Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
O Estado Novo e as Elites: Católicos,
Milionários e Militares:
Apesar de cerca de 85 % dos Ministros serem
recrutados no setor público algumas elites da sociedade civil tiveram
importância no regime; as da Igreja Católica, dos grandes empresários e dos
militares.
A ascensão social e política de Salazar
deve-se à sua formação católica e à Igreja. Apesar disso o seu vínculo político
primordial foi o nacionalismo. O regime salazarista foi nacionalista,
conservador católico, mas nunca confessional como o que Franco instituiu em
Espanha.
Salazar nunca subordinou os interesses do
Estado aos da Igreja Católica; adiou e prolongou as negociações da Concordata
durante três anos, negou à Igreja o estatuto de religião de Estado e,
igualmente, negou a devolução da maior parte dos bens nacionalizados em 1910.
As concessões verificaram-se nas áreas da educação, família e missionação, que
reuniam amplo consenso entre o conservadorismo e a Igreja. Em contrapartida
Salazar impôs o direito de veto na nomeação dos bispos conseguindo dessa forma
controlar politicamente as elites eclesiásticas.
Apesar do empenho mútuo numa boa relação
(Salazar tinha sido colega e grande amigo de Cerejeira nos seus tempos de
Coimbra) as queixas de ambos os lados ao papado eram frequentes.
Confirmando o distanciamento de Salazar à
Igreja, um diplomata do Vaticano, em 1958, referindo-se-lhe, afirmou que
raramente o católico influenciou o estadista e ainda que, os anos de
perseguição da Primeira República à Igreja foram seguidos de trinta anos de
omissão.
A experiência traumática do anticlericalismo
da Primeira República garantiu a Salazar o apoio, ou neutralidade cautelosa, do
bispado. Porém, sem a vivência do anticlericalismo e na sequência a renovação
doutrinal na Igreja, as novas elites católicas afastaram-se do regime alinhando
alguns dos mais destacados ao lado da oposição nas eleições presidenciais de
1958.
Um dos pilares fundamentais do regime, a
Igreja, perdeu consistência. Em contrapartida ganhou a oposição com o discurso
crítico e a capacidade de mobilização e organização dos católicos. O teor
legitimador da doutrina da Igreja mudou reforçando a erosão política do regime.
A repressão do movimento operário, o fim do
direito à greve, o controlo dos sindicatos e a redução dos gastos públicos garantiram
a Salazar o apoio da elite económica. Em sentido contrário, a reforma
tributária, a lei do condicionamento industrial e o corporativismo de Estado foram
reformas geradoras de tensões com a mesma elite.
A legitimação do regime de Salazar passava
pelo afastamento deste dos “ricos”. Filho de feitor, atividade socialmente
intermédia, bem longe da pobreza do proletariado rural da época, catedrático na
universidade de Coimbra, Salazar afirmava-se filho de camponeses, um camponês. Chegou
a referir a Christine Garnier dever à
Providência a graça de ser pobre.
Contudo Salazar não era rico nem fazia
fretes aos “ricos”. A sua ascensão social e política fora demasiado árdua para
se sujeitar à humilhação de serventuário do incipiente capitalismo nacional da
época. As suas sólidas convicções nacionalistas, liberais e estatistas não lho
permitiam.
A convergência de interesses verificou-se no
controlo do sindicalismo e na substituição do capital estrangeiro. O apoio do
Estado Novo aos empresários nacionais estava condicionado ao interesse público
dos seus investimentos.
Por seu lado as Forças Armadas tiveram um
papel decisivo na formação do Estado Novo uma vez que este surgiu, em 1933, na
sequência da revolta militar do 28 de Maio de 1926 chefiada pelo General Gomes
da Costa.
A política de Salazar relativamente às Forças
Armadas consistiu em manter as altas patentes afastadas da política
cedendo-lhes, como contrapartida, as pastas relacionadas com a defesa; Marinha,
Guerra/Exército e Aeronáutica/Força aérea.
Como homenagem ao papel da Forças Armadas na
criação e sustentação do Estado Novo reservou-lhes o cargo de Presidente da
República o qual foi formalmente imbuído do poder de decidir a chefia do
Governo (ficou célebre a declaração pública, “Obviamente demito-o”, de Humberto
Delgado na campanha eleitoral para as presidenciais de 1958).
Contudo, contra a oposição do Presidente
Carmona e oficiais superiores das Forças Armadas, em 1936, e a pretexto da
Guerra Civil Espanhola, Salazar assumiu a pasta da Guerra, reforçando a
subordinação dos militares à sua política.
A modernização das Forças Armadas, que
Salazar considerava uma atividade digna e absorvente, implicou a renovação das
respetivas chefias, justificada pela necessidade de lidar com os novos
equipamentos e de pôr em prática as novas doutrinas de guerra.
Como consequência, saiu reforçado o vínculo
de lealdade das novas chefias militares que deviam a Salazar os respetivos
cargos.
Apesar de tudo Salazar nunca conseguiu
controlar completamente estas elites, nomeadamente nos anos 30 e no período de
58 a 61. O forte espírito de corpo entre aquelas não lhes permitia tolerar
castigos severos aos camaradas por motivos políticos.
Os castigos aplicados em Portugal a oficiais
envolvidos em golpes abortados, comparativamente com outros países, onde se
praticava o fuzilamento, eram tradicionalmente leves. Talvez esteja aqui a
explicação para a não expulsão do ativo do futuro Marechal, General Costa Gomes
na sequência da “abrilada” falhada em 1961.
Salazar
mostrou-se muitas vezes cansado de gerir as elites monárquicas, republicanas e
católicas. Contudo, no seu estilo conservador e autoritário, formou um governo
compósito cooptando, amplamente, as elites disponíveis.
Salazar e Christine Garnier
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto
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