Considerando inviável a vitória militar na guerra colonial, Spínola via
na negociação política a solução inevitável para a paz. Às Forças Armadas competiria
garantir as condições para a sua efetivação num prazo condicionado pelos
recursos disponíveis do país. Mesmo com o apoio das populações locais - considerava
ser esse, em geral, o caso -, a natureza da guerra de guerrilha, o crescente
apoio externo de que dispunham as respetivas forças e o envelhecimento dos
quadros das forças lusas, impossibilitava a vitória militar. Por outro lado, os
crescentes encargos com o esforço de guerra aumentavam o risco de rotura
económica e social da metrópole a curto-médio prazo. (Na verdade, em Angola, os
episódios de guerra eram, à época, residuais, em Moçambique, restringia-se ao
nordeste e na Guiné nalgumas zonas de fronteira).
António Barreto*
Neste quadro, defendia a procura de uma solução unificadora onde cada
parte - Metrópole, Estados e Províncias Ultramarinas -, pudesse dar o seu
contributo na definição das normas de relacionamento entre si e com o exterior.
(a ideia de federalismo começa a ganhar forma).
Defendendo a necessidade de acautelar os legítimos interesses dos
europeus radicados no ultramar, considerava necessário evitar a tendência de
resvalamento para uma revolução branca à semelhança da que se verificara na Rodésia
e que havia fracassado no Katanga. (Consta que era este o objetivo de Marcello
Caetano; a independência das colónias sob tutela dos europeus lá radicados)
Quanto à população africana, com prolongamentos étnicos além das
fronteiras e conflitos bélicos entre si, mantinha-se do nosso lado por ainda
sermos, localmente, os mais fortes, por lhes proporcionarmos benefícios sociais
e económicos superiores aos praticados além-fronteiras e por acreditarem numa
autonomia no contexto de uma comunidade portuguesa. Suprimidos estes, a
separação pela via revolucionária seria inevitável.
Também para Spínola “a Pátria defende-se, não se discute”, mas entende
competir aos cidadãos e não a quaisquer elites, a definição dos ideais
nacionais e os interesses morais que a enformam e impulsionam. Para tal, todos
são igualmente aptos, em especial os que por ela arriscam a vida, ainda que
iletrados. A Pátria palpita no coração do Povo, o Povo que, nos matos de
África, labutava, combatia e morria.
Entre as opções possíveis para Portugal, António de Spínola rejeitava o
abandono puro e simples do ultramar; por pôr em causa a independência do país,
por lealdade a quantos, no ultramar, construíram as suas vidas e por falta de
motivo para tal, apenas para benefício de amigos e inimigos.
Excluída a possibilidade de vitória militar, o retardamento da autonomia
progressiva num contexto de unidade nacional aceleraria a desagregação pela via
revolucionária, tornando inútil o sacrifício dos que morreram pela perenidade
da Nação.
A sociedade multirracial não fazia sentido num contexto de mera
convivência entre pobres e ricos, entre governantes e governados, entre
poderosos e obedientes. A possibilidade de acesso de cada cidadão de qualquer
raça aos lugares de mando político-administrativo, para Spínola, era condição
primordial para o sucesso da sociedade com que Salazar sonhara.
Finalmente, António de Spínola defendia a construção de uma vasta
Comunidade Lusíada alicerçada na autonomia progressiva de todas as parcelas; uma
comunidade de espírito novo, sujeita a inevitáveis vicissitudes, onde o Brasil
assumiria lugar de destaque e na qual os laços morais, indesmentíveis,
prevaleceriam sobre os estatutos políticos graças ao empenho de todos os bons
portugueses. A proclamada Nação “una e indivisível” estava condenada ao
fracasso na medida em que, na prática, era “una e indivisível” sob a hegemonia
de uma parte. (Os cinco anos de governo da Guiné em que praticou uma governação
de proximidade de matriz paternalista, afeiçoou-o às comunidades locais e aos
seus usos e costumes).
Peniche, 19 de Julho de 2019António Barreto*
Sem comentários:
Enviar um comentário