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Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sábado, 20 de novembro de 2021

Mansos, os portugueses? Não!

  

A propósito dos portugueses

   O Povo português andou sempre em guerras, desde antes da fundação da nação! Primeiro com o imperador castelhano Raimundo, até ao tratado de Zamora em 1143, depois com os árabes e castelhanos, pela expansão territorial até 1279. Seguiu-se o povoamento em ambiente de guerra permanente, com auxílio dos francos e ordens religiosas, até ao início da epopeia marítima, em 1415, com a conquista de Ceuta. Toda a expansão ultramarina está recheada de episódios militares, sobretudo, ao longo das costas ocidental e oriental de África e Ásia; Guiné, Congo, Angola, África do Sul, Moçambique, Índia, Indonésia e Japão. Por ocasião da restauração, no século XVII, os portugueses, pobres, famintos, sob a égide da nova aristocracia que levou D. João IV ao trono, foram grandes ao travar várias guerras em simultâneo, na Europa, contra os Espanhóis, no Brasil, em Angola e no atual Ghana, contra os holandeses. No século XVII, na Campanha do Rossilhão, dos Pirinéus ou da Catalunha, ao lado dos espanhóis, contra os franceses! Quase todo o século XIX foi passado em guerras, logo a abrir, em 1801, na sequência da Campanha do Rossilhão, a Guerra das Laranjas, ou Guerra Fantasma, contra "nuestros hermanos" em que perdemos Olivença, logo a seguir, em 1807, iniciou-se a guerra Peninsular contra os franceses. Finda esta, com o país devastado, tivemos em 1820 a 1822, a Revolta Liberal e independência do Brasil a que se seguiu a Guerra Civil de 1832 a 1834, e em 1846 a Revolta da Maria da Fonte que deu lugar à Guerra Civil da Patuleia, entre cartistas e Setembristas - guerra em que o Povo de Santo André de Frades, com a filha do sapateiro à frente (alegada Maria da Fonte), vestida de vermelho, destruiu à machadada as portas da igreja onde a D. Maria tinha mandado prender as mulheres que correram com os fiscais que queriam cobrar a taxa funerária e impedir o funeral tradicional. Sim, esta foi a verdadeira, espontânea, revolta popular, iniciada pelos camponeses minhotos, secundados por todo o povo, contra a asfixia tributária de Costa Cabral e D. Maria II. Uma luta desigual entre pobres camponeses e alguns soldados - miguelistas (é desse tempo o célebre Zé do Telhado; um apoiante miguelista que, finda a guerra liberal, continuou a guerra de guerrilha) - lutavam com varapaus, foices, ancinhos, calhaus e o que viesse à mão, contra armas de fogo e a cavalaria do general Saldanha! Neste século, em 1847, ainda tivemos as épicas greves do Porto, de Santo Tirso e de Gouveia! Não me digam que este povo é manso e carrancudo. Não! Não é! Nunca foi! Mas querem que seja! Tivemos o golpe republicano de 1910 e uma atribulada 1ª República, com golpes de fações políticas, prisões arbitrárias execuções sumárias - a detenção dos operários da Calçada do Combro e o morticínio da Noite Sangrenta -, e greves - a de 1912 dos camponeses de Elvas a que solidarizaram os operários de Lisboa, a greve dos operários das conserveiras de setúbal, onde foi morto pela GNR um operário, a dos camponeses do Ribatejo - até à intervenção militar de 1926 que fundou a 2ª República e trouxe Salazar que ainda se viu a braços com a Revolta dos Marinheiros, a Revolta da Marinha Grande e a Revolta da Madeira. Durante 13 anos, travámos uma guerra externa em três frentes com inimigos apoiados por todos os n/"amigos" de hoje; Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, Alemanha, França, Inglaterra, USA, e ainda URSS, Cuba e China! Não me digam que este povo é manso e macambúzio. Os Portugueses foram e são bravos, apenas os maus líderes os fizeram esquecer isso! Miguel de Cervantes, no regresso da batalha de Lepanto, descrevia ao seu camarada de armas, na amurada do galeão à chegada a Lisboa, com comovente admiração e respeito, o magnífico povo de Lisboa, cortês, corajoso, leal e justo da maior cidade da Europa desse tempo, onde o Tejo era uma floresta de mastros interminável. Leiam e comovam-se com a história de Portugal, como me aconteceu. Respeitem os portugueses. Respeitem-se.
                                              A Revolta da Maria da Fonte


Peniche, 20 de Novembro de 2021

António Barreto

domingo, 14 de novembro de 2021

A Batalha de Zama

 A Batalha de Zama 

      “Na cauda de tudo, atrás dos carros das máquinas de guerra e das últimas filas dos esquadrões, desenrolavam-se as récuas de camelos e dromedários, mugindo rouca e longamente, carregados de bagagens, de vitualhas, de munições, com colares de guizos e chocalhos ao pescoço; e por entre as récuas insinuava-se a multidão de mulheres de mercenários, de todas as formas, de todas as cores, de todas as idades: umas trigueiras como tâmaras maduras, outras da cor esverdeada das azeitonas, outras amarelas como cidras; vendidas umas pelos marinheiros, roubadas outras às caravanas, tomadas nos saques das cidades, amadas enquanto moças e belas, deitadas para o monturo da imundice depois de terem servido às orgias do exército inteiro, para irem morrer pelas margens dos caminhos com as bestas de carga abandonadas. Eram númidas vestidas de pele de dromedário, cirenaicas de sobrolhos pintados a azul acocoradas sobre esteiras tocando liras e cantando, siracusanas com placas de ouro nos cabelos, lusitanas de colares de conchas, gaulesas vestidas de peles de lobo, líbias montadas em burros, negras do Sudão e dos confins da África incógnita - esperando todas que a batalha terminasse para começar a orgia e se entregarem nos braços dos soldados ensopados em sangue. Por entre as mulheres estavam os velhos, as crianças, os estropiados, os coxos detritos das batalhas, resíduos miseráveis da guerra, curando as suas chagas, com um resto de armadura amolgada por pedras de catapulta, com as barbas e os cabelos espessos empastados em lama, com cotas de malha despedaçados através de cujos rasgões se viam as cicatrizes mal fechadas de feridas horrendas que os cães lambiam caridosamente. Os coxos abordoavam-se aos cotos das lanças partidas.”


Batalha de Zama

Peniche, 14 de Novembro de 2021

António Barreto

Créditos:

“A História da República Romana” de Oliveira Martins

Aforismos

 Aforismos, nova fornada:


De prudência é não querer o que se não pode haver.

Depois de um bom poupador, um bom gastador.

Depressa se gasta o que depressa se ganha.

Do indigente ninguém é parente.

É bastante rico quem nada deve.

Frade, freira e mulher rezadeira, três pessoas distintas e nenhuma verdadeira.

As mulheres são sempre melhores para o ano que vem.

Cantar, andando, encurta caminho.

Caminho começado é meio caminho andado.

Conhece-se o marinheiro quando vem a tempestade.

De graça, nem os cães vão à caça.

Deus ajuda a quem muito madruga.

Estrada de mil léguas começa por uma passada.



Peniche, 14 de Novembro de 2021

António Barreto

Créditos : "A Sabedoria dos Provérbios"

sábado, 13 de novembro de 2021

Arquimedes de Siracusa

 

 

Arquimedes de Siracusa

 

   “Durou o cerco oito meses; veio o exército cartaginês de Himilco socorrer Siracusa e ocupou Agrigento. Marcelo viu-se entre dois fogos, quase perdido: a ilha inteira, com medo dos romanos, dera-se ao púnico; mas batido Himilco, o Verão com as febres paludosas do Anapo acabou de destruir o exército cartaginês. Finalmente, no Outono de 542, Siracusa foi tomada de assalto, saqueada, exterminados os habitantes. Conta-se que durante a matança, um soldado descobriu Arquimedes, só e indiferente a tudo, na contemplação de um problema que o preocupava; o soldado mandava-lhe que fosse à presença de Marcelo- - Onde? -. Volta Arquimedes; e tornou à sua contemplação. O soldado atravessou-lhe o ventre com a espada. É assim que a realidade se vinga duramente dos povos contemplativos: mata-os.”

“A História da República Romana”

Oliveira Martins

Arquimedes de Siracusa


Peniche, 13 de Novembro de 2021

António Barreto

sábado, 30 de outubro de 2021

Escola Náutica e Camaradagem

    Esta é uma medalha comemorativa dos 50 anos do meu curso elementar de Máquinas na Escola Náutica, atribuída igualmente a todos os alunos de então. Um evento organizado por alguns colegas com o patrocínio da Escola Náutica Infante Dom Henrique e que teve lugar no último sábado nas suas instalações de Paço D’Arcos.

    É espantoso como, num período social e economicamente difícil, em tão pouco tempo, cerca de dois anos, se estabeleceu entre todos nós, independentemente da especialidade, máquinas, ponte, comissariado ou telegrafia, tão persistente vínculo de amizade e camaradagem, nalguns casos fortalecido pela vida marítima conjunta que se seguiu.

   No que me diz respeito, tive oportunidade de rever e abraçar alguns grandes amigos desse tempo, daqueles que estão sempre connosco e que não via há 50 anos. Igualmente gratificante foi rever e refrescar a memória relativamente a todos os outros.

   Desculpem a imodéstia, mas, somos gente boa, gente de coração nobre, com espírito de camaradagem e de missão, gente com talento e memória. Desta "fornada" saíram Comandantes, Chefes de Máquinas, Engenheiros, Médicos, Advogados, Armadores, Empresários - grandes, médios e pequenos - ciclistas, desportistas e artistas. Recordo um dos colegas que foi de bicicleta a Roma para cumprimentar o Papa e outro, o Jorge Mendes, da "fornada" seguinte", que conquistou o seu lugar na cena musical nacional ao vencer o Festival da Canção de 1987 com o belíssimo tema “Neste Barco à Vela”, integrando o Duo Nevada, que acaba de editar o seu novo trabalho, “Ruas de Mar”, com temas originais, e que nos brindou com uma bela atuação.

   Foi uma homenagem bonita e comovente onde os que “já partiram” não foram esquecidos. Naquele minuto de silêncio, de pé, recordei o colega Melo, o reguila de Alfama, gingão, irreverente, cordial e descontraído, que me convenceu a comprar a primeira viola, por 1750$00 (cerca de €8,50), no João Pedro Grácio, ali mesmo frente à prisão do Limoeiro onde tinha a sua oficina. No que me diz respeito, ficou fortalecido o vínculo afetivo aos navios, ao mar e aos meus queridos colegas. Deixei os navios e o mar há cerca de 40 anos, mas sou e serei sempre um homem do mar. Um entre muitos, um entre todos os que estiveram presentes.

   Do fundo do coração, agradeço à minha Escola ter-se lembrado de nós e aos colegas Mota, Soares e João, a persistência, a paciência, com que, durante meses, reuniram a "tripulação" dispersa e organizaram esta singela e comovente homenagem. É preciso ter os "porões" cheios de amizade para o fazer.

   Aqui em Peniche ou em Buarcos, a minha porta e o meu coração estarão sempre prontos a receber-vos.

.   



Obrigado

Peniche, 25 de Outubro de 2021

António Barreto

domingo, 26 de setembro de 2021

"Duas Palavras Sobre Jorge Sampaio"

 

“Duas palavras sobre Jorge Sampaio”

   Respeito quem, obedecendo a imperativo de consciência, tem a capacidade de dissidir das ideias ou poderes dominantes. Geralmente gera desconforto, e até represálias, aos respetivos autores, mesmo em regimes democráticos, onde a liberdade de expressão é um dos pilares vitais. Jorge Sampaio teve a coragem de o fazer num tempo em que tal poderia implicar, não apenas desconforto social, mas tortura e morte. Por isso o respeito.

   Dito isto, confesso que não tenho grande consideração por pessoas cultas que defendem o socialismo. Além de gerador de pobreza, como a história demonstra à saciedade, o socialismo assenta na total submissão do cidadão ao Estado, por sua vez controlado e ocupado pelo partido. A liberdade é o maior bem a que o ser humano aspira. Ao impor ao cidadão a sua visão de felicidade, o socialismo, retira-lhe o seu bem mais precioso, a liberdade.

   Contudo, o vínculo democrático de Jorge Sampaio é inegável; na Faculdade de Direito de Lisboa, onde se licenciou em 1961, exerceu intensa atividade política de oposição à ditadura, primeiro enquanto Presidente da respetiva Associação Académica, depois como Secretário-Geral da Reunião Inter Associações Académicas (RIA) - em 1961-1962 - coprotagonizando a contestação estudantil que se manteve até ao 25 de Abril. Enquanto Advogado, teve ação de relevo na defesa de Presos políticos no Tribunal Plenário de Lisboa. Nas eleições de 1969 foi candidato à Assembleia Nacional pelo CDE (Comissão Democrática Eleitoral). Posteriormente manteve intensa atividade política e intelectual de oposição à ditadura, integrando vários movimentos de resistência, defendendo uma alternativa democrática de matriz socialista.

   Impulsionador do MES (Movimento de Esquerda Socialista), agremiação de intelectuais de esquerda de formação marxista, desvinculou-se em pleno congresso fundador ao perceber a natureza radical do movimento. Já em pleno PREC (Período Revolucionário em Curso), apoiou Grupo dos Nove do MFA, que se opôs à deriva totalitária, a que foi posto termo no 25 de Novembro de 1975. Estes factos, por si só, comprovam, em contextos diferentes, a cultura democrática de Jorge Sampaio.

   Posto isto, há rumores de queixas de vítimas dos excessos praticados no PREC, caso de Artur Agostinho, preso em Caxias, a quem Jorge Sampaio terá recusado defesa judicial, alegando insuficiente conhecimento do prisioneiro, apesar de ter sido seu patrono anteriormente, em vários casos de pequena monta. A ser verdade, não é bonito.

   Por outro lado, que saiba, não se terá oposto à tragédia que foi a descolonização, sendo por isso, quanto a mim, cúmplice do genocídio de que os portugueses, pretos e brancos, civis e militares, foram vítimas no decurso do processo, em todas as ex-colónias.

   Mais recentemente, considero-o, em parte, responsável pelos danos causados ao país pelo governo de José Sócrates. Ao dissolver a Assembleia da República, pondo fim ao governo errático de Santana Lopes, atirou o país para os braços do seu partido, que se revelou incapaz de o preparar para as crises que já se vislumbravam no horizonte.

   Parece-me também que Jorge Sampaio foi o precursor da “geringonça” - que, alegremente, conduz o país para a ruina económica e anarquia social - quando se aliou à esquerda radical na Câmara Municipal de Lisboa.

   Recordo ainda, quando, nos primórdios do Governo de Durão Barroso, perante a avalanche reformadora deste, Jorge Sampaio, então Presidente da República, recorreu ao caso dos toiros de morte de Barrancos para a travar. E conseguiu.

   Finalmente, ficou-me na memória a resposta que deu a um jornalista que o interpelava acerca das soluções para a crise. Respondeu Sampaio, refletindo uma característica eminentemente socialista: “ os empresários têm que trabalhar mais”! Lembro-me de ter pensado, “se quiserem!”. E logo depois: “mas como podem os empresários trabalhar mais se já trabalham 12, 14 e 16 horas diárias, muitos sem fins-de-semana nem férias? Trabalhar melhor, sim, seria possível, sem a crescente asfixia do Estado”. Mais tarde percebi; os governos socialistas, não se preocupam em criar as condições para o desenvolvimento da Sociedade Civil, consumidores e empresas, para que esta crie mais empregos e riqueza: aumenta o contingente do funcionalismo público e apresenta a fatura às empresas e cidadãos, agravando os impostos, criando outros, tal como novas e intermináveis taxas, e fazendo uso de uma infinidade de artifícios, diretos e indiretos, sempre por “boas e indiscutíveis causas”, onerosos para cidadãos e empresas. A fórmula do empobrecimento!

   E é isto que se me oferece dizer quanto a Jorge Sampaio; enquanto homem e político, respeito a sua dimensão humanista e democrática mas, enquanto político, reprovo o seu envolvimento num caminho em que não acredito.

Jorge Sampaio
(Deus o tenha em descanso)

Peniche, 26 de Setembro de 2021

António Barreto    

quinta-feira, 15 de julho de 2021

As Razões de uma Dissidência

Peniche, 19 de Dezembro de 2018

Por, António José Rodrigues Barreto:

Sócio nº 34689

Exmo. Sr. Presidente do Benfica, Sr. Luís Filipe Vieira

 

   Tendo em conta que por várias vezes lhe reiterei o meu apoio à frente dos destinos do Benfica, impele-me o dever de consciência a comunicar-lhe que não me é possível mantê-lo.  

   No universo Benfica sou um grão de areia e, nele, a nada mais aspiro, mas tal como diz o poeta: “la areña es un puñadito pero hay montañas de arena” (Atahualpa Yupanki - El Payador Perseguido).

   A minha perceção mudou na época transata perante uma sucessão incompreensível de desastrosas decisões; tantas e tão más que, até prova em contrário mantenho a convicção de que “o Benfica” não quis ganhar o campeonato. Vejamos:

   Vendeu-se tudo o que tinha mercado dizimando a equipa; desguarnecendo-a na baliza, na defesa, no meio campo e no ataque. Fomos enxovalhados na Liga dos Campeões deixando uma nódoa que perdurará por muitos anos entre os adeptos do futebol, e em especial, no coração dos do Benfica.

  Depois do desastre europeu, perdemos o campeonato - “por uma unha negra”; teria bastado por exemplo, trazer o Odisseias em Janeiro ou não ter deixado sair Júlio César - que sabe tudo de técnica de baliza -, ou ter recuperado o Mitroglou - o homem dos golos, insatisfeito e triste no Marselha -, ou o Gaitan em Janeiro - o “abre-latas” deslocado no Atlético. Enfim, de uma estrutura competente esperavam-se melhores decisões. Os empréstimos - Douglas e Gabigol - foram um fracasso. As baixas de Krovinovick e Jonas, situando-se no espetro das contingências previsíveis, não foram compensadas. Um tremendo fracasso de gestão desportiva.

   O anúncio da amortização da dívida bancária prenunciava o desastre, e o do novo ciclo de obras confirmou-o. Num primeiro tempo pensei: - caramba! O Benfica está imparável; vamos dar o salto qualitativo que faltava. A pouco-e-pouco porém, à medida que iam sendo conhecidos os detalhes, foi-se desvanecendo o entusiasmo. Tudo não passou, afinal, de uma estratégia de compensação da frustração dos adeptos, tentando induzir-lhes a ideia de que “perdemos por uma boa causa”, “o futuro será glorioso”. Algo que já ouvíramos durante cerca de onze anos. Vejamos agora mais de perto alguns eventos recorrendo apenas ao que é do conhecimento público, único recurso de que disponho:

   A amortização da dívida bancária foi do interesse dos bancos não do Benfica - os mesmos que têm financiado os rivais através de empréstimos, doações e reestruturações. O clube-SAD poupa cerca de 16 milhões de euros por ano em juros, em contrapartida, durante o período do contrato, o clube-SAD abdicou de 40 milhões de euros anuais. Um saldo negativo de 24 milhões de euros por ano; a diferença provável entre sucesso e fracasso.

   Por outro lado, o recurso à antecipação de receita para liquidação de passivo bancário quando, salvo o erro, na época correspondente se faturou cerca de 240 milhões de euros em jogadores, foi uma enorme deceção. Se a mais-valia desta receita foi alocada à despesa corrente, significa que o clube-SAD está mal, muito mal. E, nesse caso, o futuro do Benfica é preocupante. Um bom método de gestão aconselharia a que a dívida fosse paga sem pôr em causa a competitividade da equipa principal; por exemplo, alocando ao serviço da dívida 50% da mais-valia da transação de jogadores e o restante à atividade operacional; 25% para investimento e o restante para despesa corrente.

   Relativamente às anunciadas obras, apesar da exuberância do projeto, que analisarei em detalhe mais à frente, há que enquadrá-lo no objetivo primordial, a saber; contribuir para a melhoria da competitividade desportiva da equipa principal de futebol, pedra de toque de todo o universo do clube rumo ao mais alto patamar. Quer o investimento, quer os custos operacionais associados, poderão comprometer por muitos anos a desejada ascensão desportiva da equipa. Algo que deverá ser bem fundamentado e explicado aos associados, acionistas e investidores. Como é que um colégio, mais 16 campos de treino - salvo o erro -, um hotel, um lar e um centro de alto rendimento, contribuem para formar uma equipa de futebol sénior de nível mundial? Essa é a questão primordial.

   O Presidente enfrentou a época em curso sob a égide da credibilidade institucional, estabilidade e lealdade ao treinador. Responsabilizando-se pelo desastroso desfecho da época transata, decorrente da sangria de efetivos, acreditou que, dotando a equipa dos recursos humanos adequados, esta recuperaria o sucesso desportivo rumo à “reconquista”. Infelizmente enganou-se; a época está a falhar e, se nada for feito entretanto, espera-nos, de novo, rotundo fracasso. A equipa técnica não consegue implementar o seu modelo apesar dos bons jogadores de que dispõe. Estes, desorientados com a falta de liderança, jogam como sabem, com empenho mas desarticuladamente, incapazes de provocar roturas nas defensivas contrárias - a não ser, em combinações ocasionais de 2, 3 jogadores e graças ao talento de alguns deles. O desânimo apossou-se da equipa. Os adeptos afastam-se deixando o Estádio vazio e a BTV sem audiência. Isto não é o Benfica, o grande Benfica com que os adeptos sonham.

   Perante os persistentes ataques de que o clube-SAD tem sido alvo, a necessidade de união entre benfiquistas é óbvia, motivo pelo qual reconsiderei, porém, a recente inversão duma decisão coletiva relacionada com a mudança da equipa técnica em sede de Conselho de Administração justificada por uma alegada e solitária revelação, foi a gota de água; fiquei a perceber que, no Benfica, os membros do Conselho de Administração não passam de adereços, sujeitando-se, obedientemente, à ditadura presidencial. Cabe aqui dizer que o Presidente não foi eleito para tomar decisões; foi eleito com uma equipa, para, co-responsavelmente, tomar boas decisões. Manter a atual equipa técnica em funções é, quanto a mim, uma péssima decisão. Veja o meu caso; toco umas peças de música clássica na guitarra mas não sou capaz de tocar Paganini.

   Relativamente ao seu projeto para o futuro do Benfica-SAD; considero correta a aposta na formação, porém não tenha ilusões; sem um Treinador carismático e sem uma equipa capaz de ganhar, “perfumando” os relvados, o projeto ruirá sem apelo nem agravo. Ninguém da formação interna - ou fora dela - quererá jogar num benficazinho, conformado, resignado às derrotas, quando, no processo de formação, aprenderam as virtudes do inconformismo, da ousadia e da vitória.

   Do “novo ciclo de betão”, completando o que disse atrás no caso da formação, o aumento do número de campos de treino e o melhoramento das condições de apoio aos formandos - residencial e colégio -, aumentará a base de recrutamento e, consequentemente, a emergência de novos e melhores talentos. É verdade. Mas também é verdade que, a partir de certo ponto, por mais campos de treino de que se disponha, o retorno desportivo será marginal face do investimento efetuado. De todo o modo, uma rede de “olheiros” bem montada é vital para o sucesso do projeto. Investir recursos infrutiferamente é um mau ato de gestão. Por outro lado, assumir publicamente o recurso da formação como condição exclusiva da competitividade europeia da equipa, como o Presidente fez recentemente, é uma imprudência que desmobiliza todos os outros contributos, afinal, imprescindíveis. Imagino o estado de espírito dos atuais jogadores externos perante tal propósito.

   No caso do Centro de Alto Rendimento, julgo que se destinará ao desenvolvimento da secção de atletismo, com vista a consolidar o domínio interno e a disputar os grandes torneios internacionais. Muito bem. O Benfica e o país carecem de melhor representatividade nestas disciplinas. Mas não se iluda; se a competitividade da equipa principal de futebol for afetada, ninguém, entre os benfiquistas, quererá saber do atletismo.

   Quanto ao hotel; se é uma forma de viabilizar economicamente um edifício histórico do clube, cuja alienação nunca seria compreendida pelos sócios, desde que não ponha o essencial em causa, é uma boa decisão.

    Fazendo agora uma breve retrospetiva à sua gestão e começando pelo fim:

   O tetra campeonato foi conquistado quando o Benfica se tornou independente em termos de direitos desportivos. Essa independência enchia os benfiquistas de orgulho, um orgulho que se refletia na motivação da equipa e na qualidade de jogo. Os bons resultados brotaram desta força. O recente contrato com a NOS, anunciado com exuberância, foi o princípio do fim, uma “machadada” no orgulho dos benfiquistas, que, estou certo, prefeririam aumentar a sua contribuição, a sujeitar-se ao garrote portista.

   As consequências não se fizeram esperar; com uma conjuntura governativa favorável e a paciente reconstituição do grupo que detém a Sport-TV - com os tradicionais aliados, Amorim, Sonae, angolanos e um “ponta de lança” do foro político-desportivo – alegadamente, reativaram-se os processos de condicionamento das equipas concorrentes através do controlo do respetivo financiamento.

   O resultado está à vista; sucessivos casos de assistências para golo à equipa opositora, árbitros a aplicar as leis do jogo de forma arbitrária e a comunicação social cantando loas aos “heróis” da democracia. Enquanto isso, o Benfica e seus Dirigentes são enxovalhados na praça pública, quase diariamente. Cabe aqui assinalar a débil reação da estrutura encarnada revelando total incapacidade de terçar armas no espaço público, onde se joga grande parte do sucesso ou insucesso desportivo. A saída de João Gabriel deixou um grande vazio na área da comunicação.

   No campo dos direitos desportivos, o aparecimento de um novo player, a Eleven Sports, consolida a minha convicção de que o negócio com a NOS foi um erro; “entregou-se o ouro ao bandido”! Uns meses mais e a receita poderia ter sido bem superior e, sobretudo, não se teria facilitado a restauração do poder do rival. Agora temos o deserto pela frente.

   Olhando mais para trás, sendo certo que, como diz o bom povo, “o que não tem remédio remediado está”, à luz dos recentes eventos, merecem-me breves considerações alguns outros casos.

   A tomada de decisões numa instituição do tipo do Benfica, sujeita a abundante escrutínio público, onde, muitas vezes, a emotividade se sobrepõe à racionalidade, é problemática. Num universo tão vasto e heterogéneo de funcionários, atletas, jogadores e adeptos, a unanimidade é quase impossível de obter exceto quando se ganha.  Daí a importância da colegialidade da tomada de decisão, sem prejuízo do papel mobilizador, moderador e decisório do líder. Por outro lado as plataformas de comunicação disponíveis devem abrir-se aos adeptos para que possam, livremente, expressar as suas opiniões e fazer o seu escrutínio. Este processo, se autêntico, induz novas ideias e ajuda a “calibrar” os assuntos em discussão. O oposto do que atualmente se pratica no universo encarnado.

   No lote dos temas fracionários situa-se o caso do novo Estádio. Recordo o saudoso Jorge de Brito ter referido, a certa altura do seu mandato, que preferiria um Estádio mais pequeno e mais confortável. Lembro o contexto em que se avançou para a construção dos novos Estádios - o da realização do europeu de 2004. O Benfica parecia irremediavelmente afastado do processo. Temia-se, creio, o desânimo dos adeptos encarnados. Hoje parece-me claro que todo o processo do euro 2004 foi conduzido para dar resposta ao projeto Roquete.

   Temos um Estádio moderno, confortável, bonito, talvez mais económico, mas, mais pequeno, de série, sem memória, sem história, sem o “terceiro anel”. Temos também uma dívida que retirou - e retira - competitividade à equipa. O Estádio está pago - anunciou o Presidente. Não sei se “se pagou a si próprio” nos doze anos previstos. Não sei se alguma vez pagará todos os custos não financeiros decorrentes.

   Os factos ajudam-nos a perceber melhor o outro lado das consequências desta opção; a Direção anterior tinha pronto um projeto de recuperação e modernização do velho Estádio, da autoria do mais conceituado arquiteto da época - Tomás Taveira - que custava quatro milhões de contos - cerca de vinte milhões de euros. Teria sido possível investir de imediato na competitividade da equipa. Em contrapartida a opção adotada gerou uma dívida que implicou uma longa travessia no deserto que ameaça agora prolongar-se após o breve interregno do “tetra”.

   Mário Dias, nas suas esporádicas, escassas e sóbrias entrevistas, levantou a ponta do véu ao dizer que os bancos financiavam a construção do novo Estádio mas não a restauração e modernização do velho. O velho Estádio dos afetos, construído com o apoio dos benfiquistas, em dinheiro, materiais e mão-de-obra. O Estádio da exigência implacável do terceiro anel de que tanto se tem falado - exigência essa que, recentemente, se converteu em conformismo e resignação -, um Estádio único, testemunho dos maiores feitos históricos do clube, admirado e respeitado pelos grandes atletas que o conheceram. O velho Estádio era o Estádio dos adeptos. Tinha alma. O novo é o Estádio dos banqueiros, e estes, não consta que a tenham. Com a demolição do velho Estádio da Luz ruiu uma parte do velho e glorioso Benfica.  

   A união dos adeptos é necessária, o entusiasmo exigente impulsiona jogadores, treinador e atemoriza adversários, contudo, a união constrói-se, não se pede. Constrói-se com competência, transparência, respeito, diálogo e humildade. O Presidente, nos últimos tempos, tem-se empenhado em fazer o oposto.

   Para os adeptos do Benfica, há uma espécie de “pecado original” relacionado com as alegadas “velhas amizades” do Presidente com confessos inimigos. Vejamos:

   Correm rumores, de, num tempo não muito distante, entre os atuais Presidentes do Benfica e do Porto ter havido um relacionamento de grande proximidade. Sei que as pessoas mudam e, como diz o bom Povo, “por um burro dar um coice não se lhe corta a pata” (salvo seja), mas não se é amigo de Pinto da Costa impunemente. Quem sabe se o Benfica não estará, hoje, a pagar o preço dessa velha amizade.

   Outro caso é o da “eterna” gratidão do Benfica a Joaquim Oliveira, o grande estratega do Porto - seu clube dileto -, junto da Comunicação Social, dos Governos - do socialista em particular -, dos bancos - consta que o Porto reestruturou a dívida do seu Estádio alargando a amortização do empréstimo por 50 anos -, do aparelho judicial - veja-se a origem do Presidente executivo da Sport TV -, de todas as SAD - Joaquim Oliveira tem participações em todas elas, incluindo, paradoxalmente, na do Benfica - e junto de investidores externos de referência - sobretudo angolanos.

   Este poder foi construído a partir da exclusividade da aquisição, pela Olivedesportos, dos direitos desportivos dos clubes nacionais - apesar de, alegadamente, irregular -, graças a cumplicidades bem conhecidas da opinião pública. Ao reverter a resolução unilateral do contrato dos direitos do Benfica com a Olivedesportos decidida pela Direção de Vale e Azevedo, Manuel Vilarinho viabilizou a estratégia de domínio portista, que se concretizou, e mantém, após o breve interregno do tetra. Como se vê é Joaquim Oliveira que deve estar grato ao Benfica e não o contrário.

   Hoje, com os direitos na mão e um governo amigo, o Porto faz o que quer no campeonato - tal como nos velhos tempos do Apito Dourado. Mais grave, estas anormalidades passaram a ser aceites pela sociedade e a generalidade da comunicação social, como uma espécie de nova ordem; para estes o Benfica representa o velho regime e o Porto é o símbolo do novo. Apesar da falsidade, esta narrativa impôs-se e os políticos aceitam-na “deixando passar o andor” ou ajudando mesmo a transportá-lo. Por tudo isto não fica nada bem ao Presidente do Benfica afirmar aos seus adeptos o dever de gratidão a quem tanto mal tem feito ao seu clube. O futuro do Benfica passa por inverter este discurso.

   Outro caso polémico que deixa os adeptos “de pé atrás” é o dos alegados “submarinos” no clube. Gente que pertence aos quadros do Benfica mas tem vínculo clubístico diferente. A pertinência do argumento da prevalência da competência sobre o da simpatia clubística está condicionada ao efetivo escrutínio daquela e à despistagem dos antecedentes, nomeadamente do envolvimento em ações hostis ao clube. Não é razoável integrar nele gente que lhe tenha causado, voluntariamente, danos graves. Ao primeiro revés brota o fraccionismo. Dá a ideia que o Presidente não se sente confortável com os benfiquistas. Não sei. Até percebo que há certos benfiquistas que se acham com um injustificado estatuto especial. No entanto, primeiro os benfiquistas.

   Neste mesmo contexto cabe referir o caso do motorista do Presidente, a contas com a justiça por alegado envolvimento num caso de tráfico de droga. Segundo veio a público, os alegados traficantes teriam acesso às instalações do Estádio e, no trabalho operacional, era utilizada uma viatura do Benfica. Se é certo que nenhum envolvimento foi imputado pelas autoridades ao Presidente este, perante os adeptos, não pode eximir-se à responsabilidade da escolha de um colaborador inidóneo.

   O mesmo se aplica ao assessor para a área jurídica. Apesar das bagatelas conhecidas e ainda que o Presidente não tenha tido conhecimento dos casos cabe-lhe a responsabilidade da escolha e da falta de acompanhamento eficaz.

   Imprudência também se imputa ao caso dos vouchers, que tantos incómodos têm causado. Abriu-se o flanco ao adversário, desnecessariamente. Durante anos, a comunicação social afeta aos rivais não cessou de massacrar o Benfica, provocando-lhe danos de imagem assinaláveis. Era previsível e escusado.

   Noutro contexto, alguma aparente promiscuidade que se tem verificado entre a atividade profissional particular do Presidente e do Benfica, contribui para alimentar a reserva dos adeptos. Os casos que vieram a público relacionados com a fiscalidade e com operações financeiras envolvendo as mesmas entidades bancárias, deveriam ter sido evitados. Total separação de interesses é um requisito da transparência.

   Outro caso é o das frequentes referências a Vale e Azevedo. É tempo de acabar com isso. Vale e Azevedo foi acusado, julgado e condenado (alegadamente, por um juiz portista e dragão de ouro). Cumpriu pena de prisão correspondente ao cúmulo jurídico de 17,5 anos, sem beneficiar de liberdade condicional. Pagou pelos seus erros. É um homem livre, mas continua a ser perseguido como um animal selvagem. Chega. Convidem-no a defender-se quando quiserem acusá-lo. Apesar de tudo foi Presidente do Benfica, e há adeptos, como eu, que não gostam de o ver maltratar.

   Outro caso ainda é o da saída de Jorge Jesus do Benfica, traumatizante para os respetivos adeptos, os quais, ainda hoje não percebem o que efetivamente se passou e se perguntam se não poderia ter sido evitada toda a turbulência deplorável a que assistimos. Um eventual regresso poderá fomentar a divisão dos adeptos. Estes foram desrespeitados, sem razão, por Jorge Jesus. Muitos continuam magoados e não o aceitarão sem uma retratação pública. De duas coisas estou certo; se vier, no mesmo dia a equipa passará a jogar o dobro ou o triplo do que joga atualmente, e não faltam bons treinadores por aí, dentro e fora do país (Marco Silva, Miguel Cardoso, Abel Ferreira, Vítor Oliveira, Paulo Fonseca, etc.).

   Para terminar assinalo o caso da alteração dos estatutos no âmbito dos requisitos para a candidatura à presidência; a imposição dos 25 anos de associado ao candidato é um exagero que vai sair caro. O tempo de associado não é garantia de competência, nem é certo que seja suficiente para afastar arrivistas mal-intencionados. A competência e a lealdade não escolhem idade. Esta matéria deveria ser revista quanto antes.

   O Sr. Presidente Luís Filipe Vieira fez um trabalho notável no clube, e é, sem dúvida, um dos melhores desde a sua fundação, mas no contexto aqui referido, sinto que o seu projeto está exaurido. Teimosamente preso a um Treinador cuja equipa apresenta um futebol insuficiente - com jogadores tristonhos, descrentes -, indiferente aos avisos e recomendações - agora confirmadamente pertinentes -, e aos enxovalhos públicos a que a equipa e adeptos têm sido sujeitos, hostilizando os adeptos dissidentes, abdicando do espaço público - com uma BTV sensaborona e laudatória -, o Presidente impõe uma gestão autocrática, messiânica - “antes de mim o deserto, depois de mim o dilúvio” -, que é contrária à identidade do grande Benfica.

   Considero que chegou a hora de um novo ciclo para o meu clube; um ciclo que corrija alguns equívocos aqui apontados e tenha como prioridade, o desendividamento, a otimização do trabalho da formação, a reestruturação da superestrutura desportiva do clube-SAD - privilegiando a capacidade prospetiva e o fortalecimento da competitividade da equipa principal rumo ao mais alto patamar europeu e mundial, com a integração inteligente de elementos da formação sem exclusão dos de outras origens.

   Last but not the least, perante o descalabro a que assistimos no futebol, à semelhança do que fazem os Dirigentes do rival do norte, é tempo de os Dirigentes do Benfica perceberem a natureza eminentemente política do futebol em Portugal e “convidarem”, ainda que em abstrato, Governo e Partidos a definirem-se publicamente. Algo que, a meu ver, o Presidente tem descurado.

Peniche, 18 de Dezembro de 2018

Com os meus respeitosos cumprimentos,

António José Rodrigues Barreto

VIVA O BENFICA!

sábado, 3 de julho de 2021

Os Pobres (XII)

 Salazar e os pobres (Cont)

Paul Descamps (1842/1947), sociólogo belga que lecionou nas faculdades de Direito de Lisboa e Coimbra em 1935 fez um levantamento da sociedade portuguesa publicado em livro com o título “Le Portugal La Vie Sociale Actuelle”. Nele descreve uma família operária em Lisboa: homem, mulher e três filhos. Ele, serralheiro, ela mulher-a-dias, os filhos, aprendizes de serralheiro. Analfabetos os adultos, quase analfabetas as crianças. O quadro incluía bebedeiras diárias do pai seguidas de sovas à mulher. Não sendo pobres qualquer percalço os lançaria na pobreza (hoje é igual). No Alto Douro, Descamps encontrou famílias endividadas, com os homens bêbados e os filhos indisciplinados. Uma refeição típica no Minho incluía, toucinho, pão, batatas e sardinhas (nada mau). As crianças comiam o que calhava e bebiam vinho. A mortalidade infantil era de 200 por mil. (Um aspeto surpreendente face à narrativa atual é que Salazar foi decisivo na publicação do livro de Paul Descamps. Tal contradiz a ideia de que Salazar se empenhava em ocultar a miséria social do país. Nem tal seria possível, ainda que o quisesse.)

   Num episódio ocorrido, em 1939, numa escola primária de 2000 alunos em que um médico lhes perguntou o que pediriam a Salazar, um respondeu que seria “um bocado de pão”. (Mais uma vez, a ideia atual de que Salazar fomentava o analfabetismo, é desmentida pelos factos, a escola de 2000 alunos. Por outro lado, sendo, nesta época, a miséria geral uma realidade - Grande Depressão em 1929, Guerra Civil Espanhola e II GM no início - se um aluno em 2000 pedia pão, o cenário não era tão grave como parece à primeira impressão).

   Um inquérito realizado em Castelo Branco, pela mesma época, revelava uma realidade deprimente; Entre 16000 crianças do ensino primário, 3394 - 21 % -, alimentavam-se mal, 893 - 5,5 % - careciam de uma cirurgia e 512 - 3,2 % - eram retardadas. Porém, a realização do inquérito revelava que havia preocupação com o assunto e que havia um esforço real com a escolaridade da população. (Hoje, 80 anos depois, continua a haver em Portugal crianças com fome. Um inquérito realizado em 2018 na Alemanha concluiu que cerca de 20 % das crianças alemãs eram pobres, apesar dos apoios estatais). Noutro inquérito, realizado também em Castelo Branco, dava conta de agregados familiares atípicos, como o de uma criança que nunca conhecera o pai, cuja mãe desaparecera e que vivia com uma família vizinha - casal com dois filhos. A casa tinha duas divisões e dormiam todos no mesmo quarto, os adultos numa cama e todas as crianças numa tarimba. Mesmo com trabalho, viviam no limiar de pobreza. (Acho espantosa esta solidariedade hoje totalmente inverosímil; abandonam-se as pessoas à intervenção do Estado, que pode, ou não, ocorrer).

   Em 1938, um inglês radicado em Carrazeda de Anciães tinha uma visão curiosa sobre a condição da população local. Reconhecendo que havia pobreza relativamente aos hábitos de consumo da população londrina, que considerava essenciais bens supérfluos, dizia que os trasmontanos se ofenderiam se os considerassem pobres. E, de facto, tinham nas suas quintas tudo o de que necessitavam para o seu dia-a-dia e até para uma emergência. Água canalisada na cozinha não lhes fazia falta. (O comentário que MFM faz a seguir revela o seu empenho em destacar o lado mais negativo da sociedade daquela época: “Caso tivesse assentado arraiais no sul, como Mary McCarthy, teria encontrado gente a reivindicar, não água canalizada, mas uma côdea de pão”).

   Quer no Alentejo, onde predominava a grande propriedade, quer no Douro e Minho, onde a pequena propriedade era o padrão, eram os jornaleiros sem propriedade os mais pobres. Em Figueira de Castelo Rodrigo, em 1943, alimentação diária típica de um jornaleiro consistia em miga de pão de centeio antes de pegar ao trabalho - almoço -, pão seco com uma cebola crua ou queijo ou sardinha ardida ao jantar, e caldo de nabiças sem azeite à ceia. Em Dezembro e Janeiro, a situação piorava devido a falta de trabalho. Segundo o autor do relatório, José Crespo de Carvalho, a jorna de trabalho ia das 9 horas solares ao pôr-do-sol, com uma hora de intervalo ao meio-dia e, na Primavera e Verão, mais meia hora à tarde. O salário diário era de 10$00 e litro e meio litro de vinho para os homens e 5$00 secos para as mulheres. As mancebias eram raras e o analfabetismo situava-se nos 60 %.

   Em 1950, um relatório de Adelino Martins de Almeida sobre Casais do Douro, refere que os proprietários evitavam os trabalhadores locais, que consideravam desleixados e preguiçosos, apesar de miseráveis. Preferiam os trabalhadores beirões, sóbrios, cuidadosos, eficientes e submissos, contratando-os através do rogador. Este contratava os diversos profissionais da lavoura; vindimadores, podadores, apanhadores de azeitona, cavadores, etc. A roga da Quinta das Carvalhas para a vindima, por exemplo, contava com 300 pessoas. A alimentação era deplorável, constando de um caldo mais apropriado a suínos e uma sardinha salgada.

   Américo Gomes Lopes, num relatório de 1951 sobre a freguesia de Vila Nova de Tazem, considera que o nível de vida das populações locais, não sendo dos mais baixos no mundo rural era muito reduzido. O desregramento moral associado ao consumo de vinho era geral. Os trabalhadores recorriam ao vinho para enfrentarem a dureza do trabalho agrícola. Na freguesia havia 11 tabernas. O horário de trabalho era de sol a sol e os salários diários eram de 12 a 15 escudos para os homens e de 6 a 8 escudos para as mulheres. O padrão familiar incluía 3 a 4 filhos e cerca de 1/3 das famílias vivia mal. As mais pobres viviam em casebres de uma só divisão dormindo todos juntos sem cama decente, entre imundice. Aos domingos e dias santos alguns homens refugiavam-se nas tabernas, onde bebericavam e jogavam cartas, apesar de, muitas vezes, a família chorar de fome.

  Na freguesia do Fontelo, Viseu, a situação dos trabalhadores era menos dramática. João da Silva, em 1952, considera que era melhor do que a das populações vizinhas devido ao facto de possuírem alguma terra. Além dos salários, os trabalhadores tinham direito a alimentação. Antes de pegar, ao nascer do sol, havia o mata-bicho, que constava de figos secos e aguardente, às 9 horas, e pelas 1 ou 2 da tarde tinham almoço, o jantar consistia em caldo, sardinha e 2,5 decilitros de vinho.

   Em 1953, um relatório de Adalberto Navarro e Rosa, referia que, na freguesia de Cambres, a alimentação dos jornaleiros variava com a época: ao almoço, sardinha, oferecida pelo patrão, com broa, levada de casa pelo trabalhador; ao jantar, caldo, engrossado com farinha ou com feijão com massa temperada com um fio de azeite, e couves, seguido de uma tijela de arroz com feijão, bacalhau ou tomates. Um luxo tendo em conta o panorama geral.

   No caso de Alfândega da Fé, José Correia Barrigas de Azevedo, em 1955, registava que o trabalhador não vivia mal, era afável e económico, tinha amor à terra, era respeitador e, como ambição, aspirava apenas em deixar alguns bens aos filhos. (Apesar da notória melhoria das condições de vida destes trabalhadores, MFM, implicitamente, considera esta falta de ambição um estímulo negativo para os patrões).

    Em contraste, na freguesia de Beira Grande, em 1954, o regente agrícola Joaquim Ramos Barroso, dava conta do estado de pobreza dos trabalhadores, que nada mais tinham além da roupa que vestiam e que, mesmo os mais desafogados não colhiam alimentos suficientes para todo o ano. Os meses de Verão eram os menos maus. (Mais uma vez, MFM revela o propósito de sublinhar a miséria, ao referir que, em 1938, J. Gibbons, considerara que os trabalhadores da mesma freguesia viviam no paraíso, o que não corresponde à verdade; disse que tinham o essencial para viver sem o consumo supérfluo que se verificava em Londres).

   (Contrariamente à evidência do seu próprio trabalho, MFM, conclui que não havia preocupação com a pobreza por esta ser tradicional, afirmando que Salazar se limitava a manter a condição de pobreza dos trabalhadores e que esta tinha profundas raízes na sociedade. Nem os pobres tinham força para se insurgir, nem o operariado urbano tinha líderes para o fazer. Quanto à pequena burguesia, essa tinha ficado saturada com a turbulência da 1ª República. Só o PCP resistia - desde 1921, data da sua fundação. A verdade, explícita neste livro, é que as greves de Gouveia, do Porto, de Santo Tirso, do Alentejo, da Azambuja e de lisboa demonstraram precisamente o contrário, já para não falar da Revolta da Maria da Fonte. Por outro lado, os mencionados inquéritos nas escolas e os sucessivos relatórios oficiais dos Regentes Agrícolas, mostra que estava em curso a alfabetização do país e um levantamento sistemático da condição social dos trabalhadores. Mas basta consultar as estatísticas da época para constatar a redução da mortalidade infantil, do analfabetismo e o progresso económico, que ocorreu a partir de 1950. Por outro lado, a realidade social em Espanha, Inglaterra, e em toda a europa, na mesma época, não era muito diferente da de Portugal.)

(Cont.)

Fonte: Os Pobres de Maria Filomena Mónica

Peniche, 27 de Junho de 1921

António Barreto

domingo, 27 de junho de 2021

Os Pobres (XI)

 

   Salazar e os pobres

      Salazar considerava que a atribuição de subsídios sem contrapartida desmoralizava as pessoas tornando-as indolentes, comodistas, inúteis, um fardo para a sociedade. Pelo contrário, quando correspondiam a trabalho, mantinham a função natural do indivíduo e enriqueciam o país com a participação em obras de interesse geral. Considerava a mendicidade um vício cuja teatralidade, além de prejudicar o trânsito da cidade (Lisboa), dava a falsa ideia de pobreza geral. A solução que preconizava consistia na severa punição dos falsos mendigos, na devolução às terras de origem dos que não eram de Lisboa e no internamento dos mendigos autênticos nos asilos existentes ou nos que tivessem de ser improvisados para o efeito.

   Em 1933 foi lançada uma campanha contra a mendicidade pelo comandante da PSP em Lisboa. Foram presas mil pessoas. As prisões de Lisboa não eram suficientes para encarcerar tanta gente. Dois anos mais tarde as autoridades limitavam-se a pedir às pessoas para não darem esmola aos pobres. Os pobres de Lisboa, excetuando alguns asilados na Mitra, viviam sem auxílios oficiais. Vagueavam pelas ruas, alimentavam-se com uma sopa da Misericórdia ou do que calhava, e dormiam nos pestilentos albergues do Arco do Cego e da Rua da Betesga, geridos por particulares.

   Os lisboetas viam os pobres com benevolência. Distinguiam-nos entre os honestos, que eram subservientes, e a ralé, que se embebedava. Algumas famílias abastadas tinham os “seus” pobres a quem davam alguma comida e roupas. Alçada Batista fala-nos do ritual desta relação em que os ricos cultivavam a pobreza, “regando-a com bocadinhos de pão com conduto e algumas moedas”. Incluía a “comida dos pobres”, as “visitas dos pobres” e o “dia dos pobres que, por ser azarento, era à 6ª feira. Na Beira Baixa, região de origem de Alçada Batista, pobres e ricos encaixavam na perfeição; aqueles, mansos, cordatos, “ómildes”, respeitadores e obedientes ao senhor e ao Senhor, pretendiam apenas o mínimo para viver o seu dia-a-dia de miséria. Estes aliviavam as consciências, certos de que lhes seriam franqueadas as portas celestiais; cultivavam a pobreza alheia com carinho sem que tentassem acabar com ela. Para os poetas, os pobres constituíam matéria-prima inspiradora.

   Quanto a Salazar, considerava a pobreza uma virtude. Afirmava-se um homem livre por não possuir bens de relevo nem ambicionar riquezas, conformando-se com uma vida modesta. Não carecia de se envolver em tramas, enredos ou solidariedades obscuras. Era, dizia, “tanto quanto se pode ser, um homem livre”. Tinha, pelo menos, a sabedoria de perceber que ninguém é totalmente livre. Que a liberdade absoluta não existe.

   O povo, confinado nas aldeias, além do trabalho árduo e miserável do campo, distraia-se nas procissões, feiras e quermesses. Os grandes beneficiários do novo regime, tal como hoje, foram os funcionários públicos, com salário garantido e respeitados. A falta de contacto com outras realidades, outras experiências, terá sido uma das causas da longevidade do Estado Novo.

   Em Março de 1938 estala uma curiosa discussão sobre analfabetismo em Portugal; em pleno Parlamento houve quem defendesse que o povo, detentor de grande riqueza intuitiva, considerava desnecessário aprender a ler; na Câmara Corporativa, alguns procuradores defendiam que o analfabetismo não era consequência da pobreza, uma vez que havia nações alfabetizadas pobres. Surpreendente era o ponto de vista de uma popular escritora de literatura infantil, Virgínia de Castro e Almeida; dizia que, ao aprender a ler e escrever, as pessoas tornavam-se ambiciosas, querendo ir para as cidades para as profissões de marçanos e caixeiros, aspirando à dignidade de senhores; que acabariam a ler relações de crimes, noções erradas de política, livros maus, folhetos de propaganda subversiva; que largariam a enxada, deixariam de querer saber da terra, dominados pela ambição de aceder ao setor público; as vantagens da escola seriam nulas.

                                                          Salazar e Christine Garnier

Fonte: Maria Filomena Mónica "Os Pobres"

(Cont.)

Peniche, 27 de Junho de 2021

António Barreto

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Aquecimento Global; a nova arma socialista


 Al Gore, baseado nos trabalhos de Michael Mann, Raymond Bradley e Malcom Hughes, realizados em 1999, na universidade de Columbia - de que resultou o famoso gráfico designado por hockey stick - assume tacitamente uma relação linear entre a concentração de CO2 e a temperatura global. Na verdade esta relação é logarítmica - com efeito marginal decrescente; o efeito térmico de um certo diferencial é menor que o efeito do mesmo diferencial que o precedeu. Por outro lado, as suas projeções da evolução da concentração de CO2 - 620 ppm em 2050 -, estão muito longe de vir a verificar-se.

Desde 1977 que os teores de CO2 têm vindo a aumentar à razão de 1,5 ppm/ano, ou seja; se a média dos últimos 30 anos se mantiver, por 2050, a concentração de CO2 será de 446 ppm, tendo sido , em 1987, de de 348 ppm, muito longe do que preconiza Al Gore. O hockey stick, de Mann, que serviu de base às recomendações do IPCC, foi elaborado com base num modelo matemático que Stephen McIntyre e Ross McKitrick, num trabalho publicado em 2003 na revista Energy and Environment, e, em 2005, na Geophysical Research Letters, demonstraram estar errado e ainda, que o ano mais quente do século XX terá sido o de 1934 e não o de 1978 como se pensava então. Gore, a partir de análises próxy aos 650 mil anos antecedentes da era pré-industrial, afirma que as concentrações de CO2 foram sempre inferiores às atuais - cerca de 380 ppm -, mas, segundo as análises próxy de Wagner at al - à densidade dos póros das folhas de bétula na Holanda -, estimou-se que, por exemplo, no período do Holoceno, durante séculos, as concentrações de CO2 ultrapassaram os 300 ppm, chegando a atingir os 348 ppm - idêntica à concentração medida em 1987. Noutros períodos mais recentes, ter-se-ão registado valores do mesmo tipo.

Por outro lado, Gore, baseado no mesmo gráfico, procura induzir a ideia da relação de causalidade entre a concentração de CO2 e a temperatura global. Na realidade sucedeu o contrário; as variações de temperatura global precederam, de centenas de milhares de anos, as variações dos teores do CO2 segundo trabalhos de H.Fisher, M.Wahlen, J. Smith, D. Mastroianni e B. Deck; quando muito, as variações de CO2 tiveram um efeito amplificador nas variações térmicas em curso. O aumento do teor do CO2 referido deve-se ao aquecimento dos oceanos ao libertarem parte do CO2 dissolvido para a atmosfera. Em suma; o teor de CO2 tem aumentado à razão de 1 ppm/ano e tem um efeito marginal no aquecimento global - por exemplo; o aumento do teor de CO2 de 100 ppm provoca um efeito de aquecimento da ordem dos 2 W/m2; no passado pré-industrial verificaram-se teores de CO2 próximos dos atuais e temperaturas globais mais altas que as atuais.

A evolução térmica média entre 1977 e 2006 foi de 0,17 ºC/década, sendo que, nos ultimos 20 anos, não se tem verificado variação assinalável - na verdade tem-se verificado ligeiro declínio, conforme medição por satélite - iniciada em 1978. O IPCC tem, ostensivamente, ignorado os trabalhos científicos contrários às teses de Mann e consta que proibiu a análise de trabalhos publicados a partir de 2005. A minha convicção, fundamentada nas análises de; John Casey, Luis Carlos Molion, Rui Moura, Jorge Oliveira, Bjorn Lomborg, Marlo Lewis Jr, Stephen McIntyre, e outros, é que a teoria do Aquecimento Global é uma fraude, cuja finalidade é eminentemente política e multifacetada. Esgotadas as teses marxistas, os seus defensores, abraçaram a causa do ambiente como instrumento de combate ao capitalismo, em particular, o americano.

Por outro lado, é uma nova forma de colonialismo na medida em que condiciona o desenvolvimento dos países pobres deixando-os dependentes dos países tecnológicos, em especial, os do norte da Europa. Finalmente, a consequente pressão para a redução de produção de recursos alimentares e outros bens - pescas, agricultura e processados -, quanto a mim, tem como finalidade, forçar pela fome a regressão demográfica, cuja prodigiosa expansão no século XX se deveu à Revolução Industrial e ao Capitalismo, ao proporcionar o aumento da produção alimentar em 8 vezes contra o aumento de 6 vezes da população mundial - de cerca de 1 bilião no início do século e para 6 biliões do final. Finalmente; o Acordo de Paris preconiza medidas para a limitação do aumento térmico a 1,5 ºC em 2050. Este processo está em marcha em Portugal e está a dizimar a nossa produção agroalimentar que, nos próximos anos, ficará reduzida à marginalidade. Uma nota final; exerço uma atividade relacionada com este tema. Consultei; "A Ficção Científica de Al Gore" de Marlo Lewis Jr e "Calma" de Bjorn Lomborg.
 
Peniche, 09 de Dezembro de 2018
António J.R..Barreto

sábado, 15 de maio de 2021

"Os Grandes Devedores"

 

    As Comissões de Inquérito Parlamentar são necessárias para aprofundar e analisar assuntos de especial interesse público. Destinam-se a dotar os Grupos Parlamentares de matéria fidedigna para enriquecimento do debate político, elaboração de propostas de lei decorrentes dos casos, bem como identificar e encaminhar eventuais ilícitos para a esfera judicial.

   A sucessiva e aparente falta de resultados práticos, ao longo do tempo, induziu-me a concluir que, em Portugal, o seu préstimo se circunscreve, quase exclusivamente, a municiar o partido ou partidos de suporte do Governo do momento, de instrumentos de luta partidária. Outras vezes não passam de manobras de diversão destinadas a desviar as atenções do público de casos efetivamente graves da atualidade, potencialmente penalizadores da ação governativa.

   Um exemplo recente: Carlos Moedas foi anunciado candidato à Câmara Municipal de Lisboa. Pois constou há dias, a propósito de um assunto qualquer já com barbas e esquecido, a intenção de alguns Deputados da área da Governação o chamarem a depor numa Comissão de Inquérito Parlamentar nomeada para o efeito! O caso até pode ter relevância, mas o que parece é que se trata de antecipação da luta eleitoral com o objetivo de desgastar a imagem pública do opositor. Indigno!

   No caso da Comissão de Inquérito ao Novo Banco em curso, não sei quantas auditorias foram feitas, sei que várias, mas parece que nunca são suficientes. Desta vez o propósito, em minha opinião, é duplo; por um lado encontrar bodes expiatórios para o desastre da operação de venda do banco, e por outro fazer passar, sem alarido, uma lei de censura digna da que vigorava no Estado Novo.

   As vicissitudes que têm vindo a público relacionadas com Deputados; viagens fantasma, moradas falsas, faltas não registadas, duplo vínculo, levam-me a duvidar da autoridade moral de muitos Deputados para inquirir eventuais delitos de terceiros. No caso do Novo Banco, não deixa de ser caricato que, Deputados do partido do Governo ou dos partidos que o apoiam, ainda que indiretamente, envolvidos no desastroso contrato da venda do banco à Lone Star, responsabilizem outros, “grandes devedores”, pelos fracos resultados da gestão do banco.

   No caso concreto, atribuir a uma imparidade de cerca de 160 milhões de euros, salvo o erro, a causa da falência do banco quando o défice acumulado, por enquanto, é de cerca de 4 mil milhões de euros, é patético.

   O tom vexatório, ora jocoso ora intimidatório e agressivo, com que certos deputados interpelam os envolvidos, destina-se a condená-los e humilha-los na praça pública, antes mesmo de serem apuradas as respetivas responsabilidades. Um ato de exibicionismo público indigno de quem detém a responsabilidade da representação da soberania popular e que viola o direito à dignidade, constitucionalmente consagrado, de qualquer cidadão, até do Presidente do Benfica! E, se é verdade que qualquer reestruturação de dívida é consequência de incumprimento, também é verdade que os respetivos pressupostos radicam no reconhecimento de causas circunstanciais e da viabilidade económica do projeto subjacente mediante o desaparecimento de tais causas.    

   Porém, há uma virtude no atual inquérito; tem suscitado algum esclarecimento especializado que permite aos “leigos” na matéria, como eu, tirarem conclusões nada abonatórias para os Governos envolvidos no caso da resolução do BES e na venda do NB. Por ocasião da resolução do BES, disse-se, com exceção do PCP, que não traria custos para o contribuinte. Tem!  E avultados! Especialmente graves dada a grave crise que o país atravessa. O ressarcimento, a ocorrer, será a muito longo prazo.

   Quando se optou pela divisão do BES em “banco bom” e “banco mau”, solução geralmente considerada adequada, pensei, com “os meus botões”, que o que estava em causa era a identidade dos titulares dos ativos e não a qualidade dos mesmos. Hoje, esta ideia, face ao que se vai conhecendo, ganhou consistência, senão vejamos:

   O banco acumula prejuízos sistemáticos e com isso garante a injeção de capital do Fundo de Resolução financiado pelo Governo. Pergunto-me se a gerência do banco se destina a viabilizá-lo ou a garantir a efetivação do financiamento público, gerando défices sucessivos. Estou tentado a pensar que sim. Por outro lado, têm vindo a público vários casos de alienação de ativos em condições deploráveis. Noticiam-se perdas da ordem dos 90 % dos valores contratualizados, havendo indícios de que alguns ativos foram recomprados, a preço de saldo, por sócios ou amigos dos titulares das respetiva imparidades! Lamentável! Acresce, para cúmulo, que a Lone Star, segundo consta, se prepara para vender o Novo Banco, já saneado financeiramente, com ganhos substanciais! A ser verdade, é vergonhoso e deveria conduzir à severa punição dos responsáveis por tal desastre.

   Será o cidadão eleitor, que será fiscalmente penalizado, tão distraído que ainda irá premiar eleitoralmente os responsáveis por esta catástrofe? Eu não!

Amedeo Modigliani

Peniche, 15 de Maio de 2021

António Barreto

sábado, 24 de abril de 2021

O caso de Moçambique: Da falta de vergonha ou de coragem

 


   O novo Estado de Moçambique foi configurado segundo o modelo marxista soviético, na mais pura tradição das democracias populares. Assim o determinou o Comité Central da Frelimo, que se constituíra como a suprema autoridade da nação. Uma minoria impôs a sua vontade a nove milhões de pessoas sem um esboço de legitimação democrática. O acordo Samora Machel-Melo Antunes tinha deixado em aberto a possibilidade deste desfecho.

   Vasco Gonçalves, que presidira à Comissão Diretora do MFA quando foi elaborado o seu programa, traiu-o, quando, enquanto Primeiro-Ministro de Portugal presente na cerimónia da independência, classificou, comovidamente, como honrosa libertação de um povo, o que não passava de um processo neocolonial. Ao rebaixar-se, pedindo servilmente perdão, quando abundavam motivos de orgulho, desonrou a farda que vestira sem convicção. Paradoxalmente, saíram de Samora Machel as palavras de enaltecimento dos que tinham sabido bater-se e de desprezo pelos covardes. O guerrilheiro, ainda com memória dos seus tempos de combatente, corrigiu o “general”. A persistente doutrinação marxista que o envolvia acabou por converter aquela em servo dos novos senhores.

   Ato contínuo iniciaram-se, sem qualquer discriminação, as perseguições aos dissidentes ou, simplesmente, intelectualmente autónomos. Médicos, advogados, engenheiros e professores fugiram como puderam, deixando um vazio de que a população seria vítima. Sucederam-se as prisões arbitrárias; as vítimas, transportadas em camiões de gado, foram tratadas brutalmente nos campos de trabalho. Descoberta acidentalmente a infâmia, esta foi abafada nos meios de comunicação social portugueses e internacionais. Estes, que denunciaram os excessos da PIDE, calaram-se perante as incomparáveis monstruosidades cometidas pela SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular).

   Igualmente perseguidas foram todas as confissões religiosas. Os islâmicos, habituados à cordialidade da administração portuguesa, na pessoa de Baltasar Rebelo de Sousa, foram desrespeitados por Samora Machel, no templo da Ilha de Moçambique, por se recusarem a aderir à ideologia marxista. Cristãos ortodoxos foram também perseguidos, obrigados a fugir de templos, escolas e hospitais, sob ameaça das armas dos milicianos da Frelimo. A maior chacina ocorreu entre os cerca de 40 mil Testemunhas de Jeová, refugiados junto à fronteira de Moçambique, na sequência da perseguição que lhes era movida pelos países vizinhos. Acolhidos pela administração portuguesa que, conjuntamente com o Malawi, lhes prestava assistência, foram obrigados, pela Frelimo, a cruzar a fronteira para caírem nas mãos dos seus perseguidores. Cerca de 3 mil foram assassinados sumariamente a tiro, à baioneta ou à pancada. A Igreja Católica também não escapou à fúria frelimista, sendo acusada de reacionária. Quis-se separar a Igreja de Moçambique do Vaticano e até de alteração da liturgia. O bispo de Nampula, ativo frelimista do tempo colonial, foi impedido de pregar na Catedral e proibido de sair do Paço episcopal.

   Os bispos moçambicanos, que sempre encontraram fórmulas de criticar as autoridades portuguesas e de as afrontar nos seus relatórios para Roma, remeteram-se ao silêncio envergonhado. Os missionários espanhóis, defensores entusiastas do seu povo cristão, desta vez mantiveram-se calados. D. Eurico de Noronha, respeitado bispo de Vila Cabral - depois de Sá da Bandeira -, que se oferecera para advogado dos padres marxistas do Macuti, não fez ouvir a sua voz.

   E quanto à Igreja Católica, porque se calou? Porque desapareceu a coragem do Núncio Apostólico de Lisboa, sempre lesto a denunciar as prepotências portuguesas? Porque se calou o padre Hastings, que denunciara do massacre de Wiryamu ao The Times londrino, perante os comprovados genocídios ainda mais graves, que se cometeram em Moçambique no processo da independência?

   Quanto a D. António Ferreira Gomes, o célebre Bispo do Porto, fértil no apoio às acusações contra a guerra colonial, porque não se lhe ouviu uma palavra de caridade para com os cristãos vítimas da mais violenta perseguição dos tempos modernos? Onde estiveram as cartas pastorais e as homilias versando “Paz e Justiça”?

   Houve em tudo isto um silêncio cúmplice e uma vergonhosa falta de coragem, com exceção reconfortante do Arcebispo de Braga, Primaz das Espanhas, que, de acordo com a sua ímpar personalidade, disse o que havia a dizer.


Fonte: “Moçambique Terra Queimada” (Jorge Jardim)

Peniche, 24 de Abril de 2021

António Barreto

quarta-feira, 14 de abril de 2021

O Fogueiro Fadista

 


 O pesado silêncio do quarto noturno era apenas quebrado pelo surdo rumor da combustão das caldeiras. Frente a cada uma, os três fogueiros, imóveis, fixavam o olhar, ora nos visores de nível de água, ora nos manómetros, assegurando-se de que se mantinham no regime de trabalho: visor a meio e pressão a 42 bar.


O Vítor d’Alfama, ainda jovem, de serviço à caldeira de bombordo e sempre a cantarolar, destacava-se pelo aprumo e penteado, donde sobressaía uma brilhante, volumosa e perfeita popa.

De pé, junto à escrivaninha, em silêncio, imerso nos pensamentos próprios dum jovem de 19 anos, cabia-me supervisionar o grupo, atento a tudo.

Do seu canto, perguntou o Vítor: “Oh “sou” terceiro, conhece o fado das duas fotografias?” “Não”, respondi, a pensar no que iria sair dali. “É um fado muito bonito! Gosto muito deste fado!" Posso cantá-lo?”. “Pode." Respondi, percebendo a compulsão da saudade que o atingia, enfiado num caixote de aço e perante os cerca de dois meses de viagem que tinhamos pela frente.

Então, O Vítor d’Alfama virou-se para a caldeira, aquele mostrengo cinzento a roncar, como se estivesse perante uma sala de espetáculos cheia de gente, respirou fundo e começou a cantar, a plenos pulmões e a preceito, o fado das duas fotografias,

“No meu pequenino quarto
Há duas fotografias,
De mirá-las não me farto
É com elas que eu reparto tristezas e alegrias.
De mirá-las não me farto,
É com elas que reparto, tristezas e alegrias.

Há dias fui-me deitar,
E tive a impressão que ouvi,
As duas p’ra mim falar
Dizendo vai descansar
Que nós velamos por ti.
As duas p’ra mim falar,
Dizendo vai descansar,
Que nós velamos por ti,

De manhã quando acordei
Sorridente e satisfeito,
Para as duas fotos olhei
Falei, os bons dias dei,
Aos guardiões do meu leito.
Para as duas fotos olhei
Falei, os bons dias dei,
Aos guardiões do meu leito.

Decerto as duas trocaram,
Um sorrisinho contente,
Eu saí elas ficaram
E como sempre esperaram
Que eu voltasse novamente.
Eu saí elas ficaram
E como sempre esperaram
Que eu voltasse novamente.

São fotos são fantasias,
Há quem diga mas porém,
Não me afetam ironias,
Pois essas fotografias,
São meu pai e minha mãe,
Não me afetam ironias,
Pois essas fotografias,
São meu pai e minha mãe!”

Calou-se o Vítor, voltando a fazer-se ouvir o surdo roncar das caldeiras, entrecortado por breves aplausos da escassa assistência.

Já no camarote, apesar de achar o tema algo lamechas, lá fui esgravatar na viola, que comprara precisamente em Alfama, mesmo frente ao Limoeiro, a ver se tirava os respetivos acordes, algo que não me saiu lá muito bem às primeiras tentativas.

O Vítor d’Alfama sofria do mal dos marinheiros. Sofria de saudade.

(Episódio passado no Infante Dom Henrique, lá pelos idos de 1971)


Peniche, 14 de Abril de 2021
António Barreto