Para o grande público, António de
Spínola ficou conhecido como bravo Cabo de Guerra, pelo desempenho do cargo de
Governador da Guiné entre 1968 e 1973, e como político incipiente, ingénuo,
semipatético e reacionário, pela sua participação na Revolução de Abril, em
que, no decurso do PREC, a sua estratégia acabaria sucessivamente derrotada
pela fação de esquerda que então predominava no MFA.
Regressado
da Guiné em 1973, convencido da inviabilidade duma vitória militar, tenta, em
vão, convencer o Presidente do Concelho, Marcello Caetano, a encetar a via da
negociação - que ele próprio mantinha, com quadros do PAIGC, com elites locais
e com o Presidente do Senegal, Leopold
Senghor. Spínola escapara, por mero acaso, em 20 de Abril de 1970, ao
“Massacre do Chão Manjaco” onde foram abatidos e esquartejados pelos
guerrilheiros do PAIGC, três majores, um alferes e três guias do exército
Português, no âmbito das negociações para o cessar-fogo na região norte, que
vinha sendo mantida. Gorada a tentativa, acaba demitido na sequência da
publicação de Portugal e o Futuro onde dá conta pública da sua perspectiva de
solução para Portugal e o seu Império.
A evolução da guerra na Guiné favorecia o inimigo graças, sobretudo, ao
aumento da intensificação do apoio de Cuba, em homens, e da URSS, em armas -
mísseis terra-ar e aviões MIG (2). As forças nacionais deixavam de contar com o
precioso apoio aéreo e, sem ele, a eficácia operacional ficara seriamente
diminuída. O espetro da derrota pairava no horizonte, abrindo a velha ferida da
humilhação da invasão da Índia portuguesa, estigma indelével das Forças Armadas
lusas.
A operação Mar Verde, derradeira tentativa de neutralização do PAIGC -
planeada e conduzida pelo célebre fuzileiro Alpoim Galvão - apesar do sucesso
operacional, fracassara nos seus objetivos essenciais; a detenção ou eliminação
de Amílcar Cabral, a eliminação de Sekou
Touré, o derrube do regime socialista da Guiné-Conacri e a destruição dos
dois aviões MIG oferecidos pela URSS. Destruíram-se as instalações da Frelimo,
soltaram-se os prisioneiros portugueses - 23, entre os quais o célebre sargento
aviador António Lobato e um desertor -, e afundaram-se todas as modernas
lanchas de combate do inimigo. As informações recolhidas pelos agentes da PIDE
revelaram-se inexatas, razão dos fracassos. Por essa ocasião, o aparelho de
Estado Português, administrativo e militar, já estava fortemente infiltrado por
“democratas”, graças à “Primavera Marcelista”.
Habituado à férrea disciplina militar e à deferência geral, António de
Spínola acreditou, ingenuamente, na lealdade dos militares de Abril - alguns
dos quais, como Otelo e Carlos Fabião, serviram sob suas ordens na Guiné. Acordou
demasiado tarde para a realidade. Quando reagiu tinha perdido o controlo do
processo; Vasco Gonçalves, Otelo e Costa Gomes, tinham outros planos,
serviram-se do seu prestígio junto da população e livraram-se dele quando se
tornou inconveniente, colando-lhe a chancela de ditador e reacionário.
Uma injustiça; este “Portugal e o Futuro”, que acabei de reler,
demonstra-o. António de Spínola, também rotulado de germanófilo, preconizava a
autodeterminação dos povos e a democracia parlamentar representativa assente no
sufrágio direto e universal, um homem um voto. Opunha-se às ditaduras; de
direita, mas também de esquerda. O seu projeto, talvez algo ingénuo, de
construção do Estado Federal de Portugal, em que as províncias ultramarinas e
Portugal metropolitano constituíam, em paridade, a nova federação, visava a
ascensão política social e económica dos portugueses africanos, sem exclusões,
e a preservação do que designou por “portugalidade”, na convicção sincera da
adesão voluntária dos portugueses africanos. Um Portugal pluricontinental e
multirracional alicerçado na adesão das populações livremente expressa por voto
secreto e universal em plena paridade de Estados.
Peniche, 13 de Julho de 2019
António Barreto*
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