A tragédia de Pedrógão Grande remete-nos para o drama da Guerra Colonial.
Trilhar o mato de arma em punho, sentidos alerta, prontos a matar para viver,
constituía o terror de todos os jovens da época. Transitar, hoje, numa qualquer
estrada nacional, atemoriza qualquer um perante o risco de ser apanhado num incêndio mortífero.
Nunca, antes de Pedrógão Grande, ficou exposta com trágica evidência, a
solidão, o abandono a que são votados os cidadãos perante a inevitabilidade da morte, entregues
a si próprios, indefesos, à mercê das chamas. Perceber o fim, sem lhe poder
resistir, caminhar, compulsivamente para ele, em muitos casos acompanhado dos
entes queridos, é dor que a imaginação não alcança, nos suscita solidariedade e
angústia, e nos devia humanizar. Estas pessoas são dignas de recolhimento e do
luto de todos. Inútil, talvez, mas um bálsamo para os seus familiares e
sobreviventes. Um tempo de reflexão para todos.
Deprimente foi o desfilar de entidades
múltiplas, em que esteve patente, desde a primeira hora, a preocupação de
preservação geral da imagem pública e da hierarquia, a alusão precipitada a causas extraordinárias do
sinistro, a falsa garantia de total empenho das forças de proteção, a resistência injustificada à divulgação de informação, a cruel responsabilização das vítimas
aludindo a hipotética curiosidade e desrespeito destas de ordens das
autoridades, a relutância na assunção de responsabilidades, culminando com a “programada” ida para
férias do senhor Primeiro Ministro, que mais pareceu
destinar-se à atenuação do desgaste político da sua imagem perante a opinião pública.
Tudo isto, explícita ou implicitamente, mostrou como a preservação da
dignidade dos cidadãos, objetivo constitucional primordial está, atualmente
secundarizado, subordinada à disputa do poder das novas oligarquias. Uma distorção que afastou
governantes de governados e que terminará em opressão ou revolução se os
mecanismos democráticos não a corrigirem. A tentação do despotismo é uma
condição permanente do homem e dos grupos sociais que constitui, que nenhum regime político
consegue, por si só, suprimir. Só instituições democráticas
independentes e fieis à Declaração Universal dos Direitos do Homem a pode controlar. Os sinais
de falência institucional têm sido sucessivos e cumulativos, abalando os
pilares do regime, essencialmente, por revelarem um défice de cultura
democrática e de valores morais de grande parte das elites, sem os quais, nada
funciona.
Quando se subjugam os cidadãos com a interminável escalada tributária
sem que se revele empenho no combate à corrupção e ao esbanjamento de dinheiros
públicos, recusando, muitas vezes, o escrutínio político, outras, pondo em causa a ação dos Tribunais, revela-se a total
ausência de respeito pela dignidade daqueles e falta de sustentabilidade
democrática do regime.
A Falência sucessiva de entidades bancárias e na estrutura empresarial
em geral, acompanhada de declaração de impotência das autoridades de supervisão,
deixa os cidadãos, empregados e empregadores, entregues à sua sorte, ao
instinto, à perspicácia, à permanente incerteza da retribuição do seu trabalho,
do qual, o Estado, indiferente, a bem ou a mal, não se dispensa de colher os seus frutos. Um
ambiente de terrorismo económico e fiscal que, a persistir, acabará, mais tarde
ou mais cedo, num baixar de braços generalizado.
Aumentar continuamente a idade da reforma introduzindo simultaneamente crescentes dificuldades ao exercício das profissões, conduzindo à exclusão profissional e social precoce dos cidadãos, revela profundo cinismo, oculto poe pretextos múltiplos, como os da produtividade e da proteção ambiental.
Aumentar continuamente a idade da reforma introduzindo simultaneamente crescentes dificuldades ao exercício das profissões, conduzindo à exclusão profissional e social precoce dos cidadãos, revela profundo cinismo, oculto poe pretextos múltiplos, como os da produtividade e da proteção ambiental.
Julgo que já se disse tudo sobre as causas dos incêndios; aumento das
temperaturas máximas, abandono rural, ação criminosa, insuficiência de meios de
prevenção e combate, errado planeamento e gestão florestal, resistência ao estabelecimento de centrais a biomassa, etc. Adivinha-se nova escalada de constrangimentos para os proprietários,
em grande parte, vítimas da incúria do Estado na sua obrigação de proteção de
bens, mas também do ódio ancestral de alguma classe política, que,
pacientemente, aguarda, há décadas, o momento de novos avanços pela coletivização
da propriedade.
Tenho porém, para mim, que, uma das causas remotas do abandono do interior se
deveu à revolução liberal - 1820 a 1834 - na sua sanha de aniquilamento da
aristocracia, que sustentava o antigo regime, expropriando-lhe o património ou
eliminando-lhes a possibilidade de preservação do mesmo, abolindo a lei do
morgadio. Com as sucessivas gerações, a propriedade rural, em geral, tornou-se economicamente
inviável. Inevitável o abandono.
Mas também a Revolução Industrial, ainda em curso; a compulsão do
desenvolvimento tecnológico e da produtividade, a industrialização da
produção alimentar e a produção agrícola intensiva, a predominância
da economia dos serviços, constituem as causas mais remotas e persistentes do
fenómeno.
A dinâmica económica europeia atual, por vezes, remete ao paradigma
futebolístico; daquelas equipas que têm um ataque exuberante e uma frágil
defesa. Avançada tecnologia e abandono do mundo rural, conduzindo-nos à
reavaliação da importância da fisiocracia.
Mais importante que a riqueza monetária de
uma nação é a preservação da dignidade das suas gentes. Do património humano. E isso é, tão-somente,
uma questão de cultura. E são as elites, acima de todos, que têm a
responsabilidade de a demonstrar, pela sua ação e omissão. E é aqui que o
atual regime falhou rotundamente apesar de todas as "juras" de amor à Liberdade.
Peniche, 13 de Agosto de 2017
António
Barreto
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