Acabei de ler uma das obras que
mais desejava, oferta do meu João; O Príncipe, de Maquiavel. Apesar da
erudição, confesso que foi com enorme desconforto que fiz a travessia da
introdução de José António Barreiros.
Maquiavel teve uma vida
conturbada - século XV -, natural de Florença, viveu os primórdios do
Renascimento alternando entre os mais altos cargos públicos e a vida rural de
modesto proprietário entrecortada por amores venais e bajulação dos poderes
instituídos.
O Príncipe é uma obra acerca da
natureza do poder da época, caracterização dos vários modelos de ascensão ao
poder e sua manutenção, baseada na sua própria experiência, a partir das muitas
vicissitudes político-militares da Itália pré-medieval, pós império romano.
A capacidade de síntese e
subtileza de raciocínio de Maquiavel são notáveis e transponíveis, em muitos
casos, para os dias de hoje. Se não, vejamos algumas preciosidades, e cito:
“...e quem conquista tais estados
e os quer conservar deve tomar duas precauções: uma é extinguir a estirpe do
antigo príncipe; a outra é não alterar as leis nem os impostos.”
“---pelo que se deduz que os
homens devem ser mimados ou aniquilados: porque se se vingam das pequenas
ofensas, não podem vingar-se das grandes, de forma que a ofensa que se faz a um
homem deve ser tal que não se tema a vingança.”
Parafraseando: uma guerra que se
evita, não se elimina, apenas se adia, com vantagem para os outros.
“donde se extrai uma regra que
nunca, ou raramente, falha: quem dá azo a que alguém se torne poderoso,
arruína-se a si próprio; porque esse poder é gerado por ele por engenho ou pela
força, e tanto um como a outra são suspeitos para quem se tornou poderoso.”
Esta é super boa:
“As frequentes rebeliões da
Espanha, da França e da Grécia contra os Romanos derivam do grande número de
principados que havia nesses Estados enquanto a sua memória perdurou, nunca os
Romanos estiveram seguros da sua posse; mas, logo que a sua memória se desvaneceu,
passaram a ser dominadores seguros, graças ao poder e à continuidade do
império.”
“Quem se torna senhor de uma
cidade habituada a ser livre e não a destrói, pode ter a certeza que será
destruído por ela.”
“E deve ter-se em conta que não
há coisa mais difícil de tratar, de êxito mais duvidoso, e mais perigoso de
manejar, do que ousar introduzir uma nova ordem.”
Preciosa, esta:
“Porque é sempre por medo ou por
ódio que os homens ofendem os outros.”
E mais esta:
“Por outro lado, não se pode
dizer que seja virtude mandar matar os
seus concidadãos, trair os seus amigos, não ter palavra nem compaixão, nem
crença; assim, pode conquistar-se o poder, mas não a glória.”
Então esta é soberba:
“Creio que isso depende do bom ou
do mau uso que se faz da crueldade. Pode dizer-se que é bem usada (se é
possível dizer bem do mal) a crueldade que se exerce de uma só vez por
necessidade de segurança, e que depois não se repete, antes se converte no
maior benefício para os súbditos. A crueldade mal usada é aquela que, embora de
início seja pequena, vai aumentando com o tempo, em vez de se extinguir. Os que
obedecem à primeira forma de agir, podem, com a ajuda de Deus e dos homens,
encontrar algum remédio para a sua condição, como aconteceu a Agátocles: quanto
aos outros, é impossível manterem-se”
“Porque as injúrias devem
fazer-se todas de uma vez, para que, havendo menos tempo para as sofrer,
provoquem menos dano; e os favores devem fazer-se a pouco e pouco para melhor
se saborearem.”
Ainda esta:
“Por conseguinte, quem for feito
príncipe pelo favor do povo deve conservar sempre a sua amizade; o que lhe será
fácil, pois o povo não pede mais que não ser oprimido.”
E mais esta::
“E como os homens se sentem mais
gratos quando recebem o bem de quem esperavam o mal o povo passa logo a amá-lo
mais do que se ele próprio o tivesse feito principe.”
Agora, mesmo em cheio, tendo em
conta os tempos modernos:
“Por isso, um príncipe sábio deve
arranjar maneira de os seus súbditos precisarem, sempre e em qualquer
circunstância, do Estado e dele próprio; e assim, ser-lhe-ão sempre fiéis.”
“Os principais alicerces de todos
os Estados, sejam eles novos, antigos ou mistos, são boas leis e boas armas.”
Mais uma fantástica:
“As tropas auxiliares podem ser
úteis e boas para si mesmas; mas são quase sempre danosas para quem as chama;
porque, se perdem, fica derrotado; e, se vencem, fica seu prisioneiro.”
“O imperador de Constantinopla -
João Cantacuzeno (NT) -, para resistir aos seus vizinhos, fez entrar na Grécia
dez mil Turcos, que, terminada a guerra, não quiseram partir, o que foi o
início da sujeição da Grécia aos infiéis.”
“Por isso, um príncipe sábio
evitou sempre servir-se de tais armas e contou apenas com as suas; e preferiu
ser derrotado com as suas a vencer com as dos outros, pois não tem por
verdadeira a vitória obtidas com armas alheias.”
Outro exemplo a ter em conta:
“A este respeito quero ainda
recordar um episódio do Antigo Testamento. Quando David disse a Saul que estava
disposto a lutar contra Golias , um provocador Filisteu, Saul, para o
encorajar, deu-lhe as suas armas; David, porém, mal as empunhou, recusou-as,
dizendo que com elas não se sentiria seguro de si e queria enfrentar o inimigo
com a sua funda e o seu punhal. Em suma, as armas alheias, ou nos caem do
corpo, ou nos pesam ou nos ficam apertadas.”
“Por conseguinte, aquele que, num
principado, não reconhece os males logo que eles surgem, não é verdadeiramente
sábio; mas são poucos os que têm esse dom. E, se quisermos encontrar a causa
primeira da ruína do império romano, veremos que se ficou a dever ao facto de
terem começado a arrolar Godos; e, a partir desse momento, as tropas começaram
a enfraquecer, e todo o valor que iam perdendo ia passando para os Godos.”
Mais uma bem atual:
“..os príncipes perderam os seus
Estados quando pensaram mais nas comodidades do que nas armas.”
Esta, então, é de “morte”:
“Portanto, se um príncipe deseja
manter-se no poder, precisa de aprender a não ser bom e a servir-se, ou não,
dessa capacidade, de acordo com as necessidades.”
Mais esta, que não lhe fica
atrás:
“Nos nossos tempos só vimos fazer
grandes coisas aos que foram tidos por sovinas; os outros foram derrotados.”
Esta outra serve que nem luva ao
momento que se vive em Portugal, atualmente:
“Podes doar generosamente o que
não é teu nem dos teus súbditos, como fizeram Ciro, César e Alexandre; porque
gastar o que é dos outros não diminui o teu prestígio, antes o aumenta: só te
prejudicas se gastares o que é teu. Não há no mundo coisa que mais se consuma a
si própria que a magnanimidade; enquanto fazes uso dela vais perdendo a
faculdade de a usar, e tornas-te pobre ou mesquinho, ou então, para escapares à
pobreza, ganancioso e odiado.”
Realmente, Maquiavel, era
profundo conhecedor da natureza humana ora veja-se:
“…é muito mais seguro ser temido
do que amado, se só se puder ser uma delas. Porque, acerca dos homens em geral,
pode afirmar-se o seguinte: que são ingratos, volúveis, simuladores e
dissimuladores, receosos dos perigos, ávidos de lucro; e, enquanto lhes fazes
bem estão todos do teu lado e oferecem-te o seu sangue, os seus bens, a sua
vida e os seus filhos, quando a necessidade vem longe; mas quando ela é
presente, revoltam-se….e os homens têm menos receio de ofender alguém que se faça
amar do que alguém que se faça temer.”
Ainda (isto é duma subtileza…!),
ora vejam só:
“O príncipe deve fazer-se temer
de tal modo que, se não conseguir que o amem, possa evitar que o odeiem; porque
pode muito bem ser temido e, ao mesmo tempo, não ser odiado. É o que acontecerá
sempre, se respeitar os bens dos seus cidadãos e dos seus súbditos, bem como as
suas mulheres….Acima de tudo, deve abster-se de tocar nos bens alheios; porque
os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a perda do património.”
Esta então serve que nem uma luva
na política atual:
“Toda a gente sabe quão louvável
é, para um príncipe, honrar a sua palavra e viver com integridade e não com
astúcias; todavia, a experiência do nosso tempo ensina-nos que os príncipes que
pouco tiveram em conta a palavra dada e souberam astuciosamente ludibriar os
espíritos dos homens fizeram grandes coisas e acabaram por superar aqueles que
se apoiaram na lealdade….Por conseguinte, um senhor prudente não pode, nem
deve, honrar a palavra dada se isso se voltar contra ele e se os motivos que o
levaram a fazer promessas deixaram de existir….Contudo, há que disfarçar bem
essa faceta e ser grande simulador e dissimulador: os homens são tão ingénuos e
tão conformados com as necessidades presentes que quem engana encontrará sempre
quem se deixe enganar….Portanto, um príncipe não precisa possuir, de facto,
todas as qualidades acima enumeradas, mas convém que parece possui-las.” (Ora
toma!)
Parafraseando:
Das qualidades que o príncipe deve permanentemente
simular; piedade, fidelidade, lealdade, integridade, humanidade e religião,
nenhuma lhe é mais necessária do que esta última.
Outra também aplicável às
democracias atuais:
“Resumindo, digo que, da parte de
quem conjura não há senão medo, inveja, suspeita de um castigo que o assusta;
mas, da parte do príncipe, há a majestade do principado, as leis, as defesas
dos amigos e do Estado.”
“E os Estados bem governados e os
príncipes avisados cuidaram sempre de não desesperar os nobres e de manter o
povo feliz e satisfeito, pois é essa uma das tarefas mais importantes do
príncipe.”
Ainda esta preciosidade:
“A este respeito convém notar que o
ódio tanto se grangeia com boas ações como com más; todavia, como atrás se
disse, se um príncipe quer conservar o seu Estado, vê-se muitas vezes obrigado
a não ser bom; porque, quando a comunidade, seja ela do povo, dos soldados ou
dos grandes, de que julgas precisar para manter o poder, é corrupta, convém-te
obedecer às suas disposições de espírito para as satisfazeres; e, nesse caso,
as boas ações são-te adversas.”
“Além disso (Fernando Aragão), para
poder entregar-se a façanhas ainda mais grandiosas (após a tomada de Granada),
e servindo-se sempre da religião, socorreu-se de uma piedosa crueldade,
perseguindo e expulsando os marranos do seu reino, exemplo que não pode ser
mais miserável e mais raro….E as suas iniciativas foram saindo umas das outras,
para que, entre uma e outra, os homens não tivessem tempo para se revoltarem
contra ele.” (piedosa crueldade!)
Contra o cinzentismo oportunista e
cobarde:
“Um príncipe também é estimado
quando mostra ser amigo verdadeiro e verdadeiro inimigo, ou seja, quando se
declara abertamente a favor de um contra outro….Porque, quem vence não quer
amigos suspeitos e que não o ajudem na adversidade; quem perde não te recebe
por não teres querido partilhar da sua fortuna, pegando em armas….E os
príncipes irresolutos, para evitarem os perigos presentes, decidem na maioria
das vezes manter-se neutrais e, na maioria das vezes, provocam a própria ruina.”
Mais uma lição que poderá ser bem
útil aos políticos atuais:
“Um príncipe deve também mostrar-se
amante das virtudes, albergando os homens virtuosos e honrando os que são
exímios numa arte. Deve também encorajar os cidadãos para eles exercerem pacificamente
os seus ofícios, tanto no comércio como na agricultura e em qualquer outro
ofício dos homens, para que uns não receiem engrandecer as suas terras por medo
que lhes sejam tiradas, e outras não queiram abrir um comércio por medo dos
impostos; deve, isso sim, premiar quem queira fazer tais coisas e quem pense em
qualquer forma de desenvolver a sua cidade e o seu Estado. Além disso, deve,
nas alturas oportunas do ano, manter os homens entretidos com festas e
espetáculos.”
E uma já nossa velha conhecida:
“ A primeira conjetura que se faz acerca
da inteligência de um senhor é observar é observar os homens que o rodeiam.”
Parafraseando:
Há três espécies de cérebros; os
que compreendem por si próprios, os que compreendem o que os outros compreendem
e os que não compreendem, nem por si próprios nem com a ajuda dos outros, sendo
os primeiros, excelentes, os segundos, excelentes e os terceiros inúteis.
“..aquele que tem nas suas mãos o
Estado de outro nunca deve pensar em si, mas no príncipe, e nunca deve
recordar-lhe coisas que não digam respeito ao principado.”
“Não há outra forma de te
defenderes da adulação senão dares a entender às pessoas, que não te afrontam
por te dizerem a verdade; mas, se todos puderem dizer-ta, deixas de ser
respeitado.”
Parafraseando:
Segundo Maquiavel, o príncipe só
deve permitir a liberdade de opinião as restrito grupo de colaboradores por si
escolhidos e apenas relativamente aos temas que lhes colocar, devendo interrogá-los
acerca de tudo e decidir como lhe aprouver, com independência e determinação.
Procedendo de modo diverso, o príncipe acabará por ser arrastado pelos
aduladores ou tergiversar nas suas decisões, tornando-se pouco estimado.
A seguinte, “é de morte”; citando:
“….os homens acabarão sempre por se
revelar maus se uma necessidade não os obriga a ser bons. Por isso, é de
concluir que, os bons conselhos, venham eles de quem vierem, devem depender da
prudência do príncipe, mas que a prudência do príncipe não depende dos bons
conselhos.”
Outra que serve que nem uma luva ao
momento atual; parafraseando:
Os homens valorizam mais o presente
do que o passado e quando aquele lhes agrada tiram proveito dele sem outras
preocupações e defenderão o príncipe por todas as formas desde que não lhes
falte coisa alguma.
Os príncipes não devem acusar a má sorte
quando perdem os seus principados, mas apenas o seu diletantismo ou covardia.
Citando:
“As únicas defesas que são boas, seguras
e duradoiras, são as que dependem de ti e da tua virtude.”
Mais uma válida em todas as épocas;
parafraseando:
Enquanto muitos reconheciam a
inutilidade da ação humana face aos desígnios divinos e o acaso, Maquiavel atribui
ao livre arbítrio a responsabilidade de metade dos acontecimentos, recorrendo à
metáfora dos danos provocados pelo extravasamento sazonal dos rios em que, nos
intervalos, o homem pode minimizá-los com a sua ação.
Citando:
“…um príncipe que se apoie
totalmente na fortuna, cai, mal a fortuna muda.”
Parafraseando (“grande metáfora”):
As circunstâncias condicionam o
sucesso ao príncipe que possua as virtudes que melhor se adequem ao momento,
revelando a importância da sua capacidade de ser flexível.
Maquiavel valoriza mais a ousadia do
que a prudência pelo facto de considerar a fortuna feminina; tal como a
submissão da mulher, a submissão da fortuna exige contrariação e espancamento,
comprovado pela preferência dquelas pelos jovens, devido ao espírito ardoroso
destes.
Sublime; cito:
“Deus não quer fazer tudo, para não
nos privar do livre arbítrio e do quinhão de glória que nos cabe.” (uau!)
Agora uma frase de Tito Lívio citado
por Maquiavel, em latim, da maior relevância em todos os tempos, quer para
governantes, quer para governados:
“É justa a guerra para aqueles que
dela necessitam; e são sagradas as armas quando nelas repousa a única
esperança.”
Parafraseando:
Nada confere tanta glória e
respeito a um novo príncipe como as novas leis e instituições que cria, quando
são grandiosas e bem alicerçadas.
Atribui a sucessão dos inêxitos dos
exércitos italianos à fraqueza das chefias, apesar da força, destreza e engenho
dos soldados, dando como exemplos as batalhas de Taro, de Alexandria, Cápua,
Génova, Vailà, Bolonha e Mestre.
Termina instigando o destinatário
da obra a assumir os destinos da Itália contra os bárbaros, assegurando-lhe o
apoio incondicional geral e citando Petrarca.
AB
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