Os recursos alimentares da Terra
Desde há uns tempos anda por aí uma ONG - mais uma - a amedrontar as
populações com o sobre consumo dos recursos da Terra, indicando, com precisão
newtoniana, a data de esgotamento dos mesmos a cada ano. Mais coisa menos
coisa, a população consome os recursos anuais em seis meses. O dobro do que
deveria para garantir a sustentabilidade da produção global.
Ora, se é verdade que os recursos são finitos também é verdade que,
graças à ciência, à tecnologia e ao progresso económico e social global, podem
ser maximizados até um nível indeterminado. Por outro lado o crescimento do
consumo está limitado à estabilização demográfica, que, de acordo com a teoria
da Transição Demográfica, acabará por ocorrer em função da industrialização dos
países subdesenvolvidos e do Terceiro Mundo, nomeadamente, América latina, Àsia
e África. Segundo os demógrafos e a ONU, tal ocorrerá por volta de 2050 aos 7,5
biliões ou, até aos 11 biliões de habitantes, dependendo da velocidade de
progressão económica e social daqueles países. Por outro lado a própria FAO
refere que a produção alimentar mundial é suficiente para alimentar todos os
habitantes do planeta. Assim, o problema não reside na produção de alimentos,
mas na distribuição dos mesmos. É na dificuldade de acesso das populações aos
alimentos que deve concentrar-se o combate à fome.
Sendo a produção alimentar ocidental, excendentária, que sentido faz
incentivar as respetivas populações à redução do consumo? Por outro lado, é
totalmente despropositado promover a redução de consumo junto de populações que
dele carecem para terem uma vida digna! Neste contexto, que sentido faz esta
militância sistemática pelo decrescimento do consumo de bens alimentares?
Pelo contrário, a erradicação da fome implica mais consumo das
populações pobres, que, mais coisa menos coisa, deverá rondar os 3 biliões de
pessoas - cerca de 3,4 biliões, segundo dados do Banco Mundial de 2018 -, num
contexto de redução continuada - de 1990 a 2015 a redução da taxa de população
em pobreza extrema (rendimento diário abaixo dos 1,9 USD) foi de cerca de 10 %
(grosso modo, de 36 % para 26 %). O Banco Mundial planeia erradicar a pobreza
extrema no mundo até 2030.
Este combate implica a promoção da educação das populações, com especial
foco nas novas gerações, sobretudo femininas, o investimento em infraestruturas
básicas - saneamento, abastecimento de água potável - o acesso à energia
elétrica e a cuidados de saúde primários, o investimento na produção agropecuária
local, etc. Para tal é imperioso apoiar e escrutinar, política e economicamente,
em contexto de concertação internacional, os governos locais dos países pobres,
assegurando o efetivo progresso económico e social das respetivas populações.
Esta insistência na redução
global do consumo alimentar insere-se non plano do decrescimento económico
mundial em consequência da teoria do Aquecimento Global de origem
antropogénica. Redução de emissões de CO2 resultante da atividade
humana, com redução da atividade industrial, agropecuária, florestal e
energética. Uma bandeira do lóbi ecologista apadrinhada desde há muito pelos
movimentos de esquerda empenhados em fazer desta uma causa sua.
Não estranha esta estratégia considerando que a pressiona o modelo de
desenvolvimento ocidental, capitalista, objeto estratégico das esquerdas desde
os tempos da 1ª Internacional (1864). Porém, como encará-la relativamente aos países
pobres? Como é possível, no âmbito de ideologia marxista, pedir, impor às
populações pobres redução do consumo de bens essenciais? É possível sim, num
contexto de instrumentalização da pobreza como arma de desestabilização económica,
demográfica e política do Ocidente. É o que ocorre atualmente.
E é também neste contexto que se enquadra o mercado de carbono.
Definiram-se quotas de emissão, determinaram-se as emissões que cabem a cada
país, determinou-se um preço por tonelada de emissão e estabeleceu-se um
comércio. Os países com défice de quota, além de terem de investir na redução
de emissão, sob pena de pesadas sansões, podem comprar quota aos que dela têm
excesso dela. Na prática, os países desenvolvidos compram aos países pobres quota
de emissão. Aqueles garantem sobre estes o ascendente tecnológico que detêm
desde a Revolução Industrial. Estes, podem investir as correspondentes receitas
no progresso económico e social das respetivas populações, sendo que, ao
fazê-lo, comprometem a autonomia tecnológica futura cuja consequência se traduz
na redução da velocidade da criação de riqueza.
Redução do consumo supérfluo dos países desenvolvidos, sim.
Aumento
do consumo básico das populações pobres, sim, sim e sim.
Instrumentalização política da pobreza, não, não e não.
Peniche, 22 de Agosto de 2020
António Barreto
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