"...,Pietro Crespi continuou a almoçar lá em casa às terças-feiras, ultrapassando o fracasso com uma serena dignidade. Manteve a fita preta no chapéu como prova de apreço pela família e era com alegria que demonstrava o seu afeto por Úrsula, levando-lhe prendas exóticas: sardinhas portuguesas, marmelada de rosas turcas e, em certa ocasião, um magnífico xaile de Manila." (Cem Anos de Solidão)
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Olhando Para Dentro (notas)
Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...
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terça-feira, 30 de janeiro de 2018
As sardinhas de Gabriel
Yo soy pajaro corsário, la rebelion es mi esencia.
segunda-feira, 29 de janeiro de 2018
Aracataca (Macondo)
Yo soy pajaro corsário, la rebelion es mi esencia.
domingo, 28 de janeiro de 2018
Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marquez, Livros RTP)
Dupla surpresa; edição RTP -
muito boa estrutura; capa, papel e letra - e Continente; nunca pensei encontrar
bons livros por aqui. Enganei-me. Já lá vi outro, do William Faulkner. Também RTP.
Prémio Nobel em 1982, Cem Anos de Solidão e o seu autor, atingiram uma
projeção e difusão mundial inusitadas. De tal modo que, andava por cá quase um
sentimento de culpa por não o ter lido. Calhou. E agora, depois de o ler,
pergunto-me a que deverá tamanha fama; se pela qualidade da obra se por
comiseração pelo povo colombiano. Aposto nesta última.
Ficção inspirada na aldeia natal de Marquez
e na história da sua própria família, a obra revela-se de um impressionismo
surrealista grotesco e decadente. Macondo
é ficção de Aracataca e José Arcádio Buendia, personagem
central, é a de seu avô coronel Nicoláz
Marquez Mejia tal como Úrsula é a
de sua avó Iguarán Cotes. O enredo do
romance tem coincidências com a história familiar e da Colômbia; o duelo de
morte que dá origem à migração de José Arcádio e à fundação de Macondo, é a réplica do que seu avô
travou e no qual matou Medardo Pacheco, levando-o a Aracataca, com o remorso. A guerra entre liberais e conservadores,
a guerra dos mil dias, foi travada de 1899 a 1902, na qual seu avô participou
pelos liberais, serviu para criar outro personagem central; o “mítico” coronel Aureliano Buendia, sucessivamente
derrotado, acabando, tal como Nicoláz
Marquez, a fabricar peixinhos de ouro na oficina da grande casa branca,
fulcro da história e da vida dos Mejia.
Semelhantemente, o “quarto dos penicos” não é nem mais nem menos que o local
onde eram guardados os penicos das colegas de colégio da mãe de Gabriel, Luiza Santiago Marquez Iguarán,
quando lá passaram férias. No livro, o episódio passa-se com Renata Remédios, a
Meme. O Massacre das Bananeiras, referido no livro no qual José Arcádio Segundo
foi o líder dos grevistas, efetivamente, aconteceu em Ciénaga, nos anos vinte, na sequência de uma greve dos trabalhadores
da empresa americana United Fruit Company.
O exército, comandado pelo general Cortés
Vargas abriu fogo contra 5000
grevistas, incluindo mulheres e crianças, desconhecendo-se o número exato de
mortes. Algo entre 300 e 3000, carregados em vagões e transportados até ao mar
onde foram despejados.
Apesar do tédio, a fluidez e simplicidade da linguagem, bem como o
confronto, sempre fascinante com, termos novos, aqui e ali, conduziram-me até à
página ducentésima, altura em que, comecei a perceber a essência da obra. Uma obra triste, trágica mesmo, na qual não há
uma réstia de esperança nem de enaltecimento. Tudo é decadência. Nem a guerra,
nem o trabalho, nem a cultura, nem a religião são causa de motivação ou de enaltecimento.
Os projetos nascem destituídos de perenidade. Um vago misticismo, uns amores
intensos e transitórios, outros de compensação, outros incestuosos, uns
arremedos de iniciativa económica, tudo acaba num recém-nascido “rabo de porco”, inevitável fruto do incesto,
sem futuro, portanto.
No fundo, trata-se do tremendo testemunho
dum povo que vive no limiar da sobrevivência, em povoados onde nada acontece, esquecidos
do mundo, e que terá justificado o recurso de Gabriel Garcia Marquez, à exuberante fantasia que povoa a obra. Destacam-se
seja pelo narrador, seja pelos personagens, curiosas reflexões acerca do homem,
sua natureza profunda e das sociedades em que se agrega. Hoje Aracataca, está no mapa do turismo
internacional, sendo facilmente acessível, onde há um roteiro que recria os
principais episódios da obra. No fim de contas, aqui reside, quanto a mim, a
virtude da obra; chamar a atenção para um povo longínquo e bom, retirando-o do
isolamento, tal como, a muitos dos seus visitantes, não menos isolados nas suas
prósperas metrópoles.
"Atualmente, a única diferença
entre liberais e conservadores é que os liberais vão à missa das cinco e os
conservadores vão à das oito."
"No fundo,
enganava-se a si própria, tentando prepará-la para a felicidade doméstica,
porque estava convencida de que uma vez satisfeita a paixão, não havia homem na
Terra capaz de suportar nem que fosse por um dia uma negligência que estava
para além de toda a compreensão."
"Com o seu
tremendo sentido prático ela não conseguia perceber o negócio do coronel, que
trocava os peixinhos por moedas de ouro e depois transformava as moedas de ouro
em peixinhos e assim sucessivamente, de modo que cada vez tinha de trabalhar
mais à medida que mais vendia, para satisfazer um circulo vicioso e
exasperante. Na verdade, o que a ele lhe interessava não era o negócio mas sim
o trabalho. Precisava de tanta concentração para engastar as escamas, incrustar
minúsculos rubis nos olhos, laminar as guelras e montar as barbatanas, que não
lhe sobrava um só vazio para o encher com a desilusão da guerra."
"Taciturno,
silencioso, insensível ao novo sopro de vitalidade que sacudia a casa, o
coronel Aureliano Buendia compreendeu, isso sim, que o segredo de uma boa
velhice não é mais que um pacto honrado com a solidão."
“Aureliano Segundo decidiu que a levaria
para casa e que a protegeria, mas a sua boa intenção foi frustrada pela
inteligência inquebrantável de Rebeca, que precisara de muitos anos de
sofrimento e miséria para conquistar os privilégios da solidão, e não estava
disposta a renunciar a eles em troca de uma velhice perturbada pelos falsos
encantos da misericórdia.”
“A outra guerra, a sangrenta
de vinte anos, não lhes causou tantos estragos como a guerra corrosiva do
eterno adiamento. O próprio Coronel Gerineldo Márquez, que escapou a três
atentados, sobreviveu a cinco feridas e saiu ileso de incontáveis batalhas,
sucumbiu ao assédio atroz da espera e afundou-se na derrota miserável da
velhice a pensar em Amaranta, entre os rombos de luz duma casa emprestada.”
“Fernanda, pelo seu lado,
procurou-a apenas nos trajetos do seu itinerário quotidiano, sem saber que a
busca das coisas perdidas está dificultada pelos hábitos rotineiros e é por
isso que dá tanto trabalho a encontra-las.”
“Era quase tão expedita como
quando tinha sobre os seus ombros a responsabilidade da casa. Contudo, na
impensável solidão da decrepitude, teve tal clarividência para analisar até os
mais insignificantes acontecimentos da família que, pela primeira vez, viu
claramente as verdades que as suas ocupações de outros tempos a tinham impedido
de ver.
“Deu-se conta de que o
coronel Aureliano Buendia não perdera o carinho pela família por causa do endurecimento
da guerra, como ela antes julgava, mas sim que
nunca tinha gostado de ninguém, nem sequer da sua esposa Remédios, nem
das incontáveis mulheres de uma noite que passaram pela sua vida, e dos filhos
muito menos. Verificou que não tinha feito aquelas guerras todas por idealismo,
como toda a gente pensava, nem havia renunciado à vitória eminente por cansaço,
como toda a gente pensava, mas sim que tinha ganho e perdido pelo mesmo motivo,
por mera e pecaminosa soberba. Chegou à conclusão de que aquele filho por quem
ela teria dado a vida, era simplesmente um homem incapacitado para o amor.”
“Amaranta, por outro lado,
cuja dureza de coração a espantava, cuja concentrada amargura a amargava, foi
revelada na última análise como a mulher mais terna que jamais existira, e
compreendeu com uma magoada clarividência que as injustas torturas a que
submetera Pietro Crespi não eram ditadas por uma vontade de vingança, como toda
a gente pensava, nem o lento martírio com que frustrou a vida do coronel
Gerineldo Márquez tinha sido determinado pela bílis da sua amargura, como toda
a gente pensava, mas sim que ambas as atitudes foram uma luta de morte entre um
amor desmesurado e uma cobardia invencível, triunfando finalmente o medo
irracional que Amaranta sempre teve do seu pobre e atormentado coração.”
“A vida escoava-se-lhe a
bordar o sudário. Poderias dizer-se qur bordava durante o dia e desbordava
durante a noite, e não na esperança de, dessa maneira, derrotar a solidão, mas
sim exatamente o contrário, para a manter.”
““A notícia de que Amaranta
Buendia zarpava ao crepúsculo levando o correio da morte espalhou-se por
Macondo antes do meio-dia e às três da tarde havia, na sala, um caixote cheio
de cartas. Os que não quiseram escrever deram recados verbais que Amaranta
anotou num livrinho com o nome e a data da morte do destinatário. “Não se preocupe”,
tranquilizava os remetentes. “A primeira coisa que farei ao chegar será
perguntar por ele e darlhe-ei o seu recado.””
“Ela pensava nessa altura que
uma forma de amor derrotava a outra, porque estava na índole dos homens
repudiar a fome uma vez satisfeito o apetite.”
“Fernanda rebelou-se
intimamente contra aquele dolo do destino, mas teve forças para disfarçar em
frente da freira.
- Diremos que o encontrámos a flutuar na cestinha –
sorriu.
- Ninguém vai acreditar nisso – disse a freira.
- Se acreditaram na Sagrada Escritura – retorquiu Fernanda
– não vejo porque não haverão de acreditar em mim.”
“Durante o dia, os militares
andavam pelos rios das ruas, com as calças enroladas pelo meio das pernas, a
brincar aos naufrágios com as crianças. À noite, depois do toque de recolher,
derrubavam as portas à coronhada, tiravam os suspeitos das camas e levavam-nos
numa viagem sem regresso.”
“Aureliano
Segundo pensava sem o dizer que o mal não estava no mundo, mas sim num lugar
profundo do coração de Petra Cotes onde qualquer coisa acontecera durante o dilúvio
que tinha tornado os animais estéreis e o dinheiro escorregadio.”
“Aureliano
passou muito tempo sem sair do quarto de Melquíades. Aprendeu de cor as lendas
fantásticas do livro sem capa, a síntese dos estudos de Hermann, o entrevado;
os apontamentos sobre a ciência demontológica, as cifras da pedra filosofal, as
Centúrias de Nostradamo e as suas investigações sobre a peste, de modo que
chegou à adolescência sem saber nada do seu tempo, mas com os conhecimentos
básicos do homem medieval.”
“Ninguém
soube nunca que era Petra Cortes quem mandava aquelas vitualhas, com a ideia de
que a caridade continuada era uma forma de humilhar a quem a tinha humilhado.”
“Aureliano
teria podido fugir e até voltar a casa sem ser visto. Mas o prolongado
cativeiro, a incerteza do mundo, o hábito de obedecer, tinham ressequido no seu
coração as sementes da rebeldia.”
“Nunca
se viu naquela casa ninguém com melhor humor a toda a hora e em qualquer
circunstância, nem ninguém mais pronto a cantar e a dançar e a deitar no lixo
as coisas e os costumes estragados.”
“Gastón
não era apenas um amante feroz, de uma sabedoria e imaginação inesgotáveis,
como era, talvez, o primeiro homem na história da espécie que fez uma aterragem
de emergência e esteve prestes a matar-se a si e à noiva para fazer amor num
campo de violetas.”
“Nunca
até então lhe ocorrera a ideia de que a literatura era o melhor brinquedo que
se tinha inventado para gozar com as pessoas, como o demonstrou Álvaro numa
noite de paródia. Passar-se-ia algum tempo antes que Aureliano se desse conta
de que tanta arbitrariedade tinha origem no exemplo do sábio catalão, para quem
a sabedoria não valia a pena se não fosse possível usá-la para inventar uma
nova maneira de preparar o grão-de-bico.”
“O seu fervor pela palavra escrita era uma trama de respeito solene e de
irreverência mexeriqueira. Nem os seus próprios manuscritos estavam a salvo
dessa dualidade. Tendo aprendido o catalão para os traduzir, Alfonso meteu um
monte de páginas nos bolsos, que andavam sempre cheios de recordos de jornal e
de manuais de artes estranhas, e uma noite perdeu-os em casa das rapariguinhas
que iam para a cama por fome. Quando o sábio avô soube do caso, em vez de lhe
fazer o escândalo receado, desatou a rir e comentou que aquele era o destino
natural da literatura.”
“”O mundo estará fodido de vez”, disse
então, “no dia em que os homens viajarem em primeira classe e a literatura no
vagão de carga.””
“Aturdido por duas nostalgias defrontadas como
em dois espelhos, perdeu o seu maravilhoso sentido da realidade, até que acabou
por recomendar a todos que saíssem de Macondo, que esquecessem o que ele lhes
ensinara sobre o mundo e o coração humano, que se estivessem nas tintas para
Horácio, e que, fosse onde fosse que estivessem, recordassem sempre que o
passado era mentira, que a memoria não tinha caminhos de regresso, que toda a
primavera antiga era irrecuperável, e que o amor mais desatinado e persistente
era, de todos os modos, uma verdade efémera.”
Peniche,
27 de Janeiro de 2018
António
Barreto (JR)
Yo soy pajaro corsário, la rebelion es mi esencia.
domingo, 21 de janeiro de 2018
Cem anos de solidão
"Taciturno, silencioso, insensível ao novo sopro de vitalidade que sacudia a casa, o coronel Aureliano Buendia compreendeu, isso sim, que o segredo de uma boa velhice não é mais que um pacto honrado com a solidão."
(Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão)
Yo soy pajaro corsário, la rebelion es mi esencia.
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
Gabriel Garcia Marquez (Cem Anos de Solidão)
"Com o seu tremendo sentido prático ela não conseguia perceber o negócio do coronel, que trocava os peixinhos por moedas de ouro e depois transformava as moedas de ouro em peixinhos e assim sucessivamente, de modo que cada vez tinha de trabalhar mais à medida que mais vendia, para satisfazer um circulo vicioso e exasperante. Na verdade, o que a ele lhe interessava não era o negócio mas sim o trabalho. Precisava de tanta concentração para engastar as escamas, incrustar minúsculos rubis nos olhos, laminar as guelras e montar as barbatanas, que não lhe sobrava um só vazio para o encher com a desilusão da guerra."
Yo soy pajaro corsário, la rebelion es mi esencia.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
Cem Anos de Solidão
(Gabriel Garcia Marquez)
"No fundo, enganava-se a si própria, tentando prepará-la para a felicidade doméstica, porque estava convencida de que uma vez satisfeita a paixão, não havia homem na Terra capaz de suportar nem que fosse por um dia uma negligência que estava para além de toda a compreensão."
Yo soy pajaro corsário, la rebelion es mi esencia.
terça-feira, 16 de janeiro de 2018
Cem Anos de Solidão
Gabriel Garcia Marquez
"Atualmente, a única diferença entre liberais e conservadores é que os liberais vão à missa das cinco e os conservadores vão à das oito."
(frase atribuída a Aureliano Buendia em "Cem Anos de Solidão")
Yo soy pajaro corsário, la rebelion es mi esencia.
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