A manifestação dos “coletes amarelos em Portugal, para alívio do
Presidente da República, Governo e partidos políticos, não teve grande impacto
social, tendo sido até considerada, por alguns, um fiasco. Ignorar as causas desta
manifestação seria persistir no isolamento da classe política face aos destinatários
da sua ação, a população, adiando a inevitável rutura.
Antes de mais este protesto emergiu por efeito de contágio do que tem
ocorrido em França, com grande impacto político e económico no país, mas também
na comunidade internacional, sobretudo no seio da União Europeia. A França
atravessa uma crise social profunda resultante da conjugação do fenómeno,
conjuntural, da imigração, e das consequências, estruturais, da crescente
exigência de produtividade. A primeira lançou o caos na população, decorrente
dos horrores dos atos de terrorismo islâmico de que tem sido vítima e da
complacência das autoridades perante os seus autores. A segunda, provoca
fenómenos de exclusão social através do exigente processo de rastreio de
profissionais e empresas - a certificação -, de que resulta um crescente “exército”
de excluídos dependentes da solidariedade pública.
Em ambos os casos conclui-se que grande parte da população não se sente
representada na matriz política atual dos respetivos regimes. Significa isto,
que as dinâmicas partidárias foram perdendo o contacto com as bases,
cristalizando-se em torno das correspondentes estruturas, estas, mais
preocupadas com a o controlo do poder interno. No caso português, tal como
referem José António Saraiva e Vicente Jorge Silva - no seu diálogo aqui
anotado - o sistema partidário padece do pecado original que consistiu na importação
de modelos externos em vez de emergir da realidade social do país. Isto mesmo
pode ser confirmado hoje em dia pelas frequentes alusões à necessidade de mudar
os portugueses; não apenas em termos culturais, mas também, literalmente.
Os comentários de protagonistas e comentadores, com destaque para o
Presidente da República, revelam que esta manifestação foi vista pela generalidade
da comunidade política como uma espécie de plebiscito ao regime. Precipitadamente,
concluíram que a fraca adesão significa que a grande maioria da população
considera o regime apropriado e um baixo nível de insatisfação geral. No
entanto, se tivermos em conta os sucessivos avisos - ameaças veladas de várias
entidades - aos potenciais manifestantes, a dimensão do dispositivo policial
convocado para o evento e as posteriores declarações de alívio, revela má
consciência e medo. No fundo, sabem que a população tem razões de queixa.
Aquele medo resulta da possibilidade de contaminação da decadência a que
os partidos convencionais - do arco do poder - têm sido submetidos nas democracias
ocidentais. Mas não só. Em pânico ficaram os partidos de protesto e respetivas
centrais sindicais ao verem por mãos alheias uma prerrogativa - poder da rua -
que julgavam exclusivamente sua - por direito revolucionário.
A leitura a fazer, indesmentível, é que, os tradicionais partidos de
protesto centram a sua ação, exclusivamente, na defesa dos interesses das
corporações estatais induzindo o agravamento da carga fiscal à sociedade civil
que, no fundo, abominam. Em consequência, os Coletes Amarelos são a
manifestação deste abandono, duma lacuna que nasceu com a democracia e se tem
alargado e aprofundado ao longo destes 44 anos, sem que se vislumbrem vestígios
de regeneração (veja-se os recentes casos de sucessivas irregularidades cometidas,
prepotentemente, pelos deputados e validados pela segunda figura do regime).
Porém, apesar da fraca adesão, nada ficará como antes; os promotores da
manifestação, tendo agido à margem dos partidos, tiveram a capacidade de organizar
um evento de dimensão nacional, enquadrando-o adequadamente no domínio da
segurança e prevenindo oportunismos extremistas.
Nenhum governo deixará de ter em conta esta nova realidade na prossecução
das suas políticas. Quanto aos partidos, necessariamente terão que rever o seu
modelo de funcionamento sob pena de se tornarem irrelevantes e serem
ultrapassados, como já aconteceu noutras paragens. Um tal cenário ocorrerá como
consequência do extremismo economicista da União Europeia e da política de
imigração em curso, decidida à revelia das populações, que ameaça a segurança destas
e a sua própria cultura.
A histórica solidariedade europeia para com os refugiados de guerra
afro-asiáticos e o interesse na recuperação do défice demográfico europeu, estão
contaminados por velhos e persistentes ressentimentos republicanos
anticlericais internos e por estratégias, mais vastas, de combate ao
capitalismo europeu por parte dos seus concorrentes além Atlântico e além dos
Urais.
Peniche, 22 de Dezembro de 2018
António J. R. Barreto
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