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quinta-feira, 9 de julho de 2020

Olhando para Dentro (VIII)

Olhando Para Dentro

1930-1960

(Bruno Cardoso Reis)

(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)


O Estado Novo e as Elites: Católicos, Milionários e Militares:

   Apesar de cerca de 85 % dos Ministros serem recrutados no setor público algumas elites da sociedade civil tiveram importância no regime; as da Igreja Católica, dos grandes empresários e dos militares.

   A ascensão social e política de Salazar deve-se à sua formação católica e à Igreja. Apesar disso o seu vínculo político primordial foi o nacionalismo. O regime salazarista foi nacionalista, conservador católico, mas nunca confessional como o que Franco instituiu em Espanha.

   Salazar nunca subordinou os interesses do Estado aos da Igreja Católica; adiou e prolongou as negociações da Concordata durante três anos, negou à Igreja o estatuto de religião de Estado e, igualmente, negou a devolução da maior parte dos bens nacionalizados em 1910. As concessões verificaram-se nas áreas da educação, família e missionação, que reuniam amplo consenso entre o conservadorismo e a Igreja. Em contrapartida Salazar impôs o direito de veto na nomeação dos bispos conseguindo dessa forma controlar politicamente as elites eclesiásticas.

   Apesar do empenho mútuo numa boa relação (Salazar tinha sido colega e grande amigo de Cerejeira nos seus tempos de Coimbra) as queixas de ambos os lados ao papado eram frequentes.

   Confirmando o distanciamento de Salazar à Igreja, um diplomata do Vaticano, em 1958, referindo-se-lhe, afirmou que raramente o católico influenciou o estadista e ainda que, os anos de perseguição da Primeira República à Igreja foram seguidos de trinta anos de omissão.

   A experiência traumática do anticlericalismo da Primeira República garantiu a Salazar o apoio, ou neutralidade cautelosa, do bispado. Porém, sem a vivência do anticlericalismo e na sequência a renovação doutrinal na Igreja, as novas elites católicas afastaram-se do regime alinhando alguns dos mais destacados ao lado da oposição nas eleições presidenciais de 1958.  

  Um dos pilares fundamentais do regime, a Igreja, perdeu consistência. Em contrapartida ganhou a oposição com o discurso crítico e a capacidade de mobilização e organização dos católicos. O teor legitimador da doutrina da Igreja mudou reforçando a erosão política do regime.

  A repressão do movimento operário, o fim do direito à greve, o controlo dos sindicatos e a redução dos gastos públicos garantiram a Salazar o apoio da elite económica. Em sentido contrário, a reforma tributária, a lei do condicionamento industrial e o corporativismo de Estado foram reformas geradoras de tensões com a mesma elite.

  A legitimação do regime de Salazar passava pelo afastamento deste dos “ricos”. Filho de feitor, atividade socialmente intermédia, bem longe da pobreza do proletariado rural da época, catedrático na universidade de Coimbra, Salazar afirmava-se filho de camponeses, um camponês. Chegou a referir a Christine Garnier dever à Providência a graça de ser pobre.

   Contudo Salazar não era rico nem fazia fretes aos “ricos”. A sua ascensão social e política fora demasiado árdua para se sujeitar à humilhação de serventuário do incipiente capitalismo nacional da época. As suas sólidas convicções nacionalistas, liberais e estatistas não lho permitiam.

   A convergência de interesses verificou-se no controlo do sindicalismo e na substituição do capital estrangeiro. O apoio do Estado Novo aos empresários nacionais estava condicionado ao interesse público dos seus investimentos.

   Por seu lado as Forças Armadas tiveram um papel decisivo na formação do Estado Novo uma vez que este surgiu, em 1933, na sequência da revolta militar do 28 de Maio de 1926 chefiada pelo General Gomes da Costa.

   A política de Salazar relativamente às Forças Armadas consistiu em manter as altas patentes afastadas da política cedendo-lhes, como contrapartida, as pastas relacionadas com a defesa; Marinha, Guerra/Exército e Aeronáutica/Força aérea.

   Como homenagem ao papel da Forças Armadas na criação e sustentação do Estado Novo reservou-lhes o cargo de Presidente da República o qual foi formalmente imbuído do poder de decidir a chefia do Governo (ficou célebre a declaração pública, “Obviamente demito-o”, de Humberto Delgado na campanha eleitoral para as presidenciais de 1958).

   Contudo, contra a oposição do Presidente Carmona e oficiais superiores das Forças Armadas, em 1936, e a pretexto da Guerra Civil Espanhola, Salazar assumiu a pasta da Guerra, reforçando a subordinação dos militares à sua política.

   A modernização das Forças Armadas, que Salazar considerava uma atividade digna e absorvente, implicou a renovação das respetivas chefias, justificada pela necessidade de lidar com os novos equipamentos e de pôr em prática as novas doutrinas de guerra.

   Como consequência, saiu reforçado o vínculo de lealdade das novas chefias militares que deviam a Salazar os respetivos cargos.

   Apesar de tudo Salazar nunca conseguiu controlar completamente estas elites, nomeadamente nos anos 30 e no período de 58 a 61. O forte espírito de corpo entre aquelas não lhes permitia tolerar castigos severos aos camaradas por motivos políticos.

   Os castigos aplicados em Portugal a oficiais envolvidos em golpes abortados, comparativamente com outros países, onde se praticava o fuzilamento, eram tradicionalmente leves. Talvez esteja aqui a explicação para a não expulsão do ativo do futuro Marechal, General Costa Gomes na sequência da “abrilada” falhada em 1961.

   Salazar mostrou-se muitas vezes cansado de gerir as elites monárquicas, republicanas e católicas. Contudo, no seu estilo conservador e autoritário, formou um governo compósito cooptando, amplamente, as elites disponíveis.


                                                         Salazar e Christine Garnier


Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto

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