Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
Em entrevista ao jornal brasileiro “O Semanário” concedida em 11/12/1958, Humberto Delgado refere as razões da sua mudança relativamente ao regime de Salazar que veementemente apoiara:
Bem, agora é que as
minhas divergências tomaram este vulto, no entanto, de há muito venho
discordando das políticas do senhor Salazar. Fui dos que fizeram a revolução de
Maio de 1926 - e fá-la-ia novamente hoje, tão justa foi - mas não foi para isto
que aí está; o país arcado, sufocado e humilhado sob o peso duma ditadura
sangrenta e feroz. A nação transformada num campo de concentração onde os
nossos expoentes da cultura, intelectuais e líderes políticos progressistas e
liberais são forçados a exilar-se ou se exilam voluntariamente. A mentalidade
do povo está embotada e entre nós já escasseiam os valores. O Estado ditatorial
tomou conta de tudo e, na vertical, de cima para baixo, dirige tudo e todos. A
Revolução de 1926, absolutamente, não foi feita para isto. Dela, todos os
princípios foram desvirtuados e estão por terra. Como isto acabará não sei.
Afirmo, todavia, que acabará - e é por isso que estamos na luta.
Começando por ser o
aríete político de Henrique Galvão, consumado o ato eleitoral, Humberto Delgado,
através do MNI, assumiu a liderança da oposição a Salazar. Irmanados na mesma
causa, conjugando-se no caso do sequestro do paquete Santa Maria, haveriam de
incompatibilizar-se mais tarde no exílio no Brasil, por divergências quanto à organização
do movimento.
Foi em 1959, em
Caracas, onde ocasionalmente se encontraram, que Humberto Delgado nomeou
Henrique Galvão secretário-geral no estrangeiro do MNI e anunciou a união de
forças com exilados espanhóis no combate às ditaduras ibéricas.
Desiludido com a
oposição de pantufas dos emigrantes lusos em Caracas, Henrique Galvão lá conheceu
e arregimentou o célebre Camilo Mortágua. Aos 26 anos, este emigrante de
Oliveira de Azeméis, ex-padeiro e ex-locutor de rádio, aderiu ao projeto de Galvão,
que constituíra um corpo de intervenção com dissidentes da Junta opositora
venezuelana. Foi Mortágua que lhe arranjou emprego numa imobiliária,
tornando-se um dos seus mais fiéis correligionários, acompanhando-o na já
lendária aventura do paquete Santa Maria.
Em Janeiro de 1960,
em nome do MNI, Galvão estabeleceu um acordo de cooperação com a União dos
Combatentes Espanhóis (UCE) liderada por José
Velo Mosquera - galego que estivera refugiado em Portugal em fuga ao regime
franquista -, do qual resultou a constituição do histórico DRIL - Diretório
Revolucionário Ibérico de Libertação.
Dedicado ao derrube
das ditaduras ibéricas pela violência, o DRIL advogava a democracia, a
independência da Galiza, País Basco e Catalunha e o estabelecimento de uma
confederação de repúblicas ibéricas. Reforma agrária, nacionalização das
grandes indústrias e a criação do Instituto da Reforma Urbana - para garantia
do direito universal à habitação - constituíam as traves mestras dos seus
princípios programáticos. Pepe Velo era o diretor geral e Henrique Galvão, o
responsável pelas ações em Portugal.
Foto do Paquete Santa Maria (um dos "meus" navios)
Peniche, 30 de Janeiro de 2019
António Barreto
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