O 25 de Abril Visto
da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José
António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em
vésperas as primeiras eleições presidenciais
O apelo à população rural, sobretudo das regiões de pequena e média propriedade, é uma constante dos partidos de direita. E a verdade é que esse apelo encontra resposta. Ora isto coloca um problema…que de resto se arrasta há muito tempo sem solução: a questão das relações da cidade com o campo. …. As cidades tornam-se o cenário artificial de um país que continua a ser predominantemente rural. …. E isto coloca de novo o problema da incapacidade dinâmica da burguesia portuguesa - que nunca leva à prática uma reforma agrária, que não faz a mecanização da agricultura e muito menos a sua industrialização. …trata-se de facto, nestes casos, de uma reação natural a um desenvolvimento, que de desenvolvimento tem apenas o discurso, a ideologia. ….eu preferiria, relativamente ao campo, a classificação de “indicador de desenvolvimento”. (JAS)
É histórico; o conservadorismo da população rural nas regiões de
minifúndio deve-se ao enraizamento do sentido de propriedade e também à
profunda cultura cristã. Por outro lado, a população rural das regiões de
latifúndio é mais acessível à doutrina progressista seja pelo regime de
propriedade - marcada pelo assalariado -, seja pela heterogeneidade religiosa
da população durante o processo do povoamento.
Já o desequilíbrio persistente da relação de forças entre “a cidade e o
campo” tem origem na significativa perda de relevância económica do setor
agrícola, em clara decadência numa economia em transição, mas também devido à
constituição e funcionamento das estruturas partidárias, que, claramente,
subalterniza as regiões do interior, e constitui, em si mesmo, um dos maiores
paradoxos do atual regime político.
A falta de industrialização agrícola em Portugal terá muitas causas,
como a crónica falta de capital - que caracteriza toda a economia nacional,
desde sempre, agravada com a expulsão dos Cristãos-Novos -, mas, a que me parece
decisiva e consiste na inviabilização económica da propriedade rural na
sequência do fim dos morgadios e na alteração do regime de propriedade, que
ocorreu no século XIX.
…Em contrapartida, entre o
funcionalismo público, e contrariamente às expectativas, foi a linha PCP que
saiu vencedora das primeiras eleições realizadas com vista à formação do
sindicato daquele setor….(VJS)
E tem sido assim até aos dias de hoje, para desgraça de Portugal; à
“boa” tradição comunista, o PCP, através do controlo que exerce sobre os
sindicatos da função pública via Intersindical, detém um poder de influência na
governação muito superior à sua representatividade eleitoral. Além da evidente distorção
democrática, o PCP, usando das prerrogativas que a lei lhe confere, condiciona
setores vitais da administração pública alimentando conflitos sociais e
degradando a competitividade económica geral sem contemplações, em nome dos
interesses do “novo proletariado”, os “idiotas úteis” da modernidade.
…Ora, com reveladora frequência,
verificamos que quanto mais acentuada é a má consciência pequeno-burguesa
desses dirigentes mais eles ostentam uma “autossuficiência” de carácter já
patológico, um exclusivismo, um sectarismo perfeitamente doentios, uma obsessão
patética de serem os “pais ideológicos” da classe operária….. Antagónica à
concepção leninista era, afinal, a concepção marxista, segundo a qual a emancipação dos trabalhadores é obra dos
próprios trabalhadores. (VJS)
Apercebi-me disso mesmo ao constatar a origem pequeno-burguesa da
generalidade dos protagonistas das esquerdas em Portugal, desde o 25 de Abril.
O caso mais flagrante da atualidade é o dos ativistas do Bloco de Esquerda, mas
não só. Operários e camponeses, em geral o povo simples, não tem
disponibilidade para o “lero-lero” político. Mas não se trata apenas de
eventual “má-consciência de classe”, será mais uma necessidade compulsiva de
protagonismo e de aproximação ao poder, ou mesmo do seu exercício. Daí a
“perigosidade” dos “intelectuais” na evolução das sociedades; a outra face da
moeda.(AB)
Foto: Peniche, Marginal Norte
Peniche 3 de Novembro de 2018Foto: Peniche, Marginal Norte
António J. R. Barreto
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