Assim, o “germanófilo”,
“reacionário” e “ditador” António de Spínola, arquitetou um projeto político
assente em três princípios:
- O do
reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação (princípio consensual
saído da conferência de Yalta,
realizada entre as potências aliadas no final da II Guerra Mundial), cuja
consequência se traduziria na autonomia progressiva de cada parcela, com
crescente participação de instituições africanas.
- A adoção do
primado da consulta popular, materializando o conceito segundo o qual a Nação é
a sede da soberania. O pretexto da impreparação da população enquanto
fundamento para a denegação do referendo, justificaria, por si só, a dispensa
das comunidades dos deveres de cidadania como consequência da supressão do
exercício dos seus direitos fundamentais. Tão só, o pretexto de uma expetativa
desfavorável constitui argumento para a recusa do referendo, pois é no respeito
pela vontade dos povos que se acolhem sob a bandeira das quinas que teria de
residir a força da “nossa” razão, no fundo, a legitimação do poder.
- Finalmente,
o processo teria de ser acompanhado de ampla difusão pública, condição
indispensável para a unidade interna e a compreensão e adesão externa.
O principal risco desta solução inviabilizaria a adesão ou mesmo de
associação à Comunidade Económica Europeia. Porém, os acordos comerciais, em
princípio possíveis, atenuariam esse impacto. Por outro lado, salvaguardando-se
a integração económica do espaço português, abriam-se as perspetivas dos
mercados africano e sul-americano.
(Hoje, 33 anos após a adesão à CEE/EU, concitando todos os fatores,
soberania e progresso económico, permanece a dúvida quanto aos reais
benefícios, para os portugueses, da opção seguida, sobretudo no capítulo da
perda de soberania e da insanável dependência económica. As economias locais
têm vindo a ser desmanteladas, os territórios do interior abandonados, a
modernização da economia fracassou, a divergência económica e social acentua-se
face aos parceiros europeus e o endividamento galopante deixou Portugal vulnerável
ao designado neocolonialismo praticado pelos críticos ativos do colonialismo
clássico).
António de Spínola tinha ideias estruturadas quanto à geopolítica
internacional e quanto à posição de Portugal no mundo; tinha o sentido da
portugalidade e uma ideia muito precisa de organização sociopolítica em torno
do que designou como República Federal de Portugal.
Defendia, convictamente, que o futuro de Portugal só seria viável num
contexto de pluralidade numa comunidade capaz de manter coesas as parcelas do
todo português, à margem de estatutos políticos.
Propunha pois a reformulação do ideário nacional, transformando-o numa
ideologia unificadora pela transparência e pela aplicabilidade dos princípios
proclamados. A uniformidade normativa imposta pela Lei fundamental em vigor à época,
não respondia à diversidade social e económica das populações de todos os
territórios, constituindo, por si só, fonte de tensões revolucionárias
independentistas. Assim, só uma constituição federativa de estilo próprio
poderia corresponder ao princípio unificador, contemplando o princípio da
especialidade das leis, que permitiria a cada parcela adaptá-las à sua
realidade, à luz de um lato sentido de solidariedade. O “Estado Plurinacional”,
característica real do Estado Português, seria sustentado pela adesão plena das
suas “nações-membros”. Seria, sim, o fim da unidade imperial mas não da unidade
nacional. A excecional capacidade miscigenadora do povo português seria o seu
suporte. E a consciência da época já não aceitava impérios.
A eficácia da integração económica do todo português requeria
complementaridade de economias especializadas, estabilidade monetária
territorial e interterritorial, equilíbrio das balanças de pagamentos e
crescimento conjunto sem alteração sensível da estrutura de comércio. A
equidade deste processo exigia um programa de transferências dos Estados mais
desenvolvidos para os mais atrasados, evitando-se a assimetria do crescimento
económico das partes.
Peniche, 26 de Julho de 2019
António Barreto*
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