As “Irmãs da Caridade”
A expressão “irmãs da Caridade” ficou, e em certos casos ainda se usa, geralmente em tom pejorativo. Por exemplo, para gracejar a propósito de pessoas que vestem de igual forma ou para minimizar ações de pequena filantropia. O facto é que as “Irmãs da Caridade” chegaram a Portugal no século XIX, praticaram assistência social, originaram enorme turbulência política e deixaram um legado de filantropia que se prolongou pela 1ª República.
Alguns historiadores, como Maria de Fátima Bonifácio, consideram este episódio das “Irmãs da Caridade” como a proto-história do republicanismo português. Um período em que, através do ativismo anticlerical, se prepararam as mentes populares, sobretudo urbanas, para a aceitação da república.
Por ocasião da epidemia de febre-amarela que assolou o país na década de 1850, face à desproteção a que o Estado deixara os pobres, D Isabel, condessa de Rio Maior, com outras aristocratas, em 1857, convidou as freiras da congregação francesa da Ordem de São Vicente de Paula para, com seu financiamento, tratarem as vítimas da epidemia em Portugal.
Esta congregação foi fundada em França em 1833 e destacou-se na guerra da Crimeia (ainda há dois ou três anos havia em Peniche, junto ao Santuário dos Remédios, um polo desta congregação liderada pela célebre Irmã Glória, ex-missionária, muito querida entre a população da cidade e amiga pessoal). A condessa Isabel tinha hábitos de filantropia tendo-se envolvido anteriormente na Associação Consoladora dos Aflitos. A nível político, discutia-se a quem competia a responsabilidade do apoio social, se ao Estado, se à Sociedade Civil. Fontes Pereira de Melo, o Presidente do Conselho de então e grande reformador da economia do país, considerava que não competia ao Estado a assistência social.
Em 1857 chegaram a Portugal as primeiras freiras de São Vicente de Paula, com missão mais ampla do que a de tratar dos doentes da febre-amarela. O facto foi tão inverosímil que a nobre condessa de Rio Maior, considerando-se insignificante, confessou ver nele um sinal de Deus ao seu gesto benemérito.
Foi com a ajuda das duquesas da Terceira e de Ficalho e o elevado apoio monetário do rei D. Pedro V, que, a 14 de Dezembro, abriu o Asilo da Ajuda. Foram recolhidas 15 meninas, às quais foi dado banho, cortado cabelo e vestidas com bibes de riscado.
No verão de 1858 os Progressistas abriram as hostilidades políticas pela pena de Alexandre Herculano. Considerava o insigne literato que, por detrás da ajuda humanitária, havia desígnios sinistros. De imediato saíram a terreiro, exigindo repúdio público ao Presidente do Conselho, Duque de Loulé, os membros da Câmara dos Pares, condes da Taipa e do Ficalho e o marquês de Sobral. Logo responderam os radicais de esquerda, alguns ligados ao partido Histórico, afiançando ter-lhes sido revelado em sonhos, por “Satanás”, estar em curso em Portugal uma guerra entre o povo e a classe média, e a nobreza. Como resultado as freiras acabaram apedrejadas pelos populares anticlericais de Lisboa.
Circularam abaixo-assinados, uns a favor das freiras, subscritos geralmente por membros da nobreza, Ex miguelistas e das associações filantrópicas, e outros contra, exigindo a expulsão das religiosas e envolvendo a chamada nobreza de toga, Ex-setembristas, alguma burguesia e académicos. A polémica incendiou o Parlamento, onde os Históricos propuseram a nomeação de uma comissão com a finalidade de expulsar as irmãs. O tema acabou por envolver o Rei D. Pedro V que, em Outubro de 1858, confidenciou a seu tio, o Príncipe Alberto, marido da Rainha Vitória, considerava imprudente a iniciativa das aristocratas. Para ele, os portugueses e Portugal não tinham motivos de gratidão nem à nobreza nem ao clero.
Apesar de toda a polémica, em Agosto de 1859, chegaram a Lisboa mais quatro irmãs vicentinas francesas, desta vez acompanhadas por um excecional padre lazarista - membro da Congregação da Missão; sociedade Católica, masculina, apostólica, fundada por São Vicente de Paulo em Paris, em 1625, dedicada ao ensino e obras de caridade, cujos membros eram conhecidos por Vicentinos e, também, Lazaristas (pelo facto de a sua primeira sede se ter chamado Casa de São Lázaro). Desta vez, os membros do executivo em funções, Fontes Pereira de Melo e Casal Ribeiro, mais preocupados em erguer as infraestruturas ferroviárias do país resolveram fechar os olhos.
Porém, quando em Agosto de 1860, desembarcou na capital mais uma “fornada” vicentina, constituída por dezasseis irmãs, francesas e portuguesas, e três padres, o ambiente tinha mudado; o duque de Loulé tinha regressado ao poder. Levantou-se a esquerda, organizando comícios onde, como condição para a legalização, exigia a separação das freiras portuguesas das francesas, e a subordinação daquelas à tutela de um superior nacional. Recusada a proposta pelo respetivo patriarca e pelas irmãs francesas, respondeu o Governo com uma portaria onde determinava a suspensão da ordem, dando-lhes 40 dias para abandonarem a residência, em Santa Marta.
Fonte: Os Pobres, Maria Filomena Mónica
Aurélia de Sousa
Peniche, 4 de Abril de 2021
António Barreto
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