Moïse Kisling - Frère et soeur, 1952
No início do século XVIII em França, cerca de 10 % da população - cem mil famílias,
quatrocentas mil pessoas, entre militares, magistrados, eclesiásticos, laicos, grandes
mercadores, alta nobreza e nobreza adquirida - viviam desafogadamente, das
quais cerca de dez mil - entre a alta nobreza, nobreza de toga e grande
burguesia - com bens de fortuna. Dos restantes, 30 % vivem enterrados em
dívidas, 10 % mendigam e os restantes 50 % não têm condições para de dar esmola
àqueles.
Após a fracassada tentativa de alargamento da estrutura governativa aos
Concelhos de Nobres pelo Regente Filipe de Orleães, na sequência da morte de Luís XIV, regista-se o regresso ao
absolutismo em que os Conselheiros do Rei são recrutados por este, entre a
nobreza. Aos plebeus são vedados todos os cargos no Parlamento, na alta
administração, na alta magistratura, no oficialato do exército e até no alto
clero. Votados os plebeus ao desprezo e à troça, cava-se o fosso entre estes e
a nobreza, apesar de muitos deles enriquecerem na prossecução dos seus
negócios, graças, sobretudo à política liberal do cardeal Fleury (1726 a 1743).
A Coroa investe na rede viária financiada pela corveia régia, funda a
escola de pontes e calçadas em 1743 e o corpo de engenheiros em 1750. Em 1724 é
criada a bolsa de Paris. O comércio colonial e tráfico de escravos desenvolvem
os principais portos dinamizando a indústria manufatureira por várias regiões -
Bretanha, Normandia, Picardia, Flandres, Ruão -, induzindo à concentração dos
artesãos em espaços comuns, precursores das modernas fábricas, e promovendo a rivalidade
conflituosa entre os artesãos urbanos e os pequenos camponeses empobrecidos
pelas más colheitas. Neste contexto, são os mercadores, detentores da
matéria-prima e dos contratos de fornecimento que extraem a parte de leão da
mais valia de toda a fileira, enquanto os artesãos têm que recorrer ao sobre trabalho
- desde antes do sol nascer até muito depois do ocaso - para compor os magros
salários.
No inverno de 1910, homens, mulheres e crianças, de rosto e mãos lívidas,
esgravatavam a terra procurando raízes que devoravam com sofreguidão, quando as
encontravam. Outros pastavam a erva, como gado. Outros ainda deitavam-se na
beira da estrada à espera da morte. Havia quem se alimentasse de pão de feto.
A miséria do povo contrastava com a sumptuosidade da Nobreza, que cerrara
fileiras em torno do Rei garantindo os privilégios e as prerrogativas
proporcionadas pelos cargos régios. De outra parte, a burguesia, enriquecida
pelos negócios coloniais, quer aceder aos negócios de Estado reservados à
Nobreza.
É nesta turbulência social e económica, que, paradoxalmente, nos
luxuriantes salões de veludos, sedas e ouro, germinam e se difundem as ideias
que gerarão e desenvolverão a multiforme contestação que acabará por
estabelecer os princípios das sociedades modernas.
(Síntese livre da obra "História do Capitalismo" de Michel Beaud)
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