Mahatma Ghandhi (1869 a 1948), foi o grande pioneiro da não-violência enquanto método de luta dum povo pela liberdade política, no caso, o povo indiano contra o império Britânico. As humilhações que, estoicamente, sofreu na Africa do Sul onde exercia a profissão de advogado, decidiram-no a assumir na plenitude a sua condição de indiano e encetar uma luta sem tréguas com métodos inovadores pela libertação dos indianos do jugo Britânico. Culto e educado, sem um exercido ao seu dispor, Mohandas Karamchand Gandhi, iniciou a sua cruzada, começando por difundir, sistematicamente, junto da população, a necessidade de exigir aos colonizadores, o fim da segregação e da condição de miséria e subalternidade a que eram, historicamente, sujeitos. A adoção de vestuário tradicional indiano em qualquer circunstância, a desobediência civil e o recurso a jejuns públicos, constituíam um desafio permanente ao poder imperial. A eloquência, cordialidade e dissidência que demonstrava provocavam a adesão crescente dos populares e induziam fissuras na administração colonial. O apelo à não cooperação e ao boicote comercial culminou nas guerras do sal e dos têxteis, mediante as quais, grande parte da população passou a produzir o seu próprio sal e os tecidos de uso pessoal, provocando consideráveis prejuízos na economia britânica. As grandes dissidências entre correligionários no longo processo de debate consequente, ultrapassava-as com recurso a inabaláveis jejuns, por vezes de longa e perigosa duração, tal como algumas decisões opressoras da administração. A Índia tornou-se independente em 1947 e, apesar de todos os esforços de coesão de Gandhi, acabou dividida, dando lugar ao Paquistão, de cultura muçulmana, e a uma guerra feroz entres ambas. Iniciara-se o processo de descolonização que culminaria em 1974 com a fim do Império Luso. Gandhi foi assassinado em 1948 por Nathuram Godse, um indiano dissidente.
Gene Sharp - 1928 a 2018 -, fundador da
ONG Albert Einstein Institution, e
professor de Ciências Políticas na Universidade de Massachusetts, dedicou-se ao estudo da resistência pacífica,
enquanto método de oposição das populações aos regimes totalitários,
aprofundando e sistematizando os métodos de luta; desafio cultural, não
colaboração, desobediência civil, marchas de protesto, greves, boicote das
fontes de poder, subversão das estruturas públicas, controlo dos recurso
naturais, enfim, toda uma extensa panóplia de ações que descrimina
exaustivamente, destacando a importância da definição da estratégia global, das
estratégias setoriais, do planeamento e da disciplina.
Este manual, com larga disseminação no
mundo, - traduzido em 28 línguas -, é um instrumento de luta pela democracia à
disposição das populações oprimidas tendo produzido efeitos em vários países,
como na Birmânia, na Indonésia, na Sérvia e mais recentemente, em Angola, com o
caso Luaty Beirão. Questiono-me quanto à eficácia deste processo em regimes
tenebrosos, em que qualquer dissidência, por menor que seja, é extirpada pela raiz,
como são os casos da Coreia do Norte, de Cuba da Venezuela, da Rússia e da
China. Julgo que este método só funciona em regimes autoritários, com exposição
e interação no concerto das nações e algum tipo de abertura interna.
No caso português, a queda do antigo regime
sucedeu após a abertura política, embora moderada, introduzida em 1968 por
Marcelo Caetano, com a integração de dissidentes históricos exilados nas
universidades públicas, a inclusão da Assembleia Nacional a democratas - a designada
Ala Liberal constituída por Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mora e Miller
Guerra -, e até uma proto-abertura eleitoral. Hoje parece-me claro que, à época
do 25 de Abril, as forças armadas lusas estavam infiltradas ao mais alto nível
por aderentes aos opositores do regime, praticando a chamada resistência
passiva. Disso mesmo se queixavam, à época, as populações brancas do ultramar
luso, como eu próprio testemunhei, com perplexidade.
Na sociedade portuguesa atual identificam-se
múltiplas ações sistemáticas que configuram métodos de luta não violenta, ficando-me
a convicção de que há entidades, alguns partidos políticos e sindicatos, que se
comportam como se o país vivesse em ditadura. Não é o caso, mas é verdade que
se trata de uma “democracia burguesa”, uma espécie de ditadura para quem
defende a democracia direta, caso do Bloco de Esquerda ou uma “democracia proletária”,
caso do Partido Comunista. O que é facto é que as estruturas da administração
pública parecem corroídas pela atitude generalizada de não colaboração,
comprometendo o progresso económico do país. Se, por um lado, é necessário
dotar a sociedade de instituições públicas e, sobretudo civis, de escrutínio
permanente que inviabilizem a tentação do autoritarismos das novas elites, por
outro é necessário impedir o desmantelamento das democracias por qualquer tipo
de radicalismo iluminado disfarçado de progresso social democrático.
Sendo a inequívoca intensão do autor de
ajudar as populações a libertarem-se dos regimes totalitários a que estão
submetidas, também é verdade que é extraordinariamente fácil a qualquer um, até
por razões pessoais, boicotar os organismos públicos onde trabalham apesar de
instituído o regime democrático. Também os ditadores podem usar o método da não
violência para derrubar democracias, servindo-se da tolerância que lhes é
inerente, e instituir ditaduras.
Peniche,
09 de Março de 2018
António
JR Barreto
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