partido fascista português, o
Movimento Nacional-Sindicalista, ilegalizando-o, em contraste com o sucedido em
Espanha com a Falange de Franco.
Salazar nunca quis ser um caudilho, um líder
carismático mobilizador das massas. Promoveu a desmobilização política destas
para mais facilmente cooptar as elites nacionalistas. Limitou sempre o poder da
União Nacional (UN) com o propósito de a impedir de se transformar em partido
único. A sugestão de Caetano de atribuição da chefia do respetivo secretariado
ao ministro do Interior foi recusada por Salazar que afirmou não pretender que
se parecesse demasiado com um partido único fascista.
A figura de
caudilho, em Portugal, coube ao general Gomes da Costa e durou menos de um mês.
Gomes da Costa liderou o pronunciamento militar de 28 de Maio de 1926,
proclamou o estado de sítio, exerceu o poder apoiado em unidades militares
estacionadas à entrada de Lisboa e assumiu a chefia do Estado com atitudes
caudilhistas, afirmando-se português e soldado em defesa da Pátria, ao serviço
da qual empregara a sua espada em África, no Oriente e na Flandres.
Gomes da Costa foi um rijo militar de campo,
algo aventureiro e errático, cuja excessiva personalização do exercício do
poder desagradava ao exército, já disciplinado e profissionalizado, bem como às
elites conservadoras desejosas de ordem e competência.
O próprio Salazar, que tinha aceitado fazer
parte do Governo, recusou continuar nele no verão de 1926. Para os militares
ficou claro que caudilhismo e competência governativa eram inconciliáveis. Foi
assim que, em Junho de 1926, Gomes da Costa foi substituído pelo general
Carmona, “o general da espada virgem”.
Óscar Carmona, descendente de uma família de
prestigiados militares que remontava à Guerra Peninsular, nunca entrara em
combate. Dotado de grande espírito de corpo e sentido político, Carmona foi um
moderador.
E é neste contexto que Salazar, como
tecnocrata representante das “competências”, assume a chefia do Governo em
detrimento dos militares, controlando burocraticamente e institucionalmente, o
novo regime.
Concentrando excessivo poder Salazar
aproximava-se do perfil de caudilho ou dos líderes carismáticos fascistas,
porém exercendo-o de forma diversa de ambos. Os seus colaboradores mais
próximos acusavam-no de excesso de estudo, de prudência e de burocracia, e de falta
de contacto pessoal de que resultava falta de agilidade e lentidão dos
processos.
Diferentemente de Salazar, Francisco Franco,
ascendendo ao poder na sequência da liderança direta da fação vitoriosa da
Guerra Civil Espanhola e resistindo à sua institucionalização e legalização,
exercendo-o discricionariamente, aproximou-se muito mais do perfil do caudilho
clássico.
Mas não se ficam por aqui as diferenças
entre ambos; enquanto Salazar ostentava uma postura monástica, austera,
apresentando-se nas cerimónias oficiais em fato escuro e sem condecorações,
Franco presidia com pompa a cerimónias, desfiles, festas e caçadas,
afirmando-se como centro da vida social da sociedade espanhola.
Entre o salazarismo e o franquismo - e
outras ditaduras europeias -, apesar das diferenças, havia alguma convergência
quanto ao autoritarismo e hostilização do comunismo. Porém, a postura crítica
de Salazar ao regime de Franco e ao seu estilo político, ficou bem documentado
nas cartas que endereçou a Pedro Teotónio Pereira, seu primeiro “embaixador” em
Madrid. De 1945 a 1960 assistiu-se, porém, a uma maior convergência entre os
dois regimes.
Um autoritarismo de direita, nacionalista,
conservador, católico e corporativo, caracterizou o salazarismo. Alguns
historiadores relevaram as influências fascistas - que se terão verificado até
1945. Outros consideraram-nas secundárias, recusando-se a classifica-lo de
fascista, afirmando, contudo, o seu caráter autoritário.
Deve-se a Salazar a consolidação definitiva
do regime republicano. Tal aparente paradoxo decorreu da sua experiência
política no Centro Católico, anterior a 1926. Então percebeu que a união dos
católicos implicava a queda da monarquia. Ao sacrifício desta seguiu-se a
separação da igreja, a partir de 1928, em nome da união nacional conservadora
em torno de um Estado republicano autoritário e conservador.
Todos podiam fazer política dentro dos
limites que impôs (tal como depois do 25 de abril; todos podem fazer política
desde que sejam de esquerda). De fora ficaram os classificados como “inimigos
da nação” (tal como hoje).
As guerras que se verificaram na Europa e no
mundo - Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial, Guerra fria e Guerras
de África -, ajudaram a consolidar o regime em torno de Salazar e a justificar
a necessidade de repressão interna cujas consequências passavam mais
despercebidas num contexto de violência externa. A oposição em Portugal foi
apresentada como a quinta coluna do comunismo que urgia erradicar.
As décadas de domínio de Salazar traduziram-se num conflito sem tréguas
em que o exercício do poder era privilégio dos vencedores. Estes,
invariavelmente, eram os que ocupavam o aparelho estatal usando-o para lá se
manterem: os seguidores de Salazar.
Peniche, 06 de Junho de 2020
António
Barreto
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