Na implementação do sistema, optar-se-ia pela constituição federal do tipo americano, caracterizada pela igualdade de direitos das partes, em detrimento da do tipo soviético em que havia diferenciação de direitos. Todos os territórios ultramarinos receberiam o mesmo grau de descentralização de poderes; governo próprio, individualidade jurídica e plena autonomia administrativa e financeira. Tal autonomia não dispensaria as transferências para os estados mais pobres, à semelhança do que ocorria na época entre a metrópole e as províncias pobres.
Neste contexto, também o território metropolitano, que incluiria as
ilhas adjacentes sem alteração de estatuto, teria de organizar-se enquanto
província autónoma, com as mesmas prerrogativas de todas as outras.
Os poderes estaduais consistiriam no legislativo, no executivo e no
judicial. Os Governos provinciais e correspondente articulação administrativa
seriam da competência exclusivamente regional.
Os Governadores provinciais, numa primeira fase, continuariam a ser
designados pelo Governo Central sob proposta das Assembleias Legislativas provinciais
e ulteriormente, por eleição por sufrágio direto no âmbito das respetivas
províncias.
Às Assembleias Legislativas provinciais, eleitas nos respetivos Estados
conforme o Estatutos por eles definido, competiria legislar no âmbito da
autonomia federal. Tais Estatutos evoluiriam para a forma jurídica de
Constituição Estadual enquanto as Assembleias Legislativas transformar-se-iam
em Parlamentos Estaduais cuja autonomia lhes conferiria ampla competência,
representatividade e isenção.
A composição, forma de sufrágio e articulação das Assembleias
Legislativas seria adaptada às características de cada região, não havendo
lugar a restrições de representatividade da massa populacional, ainda sujeita à
influência das estruturas tribais no complexo sistema de relacionamento entre
sociedades africanas. Estruturar a representação na base das elites,
aculturadas e destribalizadas, ignorando as massas, apegadas ao
tradicionalismo, configuraria um regime neocolonial, tal como os prevalecentes
em África, onde a descolonização, salvo raríssimas exceções, não proporcionou a
verdadeira independência; apenas substituiu a dependência do colono branco pela
do negro.
Avança, António de Spínola, com o exemplo da Guiné, onde a participação
das massas era assegurada, diretamente, no Congresso do Povo, que, em reunião
anual, discutia, deliberava, julgava e aprovava conclusões com força executiva
suficiente. O Congresso estaria vinculado à Assembleia mediante regras,
constituindo esta a extensão daquele, ficando assim, legitimada a
representatividade e, consequentemente, o poder legislativo. A experiência na
Guiné demonstrou que, por mais impreparadas que estejam as massas e por mais
que as suas elites delas estejam divorciadas, a participação efetiva do povo é
possível.
A nível executivo, o funcionamento de cada Governo seria definido por
Estatutos próprios aceitando-se, inicialmente, a ação coordenadora do Governo
Central. António de Spínola considerava aceitável a estrutura em vigor das
Províncias de Governo Geral, carecendo de adaptação às realidades locais;
haveria que proceder à arrumação étnica e proporcionar a progressiva atenuação
das diferenças culturais que, por sua vez, daria lugar à miscigenação e
progressiva síntese natural. Fora de questão estava a possibilidade de adoção
de qualquer tipo de padrão único, inevitavelmente desajustado às realidades
locais.
Quanto ao poder judicial, competiria a cada província a supervisão em
conformidade com as disposições legais lá votadas, com recurso aos tribunais
federais nas questões relativas às leis gerais do país.
O grau de descentralização seria definido pelo Estatuto Constitucional,
que regeria o conjunto preservando a autoridade do Governo Central o qual
disporia de poder de coordenação e controlo adequados, garantindo assim o princípio
da unidade na pluralidade, até à consolidação do novo sistema. A diferenciação
da descentralização seria assegurada em função da especificidade de cada
região.
No plano económico, a desejada livre circulação de pessoas e capitais
seria alcançada paulatinamente, respeitando as assimetrias do momento,
evoluindo por meio de negociações interestaduais com foros de lei federal.
Dada a descontinuidade do território e as diferentes realidades de cada
região, a complexidade das relações comerciais externas poderia conduzir a
políticas aduaneiras diferenciadas pondo em causa o princípio da livre
circulação de bens. Algo que Spínola considerava ultrapassável com estudo
adequado e flexibilidade.
Peniche, 02 de Agosto de 2019
António Barreto*
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