O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José
António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em
vésperas as primeiras eleições presidenciais
….Ao tentarem correr com o padre
que ao domingo faz o sermão na missa, certos partidos políticos sonham no fundo
substituir-se à igreja pondo um seu militante a celebrar a missa de domingo e a
proferir o sermão….. As hierarquias dos partidos leninistas reproduzem a
hierarquia da igreja. … (JAS)
Isto tem ar de brincadeira mas é bem sério; o que está em causa não são
os valores cristãos, cuidadosamente substituídos pela “ética republicana, mas o
poder, o poder exercido pela igreja católica desde a fundação da nacionalidade,
em decadência a partir da guerra civil de 1832/1834 na qual os maçons foram
preponderantes. A ratoeira da laicidade do Estado - como se o Estado tivesse
que ser religiosamente neutro para respeitar todas as religiões em geral -
permitiu aos governos de inspiração jacobina ir “desbastando” a influência
católica acabando na difusão do islamismo com censuráveis intuitos políticos
(um povo para um partido em vez de um partido para o povo). (AB)
A ciência substituiu a
religião…..os sistemas ideológicos são anticientíficos na medida em que
representam uma cristalização de princípios e conhecimentos em determinado
momento histórico….A censura ideológica à ciência por parte da Igreja Católica
na Idade Média, foi ressuscitada de facto, por exemplo, na Rússia
estalinista….. (JAS)
Quanto à ciência, apesar dos sucessivos equívocos dos “cientistas”,
paradoxalmente, tornou-se, dogmática, promíscua, instrumentalizável, traindo os
princípios iluministas, pondo em causa a qualidade dos respetivos regimes políticos. (AB)
…Aliás o protestantismo afirma-se
essencialmente como uma associação entre uma ordem divina e uma ordem material
surgida com a ascensão da burguesia, conquistando predomínio nos países que
mais cedo conheceram um processo de expansão capitalista….(VJS)
Parece-me haver aqui um equívoco de VJS; é provável que o processo
tenha tido origem nas célebres lutas do campesinato alemão contra a Igreja
Católica, na fundação, profundamente participativa e aberta, do Protestantismo
– introduzindo uma prática democrática e austera na cultura protestante, em
1517, com a discussão das célebres 95 teses de Martinho Lutero na igreja de
Wittenberg – e, com o advento do calvinismo, na supressão do conceito de pecado
atribuído até então aos juros de capital. Assim, terá sido a evolução do
cristianismo através do protestantismo e calvinismo que criou as condições para
o advento e desenvolvimento do capitalismo. (AB)
…Mais, o Partido é aquele corpo
místico - no sentido em que a igreja o é – perante o qual nos reconhecemos e
nos afirmamos como fiés de um culto a um Ser supremo, que dá sentido à nossa
existência….Nestas condições, o Partido não é uma emanação de classe, uma
expressão orgânica da classe, mas um edifício construído no vazio, sustentado
pelos alicerces abstratos da ideologia, e que se reclama da representação
(mítica, evidentemente) da classe. (VJS)
Aqui radica um dos paradoxos das democracias partidárias; o
anticlericalismo e o antipatriotismo constantes das doutrinas partidárias em
geral - sobretudo por parte dos partidos ditos de esquerda -, tem mais a ver
com a ascensão e sustentação do poder destes, ocupando o vazio ideológico, do
que com a natureza intrínseca daqueles conceitos. Os partidos substituem-se à
Igreja e ao Estado, constituindo uma perversão dos respetivos regimes. Assim,
não é de estranhar a atual deriva tendencialmente apátrida e areligiosa na
atual União Europeia, o que pode ser visto como um retrocesso social. De facto,
assistimos, hoje, ao absurdo de, em países europeus democráticos, membros das
estruturas públicas convidarem os seus concidadãos eleitores a saírem do país,
em caso de desconforto ou desacordo com as políticas implementadas. (AB)
Foto: pormenor das falésias da Marginal Norte em Peniche
Peniche, 08 de Novembro de 2018
António J. B. Barreto
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