Portugal Traído
Fernando Pacheco Amorim
(Edição de Autor)
Os antecedentes do 16 de Março:
Este capítulo tem revelações surpreendentes: uma delas reside na citação de um analista espanhol segundo a qual o regime de Salazar era uma diarquia e não era uma ditadura! O poder efetivo residia, em primeira instância, na maçonaria do rito escocês, razão pela qual, Salazar, aceitava que o cargo de Presidente da República fosse assegurado por um dos seus membros qualificados da estrutura militar- no caso, Gomes da Costa, Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomáz – o que lhe permitia manter-se à frente do Governo. Costa Pimenta, em “O Relato Secreto da Implantação da República” refere - pág, 27 - a loja de Coimbra “A Revolta”, criada por Bissaya Barreto, onde Salazar pode ter sido iniciado. Havia, de facto uma grande amizade entre Bissaya Barreto e Salazar, ao ponto de aquele manter um relacionamento privilegiado com este e Henrique Galvão, como consta no livro de Pedro Jorge Castro “O Inimigo nº 1 de Salazar”. A primeira vez que li referências ao envolvimento da maçonaria com Salazar, foi no romance de Joel Costa “Aquela Noite no Ritz” no qual se depreende que a morte do ditador terá sido planeada e executada por membros daquela organização, referenciados pelos seus nomes maçónicos. Sabia que o Golpe Republicano consistiu na disputa entre os ramos monárquico e republicano da maçonaria, mas desconhecia a sua influência no Estado Novo. Uma revelação.
António Barreto
Fernando Pacheco Amorim, na sua obra publicada em 1964 “Para Onde Vamos?”, faz uma análise exaustiva do anacronismo, tipicamente colonial, da estrutura político-administrativa dos territórios ultramarinos, reclamando a necessidade urgente de a reformar; a integração da população nativa era um requisito essencial para a manutenção da unidade nacional. O mal-estar daquelas comunidades, incluindo uma grande parte da população branca, constituía a infraestrutura de suporte dos inimigos internos e externos de Portugal.
O imobilismo reformador de Salazar, segundo o autor, ficou a dever-se à influência da maçonaria do rito escocês e aos grupos financeiros internacionais a que estava ligada. A manutenção do status quo assegurava-lhes os monopólios e a decorrente maximização dos lucros, pela exclusividade da oferta e pelos baixos custos de mão-de-obra, muita dela exercida em regime de baixos salários ou servidão. Grupos estes que passaram a defender a descolonização, acompanhando as deliberações da ONU, na perspetiva de assumirem posições de domínio nos novos países, com a estratégia do neocolonialismo (obtenção de privilégios em contrapartida pelo sobre-endividamento dos novos países).
Por outro lado, os oposicionistas de Salazar infiltrados no aparelho de Estado, Botelho Moniz - Ministro da Defesa - e o seu adjunto Costa Gomes -, adeptos da autodeterminação, discretamente, foram desarticulando o dispositivo militar tornando-o ineficiente, com a finalidade de arrastar a guerra forçando a solução política. A estes oponham-se os partidários da independência branca, do tipo da que se verificara na Rodésia e na África do Sul, simulando empenho na integração. Nas altas esferas do Estado estas duas posições digladiavam-se entre si. Afastada a estratégia de integração efetiva, a preferida pela generalidade da população, estavam criadas as condições para a rotura, objetivo de americanos, soviéticos, ex-colonizadores e os países do norte da Europa em geral.
Os ataques de 4 de Fevereiro à Casa de Reclusão e a uma esquadra de polícia em Luanda prenunciavam o massacre de 15 de Março. Desvalorizando sucessivos relatórios com alertas de invasão iminente, proibindo e punindo manifestações alarmistas, o Governo português descurou a organização da defesa do território angolano deixando a população desprotegida.
Foram os colonos que, resistindo à invasão de 15 de Março, impediram a tomada de Angola pelas forças do movimento de Holden Roberto, a UPA, treinadas na República do Congo por oficiais franceses, ex-combatentes da Argélia.
Contida a incursão, Botelho Moniz e Costa Gomes não desistiram e tentaram mudar o poder em Lisboa através de um golpe militar. Fracassado este, apenas aquele e mais dois ou três oficiais generais passaram à reserva sem que tivessem sido sujeitos a procedimento judicial. Os restantes envolvidos mantiveram as suas funções, continuando a desenvolver o seu trabalho de subversão e desarticulação do aparelho militar e administrativo. Foi, então, voz corrente, que, entre os implicados civis, se contava Marcello Caetano. Poderosas eram as ligações internas e externas dos insurgentes.
Totalmente despolitizadas e feridas na sua honra pelos acontecimentos de Goa, as Forças Armadas, aceitaram com entusiasmo e patriotismo a tarefa de pacificação dos territórios africanos, até se sentirem traídos na sequência da ascensão de Marcello Caetano à chefia do Governo. Submetidos a sucessivas missões no ultramar, perante a inação política do Governo, os oficiais, desorientados e inquietos, receavam vir a ser bodes expiatórios duma eventual derrota, tal como acontecera em Goa.
Acresce que, a manobra de subversão no seio das Forças Armadas, acelerada pela “primavera” marcelista, começou a dar frutos. Oficiais milicianos oriundos das universidades públicas - de quadros renovados na célebre reforma de Veiga Simão -, onde foram convertidos à ideologia marxista, colaboravam com os terroristas informando-os das operações militares e deixando-lhes mantimentos no mato a fim de lhes proporcionarem maior profundidade de incursão. O descontentamento da população branca, que tinha conhecimento dos factos eclodiu na cidade da Beira em Janeiro de 1974, saindo em massa à rua insultando e agredindo todos os oficiais que encontrava pelo caminho. Tratava-se já de um exército vencido, minado pela frente interna, desconhecedor das causas da sua derrota, ao qual restava, como saída honrosa, o derrube do regime. Foi esta a génese do 25 de Abril.
O Movimento dos Capitães germinou na Guiné, onde a perda da superioridade aérea prenunciava a derrota militar. O descontentamento provocado entre os oficiais do quadro permanente pelo decreto publicado em 1973 pelo Ministro da Defesa, General Sá Viana Rebelo, segundo o qual, na escala de antiguidades, dava precedência aos oficiais do quadro de complemento relativamente aos do ativo -, e a desvalorização do grau académico da escola militar - decorrente da redução a dois semestres do curso de oficiais -, uniu-os nos protestos, fundindo-se em Janeiro de 1974 as duas comissões entretanto criadas - a do quadro de complemento com a do quadro permanente -, num processo reivindicativo do qual resultou a convicção de que a correção só seria possível com a alteração do regime político. A revolta contra o regime estava em marcha alastrando rapidamente aos três ramos das Forças Armadas.
Introduzindo-se habilmente no Movimento dos Capitães através de elementos da CDE (Centro Democrático Eleitoral; frente oposicionista criada para concorrer às eleições de 1968), o Partido Comunista deu-lhes o suporte moral que lhes faltava; o da tarefa dignificante de derrubar o regime “corrupto e fascista”.
O “beija-mão” dos Generais a Marcello Caetano, seguido da demissão de Costa Gomes e António de Spínola, na sequência da publicação do livro “Portugal e o futuro”, precipitaram o primeiro levantamento militar, o das Caldas da Rainha em 16 de Março, que fracassou, por descoordenação ou sabotagem do Partido Comunista.
Apesar da ascensão de Marcello Caetano ao poder ter gerado uma expetativa de esperança entre a população, este, tinha, entre as elites políticas - próximas de Américo Thomáz -, indefetíveis opositores. Este pequeno grupo inicial, que se foi expandindo no decurso da governação, não confiava nem na firmeza nem na lealdade de Marcello, quanto à questão ultramarina. Com escasso apoio entre as elites políticas, Marcelo procurou-o na esquerda moderada acenando-lhe com uma solução política para o problema do ultramar. Ao fazê-lo num ambiente de crise e de escassa autoridade moral, escancarou o caminho da subversão. Um autêntico assalto ao aparelho de Estado ocorreu por parte da esquerda marxista, ocupando cargos através dos quais alimentavam a entropia do sistema. O espaço público foi invadido com referências de inspiração marxista, livros, discos, reuniões, debates e atividades culturais em geral. A droga e a pornografia entraram em cena. Tal como já ocorrera na “sua” Universidade de Lourenço Marques, Veiga Simão foi impotente para travar o avanço marxista nas universidades públicas onde criava um ambiente hostil à guerra em África.
Paralelamente, a revisão constitucional introduzida por Marcello Caetano fazia evoluir a política ultramarina do estatuto de autonomia interna para o de plena independência. Com elementos do Partido Comunista no interior do Governo - entre os quais um membro do comité central, Dr. Gonçalves Ferreira -, em nome das “reformas urgentes e necessárias” desorganizaram-se ministérios e serviços, criando um clima de revolta, com sucessivas reivindicações, protestos e greves. A consciencialização das massas atingia, assim, a maturidade, pronta a acolher a tão almejada Revolução.
Depois da desastrada iniciativa legislativa, O Ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, permitiu a infiltração de elementos marxistas em postos chave do aparelho militar. Com acesso às informações da DGS sobre as ideias políticas dos oficiais do quadro e milicianos, rapidamente os comunistas se apoderaram de importantes setores como o da Cifra e quarteis generais. Foi neste contexto que a NATO exigiu a retirada da sua documentação dos quarteis generais para a sede da DGS.
A rede marxista, instalada no aparelho estatal e militar, passou a fornecer toda a informação relevante ao inimigo, tanto na metrópole como no ultramar, a desorganizar serviços, a proporcionar sabotagens; de navios de transporte de tropas e munições, em instalações militares e paióis. As instalações do Comando Operacional da Nato em Oeiras - COMIBERLANT - foram pelos ares nas vésperas da sua inauguração.
Foi neste quadro que o cidadão comum, ignorando os bastidores da política, alimentou a esperança de um futuro próspero. Na minha experiência pessoal durante viagens pela África Portuguesa, os colonos brancos conheciam bem esta realidade, algo em que recusava acreditar, tendo em mente, sobretudo, o drama do “Zé Soldado”.
FPA, caracteriza o ambiente económico da época em estado de grande turbulência, marcado por frequentes reivindicações e greves, prenunciando um “trovão político”. De facto não é bem assim; por exemplo, o crescimento médio do PIB anual de Portugal entre 70 a 74 foi de 7,2% (um dos maiores da Europa, acima de Espanha, Itália, Jugoslávia e Grécia); de 70 a 73, o valor quer das exportações quer das importações duplicou, mantendo-se a taxa de cobertura; no mesmo período o índice de preços médio anual ao consumidor passou de 4,5 % de 60 a 70 para 11,8 % de 70 a 73, induzida em grande parte por fatores externos; a taxa de desemprego anual média entre 66 e 73 foi de 1,83 % e entre 74 e 79 foi de 6,11 %; mas é verdade que, a partir doa anos 60 até 731, assistiu-se ao aumento acentuado da receita e da despesa públicas, consequência da guerra colonial, num balanço sempre deficitário apesar do elevado crescimento económico. Concluo, pois, que, no essencial, FPA tem razão; os encargos da guerra estavam a conduzir a economia para a insustentabilidade.
A inconsciência e o desprezo pelos interesses nacionais dos políticos e dos militares, estes ignorando a importância da integração económica do espaço português, aqueles impedindo essa integração, conduziram à Revolução. O inimigo, muitos antes do 25 de Abril, estava instalado nos centros de poder. Marcello Caetano, inábil e solícito, consentiu-o, sendo rapidamente ultrapassado e traído, qual kerensky, devorado pela Revolução.
1 dados recolhidos em publicações de Mário Murteira, César da Neves, Edgar Rocha e Manuel Benavente Rodrigues.
Foto: Majores assassinados traiçoeiramente e barbaramente pelo PAIGC quando, desarmados, iam ao encontro dos parlamentares inimigos com os quais vinham mantendo negociações.
Peniche, 13 de Abril de 2019António Barreto
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