Editado pela primeira vez em Maio de 2017, este livro de Douglas Murray, estudioso do fenómeno das
migrações, especialmente no Reino Unido, mostra com grande amplitude a
profundidade a transformação social em curso na Europa desde o final da segunda
Guerra Mundial até à atualidade em que, paradoxalmente, os seus líderes parecem
decididos a claudicar da sua cultura e valores abandonando os cidadãos europeus
ao ressentimento dos novos “bárbaros”, desta vez, vindos do sul.
A
falta de meios para a reconstrução da devastada Europa do pós-guerra, à falta
de meios, impôs uma política de abertura ao recrutamento de trabalhadores “convidados”
externos, presumindo que regressariam aos seus países de origem findos os
respetivos contratos de trabalho, ou, que, ficando, diluir-se-iam nas
comunidades de acolhimento, assimilando os seus hábitos, ou, respeitando-os,
contribuindo para o seu enriquecimento cultural, nomeadamente, gastronómico.
Durante cerca de seis décadas, este processo seguiu o seu curso sem
sobressaltos de maior, consolidando a falsa ideia de que poderia eternizar-se, sustentados
pelo humanismo cristão do pós-guerra, mas alimentando, simultaneamente, o
sentimento de superioridade moral dos europeus e a sua necessidade de mão-de-obra
para a execução dos “trabalhos indignos”.
Não seria bem assim. Quem, oriundo de Portugal, por exemplo,
calcorreasse as ruas de Paris nos anos oitenta, ficaria surpreendido com a
profusão de pessoas negras e com os frequentes episódios de violência grave de
teor étnico. Tiroteio entre forças de segurança e grupos sitiados ou em fuga,
rebentamento de explosivos no coração da cidade, faziam parte do quotidiano,
contrastando com o fervilhar de eventos culturais próprios da histórica “cidade
luz”, anunciando a crise com que hoje os europeus se defrontam.
Por outro lado, a gravidade das disparidades socioeconómicas planetárias
pós descolonização, especialmente entre norte e sul, concitava entre a
intelectualidade académica e política a convicção da inevitabilidade da
migração maciça da Europa a partir de África.
A erosão moral dos valores europeus provocada pelas permanentes e
suicidárias lutas partidárias dos regimes democráticos, em particular pelo
ressentimento das alas progressistas, a adoção e consolidação do laicismo
estatal e do relativismo moral, objeto de oposição doutrinária de Bento XVI, conduziram
os europeus à aceitação do multiculturalismo imposto pelos seus líderes e à
inevitável descaracterização das suas comunidades.
A aceitação das diferenças culturais, particularmente em matéria de
religião, constituindo, em princípio, a fonte do enriquecimento social da
Europa, enfermou, desde o início, dum erro fatal; o da conformação com a não
reciprocidade por parte dos imigrantes. O paradoxo europeu; consubstanciado na
imposição aos cidadãos da europa a renúncia à sua própria cultura, a fim de
preservar inalteradas as culturas dos povos imigrantes.
Um despropositado e calculista sentimento de culpa pela História, cultivado
e disseminado, durante décadas, entre nós, agravado com as recentes participações
de alguns países europeus - Alemanha, França e Reino Unido - nos conflitos do
Médio Oriente, de que resultou o êxodo maciço de refugiados, o tráfico
migratório clandestino e sucessivos desastres humanos em pleno mediterrânio,
lançou os líderes europeus, pela mão de Ângela
Merkel em 2015, na suicidária política de portas abertas, deixando a
população incrédula e indefesa perante a violência dos novos imigrantes apesar
da cordialidade e solidariedade com que que os receberam. Ante o horror da
morte que aqueles preferiam enfrentar a permanecer nos seus países, os líderes
políticos europeus, carentes de ideias e de coragem, preferiram sacrificar o
seu próprio povo, o seu próprio continente, as suas próprias raízes.
O paradoxo da liberdade, neste caso de expressão, explica a dificuldade
de as democracias ocidentais aprenderem com os próprios erros. Incapazes de os
reconhecer perante os seus concidadãos procurando novas soluções preferem a
fuga em frente instando-os a mudarem comportamentos, sonegando-lhes o
conhecimento da realidade e acusando-os de xenofobia e racismo à menor demonstração
pública de dissidência, hipocritamente confiantes na benevolência do futuro.
A Saída do Reino Unido da União Europeia foi o corolário da suicidária
política de imigração iniciada naquele país pelo socialista Tony Blair, fundamentada
na ideologia do multiculturalismo, com a finalidade oculta de mudar a matriz
eleitoral da população confiando na lealdade política dos “novos britânicos” ao
seu próprio partido. Uma das vicissitudes das democracias que as hão-de
desacreditar abrindo caminho a uma nova geração de ditaduras e, sabe-se lá que
mais.
Apesar de tudo isso, é com um misto de revolta e resignação que, grande
parte dos portugueses, hoje, com o argumento económico e da tradicional solidariedade
europeia, assistem à adoção governamental da estratégia de importação de
imigrantes, anunciando desde logo uma carência de cerca de um milhão de pessoas.
Cerca de 10 % da população nacional! Tal como o Partido Trabalhista do Reino
Unido, também aqui a finalidade oculta consiste no alargamento da base
eleitoral socialista e na desagregação da identidade dos portugueses, dos
valores cristãos e da família tradicional. Mais uma vez, as vicissitudes da
democracia ficam expostas na medida em que toda a doutrina que lhes subjaz é,
em última instância, esmagada pela eterna luta pelo poder.
A crise de imigração que se abateu na Europa desde 2015 não teve
qualquer precedente quantitativo ou qualitativo à mesma escala, deitando por
terra o argumento histórico. Quanto às vantagens económicas, o caso do Reino
Unido, demonstra o contrário; entre 2005 e 2011, os encargos líquidos com os
imigrantes ascenderam a cerca de 100 mil milhões de libras. Se é certo que o
aumento demográfico produz, quase automaticamente, o aumento do PIB da
respetiva economia, é, por outro lado provável, que induza uma redução do PIB per capita e, consequentemente ao
empobrecimento geral.
Crítico da política de portas abertas na Europa, que, finalmente, graças
à reação popular parece estar a mudar com a emergência de partidos
nacionalistas um pouco por todo o lado, incluindo na liberal Suécia, o autor
preconiza, como alternativa, o estabelecimento de acordos entre União Europeia e
os países vizinhos dos de origem dos migrantes, financiando a criação de
condições de alojamento temporário destes, proporcionando assim o regresso logo
que a normalidade nestes fosse restabelecida.
Curiosamente, para minha surpresa, Douglas
Murray, afirma, que a política de cooperação económica não é solução para a
imigração em virtude de ter constatado que são as pessoas de melhor condição
que imigram! Não admira, tendo em conta os valores exigidos pelos “industriais”
do tráfico humano, que têm vindo a público, algo como entre 10 a 15 mil USD.
Tal, faz-nos pensar, com consternação, no drama dos que não têm opção senão
submeter-se à tirania da pobreza e dos regimes emergentes da “autodeterminação”
do pós-guerra.
Em causa está, hoje, mais que nunca, não só o modelo do projeto europeu
em curso mas também a qualidade das democracias dos seus países membros. Com
efeito, quer os Estados europeus, quer a União Europeia, construíram um modelo maciçamente
centralizado, paradoxalmente distante das populações, repressivo, pela
imposição de sucessivas e intermináveis normas kafkianas, revestidas duma
espécie de moderno iluminismo só acessível aos “sábios” do Conselho Europeu,
constituindo, uma nova forma de ditadura.
“Em Outubro de 2016, o Der Freitag
e o Huffinghton Post Deutshland
publicaram ambos um artigo de um migrante sírio de 18 anos chamado Aras Bacho. Ele queixava-se, na peça, de
que os migrantes na Alemanha estavam “fartos” do povo alemão “zangado” que “insulta
e agita” e são “racistas desempregados”. E, entre outras imprecações,
continuava: “Nós, refugiados…não queremos viver no mesmo país que vós. Podem, e
eu acho que deveriam, deixar a Alemanha. A Alemanha não serve para vós, porque
vivem cá?... Procurem um novo lar”.
Num encontro de emergência realizado em Bruxelas em Outubro de 2015, Merkel terá suspirado “Wir saufen ab” (“Estamo-nos a afogar”),
e a dizer: “hoje estão a chegar imensos refugiados da Áustria. Imaginem amanhã”.
Entre a comiseração e a autodestruição, eis o drama europeu de hoje.
Peniche, 16 de Setembro de 2018
António J. R. Barreto