Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
(Em História Política
Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
Oposição e Repressão:
As causas da dificuldade de oposição ao
regime foram variadas. Desde logo por falta de um líder carismático,
unificador, capaz de congregar todas as fações opositoras. Nunca houve um
“Salazar” da Oposição.
Nas eleições presidenciais de 1958 a
candidatura do carismático Humberto Delgado reuniu o apoio da generalidade das fações
antirregime (a ponto do PCP desistir do seu candidato, Arlindo Vicente).
Visto inicialmente como o líder unificador
antirregime, rapidamente Humberto Delgado foi classificado de aventureirista,
acabando por produzir-se o efeito contrário (Preconizava a luta armada enquanto
o PCP privilegiava a doutrinação da população preparando-a para um evento
revolucionário, como acabou por suceder em 1974).
Outra causa consistia na heterogeneidade das
oposições - ainda mais ampla que a das fações políticas associadas ao regime -
da extrema-direita nacional-sindicalista à extrema-esquerda comunista, passando
por republicanos de orientações variadas, socialistas, católicos ou monárquicos
pró-liberais, tanta diversidade inviabilizou qualquer veleidade unificadora.
Por outro lado, a repressão, discreta mas
eficaz, impedia o exercício pacífico permanente da oposição, condenando as
respetivas organizações à ilegalidade.
Mas também é verdade que as oposições,
inicialmente, subestimaram as capacidades do “jovem tecnocrata de Coimbra”
devido, sobretudo, às várias tentativas falhadas de imposição dum regime
autoritário na vigência da primeira República.
Contudo Salazar revelou-se exímio na
captação de apoios; entre os jovens militares do 1º de Maio (Galvão e Delgado
incluídos), mas também recrutando elementos das várias correntes políticas. O
“jovem tecnocrata” dividiu para reinar enfraquecendo os opositores.
Enquanto uma geração mais velha e destacada
de líderes políticos recusava submeter-se ao poder de Salazar, as gerações mais
novas, menos influentes, viam na adesão ao novo regime uma oportunidade de
ascensão profissional, económica e social. Tal sucedeu em todas as correntes
políticas do final da primeira República.
Entre os veteranos opositores destacaram-se,
Luís Neto, do centro Católico, Hipólito Raposo, do Integralismo Lusitano, Rolão
Preto, do fascismo nacional-sindicalista, Cunha Leal, da União Republicana,
Paiva Couceiro, entre os monárquicos, etc.
Em todas estas correntes Salazar
arregimentou apoios que credibilizaram, minimamente, a constituição do seu
regime no âmbito duma União Nacional de cariz conservador.
O aparelho repressivo salazarista
caracterizou-se pelo exercício discreto e otimizado da coerção, como referiu
Hermínio Martins.
No âmbito da metrópole as vítimas mortais da
repressão situaram-se entre as 40 e 80, enquanto que os presos políticos em
todo o período do Estado Novo foram da ordem das dezenas de milhar, tendo-se
verificado o pico da ação repressiva, entre 1936 e 1939, com cerca de oito mil prisioneiros.
A pena de morte estava excluída da lei penal
do regime. Comparativamente a ditadura franquista, depois da Guerra Civil e até
1945, executou cerca de 50 mil prisioneiros e no seu pico manteve mais de 300
mil em cativeiro. As últimas execuções verificaram-se em 1975.
A justificação para uma maior contenção no
uso da violência em Portugal poderá estar na ausência de guerra civil. No
entanto é certo que o regime salazarista detinha poderes ilimitados de detenção,
deportação e censura, pelo menos até 1945, e mesmo depois.
No
caso das colónias a violência repressiva foi muito superior à da metrópole
contudo numa escala ainda não apurada.
Comparativamente com outros regimes
ditatoriais contemporâneos o Estado Novo foi moderadamente repressivo.
Foram muito poucos os opositores na
metrópole que, por isso, perderam a vida. Muitos mais perderam o seu modo de
vida. Mais comum era a submissão dos opositores a lenta humilhação resultante
da acumulação de dificuldades materiais em consequência da exclusão profissional;
o exercício de cargos no setor público, por exemplo, estava condicionado à
assinatura dum compromisso jurídico de fidelidade ao regime. Até no setor
privado as funções docentes eram controladas.
Outro tipo de repressão era exercido através
da ação das autoridades locais ou líderes profissionais e de toda uma teia de
influências, que consistia na dissuasão dos dissidentes com ameaças de denúncia
e “bons conselhos” a fim de “evitar complicações políticas e policiais a amigos
e familiares” (de facto, havia uma rede de informadores espalhada por todo o
território que, por si só, constituía dissuasão suficiente para a maior parte
das pessoas, mesmo as mais humildes e politicamente incultas).
Toda e qualquer forma de protesto, desde
greves organizadas por sindicatos - afetos ao Partido Comunista na cintura
industrial da Grande Lisboa -, até motins rurais no Norte do país, era visto
como uma ameaça ao regime e passível de repressão violenta.
Salazar teve um papel central na criação e
direção da PVDE/PIDE; escolhia os respetivos diretores e despachava diretamente
com eles. Negando a repressão, acabou por admiti-la embora de âmbito reduzido,
justificando-a, numa entrevista que deu a António Ferro, com a necessidade de
proteger crianças e pessoas indefesas de gente maioritariamente bombista que se
recusava a confessar. Nesta narrativa, de vítimas os opositores passavam a
carrascos, apesar de, na sua grande maioria e desde 1937 até 1959, estes terem
rejeitado o recurso à violência.
Com as ideias de que a imprensa é o alimento
espiritual do povo e que em política, o que parece é, Salazar justificou a
censura com que controlou as perceções do público.
A ligação documentada da influência de
Salazar nas práticas de tortura não é necessária para concluir da sua
responsabilidade política das mesmas já que tinha o poder de controlar e
sancionar o que entendesse.
Quanto à oposição, apesar da grande
diversidade de fações e dos fracassos sucessivos, logrou congregar as várias
tendências, maioritariamente oriundas dos antigos partidos republicanos, a que
se juntaram muitos descontentes. Interditada a via legal, até à segunda Guerra
Mundial o método oposicionista dominante foi o do golpe de Estado.
Bernardino Machado, ex-Presidente deposto no
golpe do 28 de Maio de 1926, opositor do novo regime, apelidou-o de “ditadura
da milícia clerical” e a Salazar de “medieval ministro”.
A matriz oposicionista alterou-se a partir
da segunda guerra mundial. Dos estadistas da Primeira República restava Norton
de Matos e foi na sua candidatura às eleições de 1949 que se revelou o novo
padrão. Esta foi condicionada pelo aparelho comunista, único partido com
atividade permanente, clandestina, com uma estrutura fortemente centralizada
segundo o método leninista. As reformas no partido introduzidas por Álvaro
Cunhal em 1941 (e os financiamentos soviéticos, da ordem dos 10 milhões de
dólares anuais), transformaram o PCP no principal partido da oposição.
Foi assim que, em 1943, com base na rede
comunista, foi fundada a MUNAF - Movimento de Unidade Nacional Antifascista -,
organização clandestina de cariz unitário que surgiu na sequência do desafio
lançado por um grupo socialista.
Em 1945, já no plano legal, surgiu o MUD -
Movimento de Unidade Democrática -, cuja ala juvenil, dirigida por jovens
comunistas, serviu de escola prática de oposição.
Contrariamente ao propalado pelo regime
sempre houve uma oposição anticomunista, contudo, no período pós-segunda Guerra
Mundial, o papel do PCP foi dominante. A ponto deste se considerar o
“verdadeiro defensor da Nacionalidade” e dos interesses do povo português, como
alegou em tribunal em 1936, apesar da sua matriz internacionalista.
Mário Soares notabilizou-se neste período
pela forma exemplar como ajudou a impulsionar a transição da oposição
tradicional republicana e dos intelectuais da Seara Nova para uma oposição
democrática não comunista.
Nos tranquilos anos cinquenta, em que a
oposição política foi pouco ativa, decorreu um processo de aprofundamento da
formação política, não só de Mário Soares, como ele próprio afirmou, mas também
da juventude mais culta, que se foi afastando do regime.
Depois do abanão político, decorrente da
candidatura de Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 1958, emergiu a
dissidência do Bispo do Porto. A oposição alargava-se ao setor progressista da
Igreja deitando por terra o argumento de que se restringia a comunistas e
velhos republicanos que por despeito faziam o jogo dos comunistas.
Até 1974 a oposição alargou-se a outros
setores da sociedade tendo-se limitado a sua atividade à participação nas
campanhas eleitorais e à apresentação de petições e abaixo-assinados junto do
Presidente da República, dos Tribunais e da imprensa.
Entre os opositores ao Estado Novo,
destacaram-se; as elites mais independentes do Estado, como os profissionais
liberais de forte espírito corporativo com relevo para os advogados e sua Ordem;
professores e militares, e os ferroviários, estes, trabalhadores mais
qualificados e politizados.
Os jornais República e Diário de Lisboa eram
os principais municiadores destes opositores, que, apesar de minoritários,
deram um contributo importante à causa da oposição.
Norton de Matos
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto
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