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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sábado, 31 de maio de 2025

Perpétuos analfabetos

 

Perpétuos analfabetos



Tenho um certo desconforto, uma quase fobia, quando tenho que frequentar qualquer instituição pública: câmaras municipais, juntas de freguesia, finanças - ui! -, centros de saúde, hospitais, registos civil e predial, etc..


É algo que vem de longe. Recordo-me do alvoroço que havia lá por casa quando, pelos anos 50/60, se ia pagar a água na câmara municipal. Uma aflição. Pais fora, cada um na sua lide, um deles lá tinha que fazer um desvio no trajeto do regresso para fazer o pagamento.


Nesse tempo a maior parte da população adulta era analfabeta ou semianalfabeta - nos anos 40 e início dos 50 o ensino obrigatório era a 3ª classe. Gente rude, habituada à incerteza diária, sentiam-se intimidados quando entravam nesses locais. A medo, la perguntavam ao primeiro que lhes aparecia: - “Ah meu senhor, sabe-me dezer onde é que se paga aqui a áuga?” - o pescador, tirava de imediato o boné, em sinal de respeito, como fazia quando calhava ir à igreja. Se lhe pediam assinatura, era o cabo dos trabalhos; lentamente, meio trémulos, lá desenhavam o nome.


Era importante dar uma imagem apatetada para suscitar a indulgência dos zelosos funcionários. Homens que, diariamente enfrentavam a morte, tinham medo de entrar em locais públicos. O medo compulsivo do “papel selado”, traduzido na frase, que, por aqui e ali se ouvia aos supostos delatores: - “embrulho-te numa folha de papel selado que nunca mais tens conserto”.


Ah, mas hoje tudo mudou: democracia, simplificação dos serviços, edifícios modernos, tecnologia avançada, pessoal qualificado, cidadão alfabetizado, emancipado e dignificado. Enfim, um novo paradigma no relacionamento do cidadão com a administração.


tempos tive que me deslocar a uma repartição local para tratar de um assunto, por sinal, resultante dum lapso do respetivo organismo. Sistema de senhas, ajuda imediata a operar a maquineta, cadeiras disponíveis, ecrã com o número de vez. Fantástico! Um luxo!


No momento certo avancei para o respetivo balcão, disse ao que ia. Deram-me um papel e uma caneta. Preferi o portátil e fui para casa esgravatar no PC. Enviei a “redação” para o endereço indicado. Já está. Suspirei de alívio.


Desconfiado, o assunto era sério, voltei de tarde. Em boa hora. Senha, outro balcão, outra pessoa, explicação: - Está aqui, está aqui o seu mail. Eu posso fazer-lhe isso. Mas olhe que devia trazer isto numa pen. E o PDF é o número 5. E é preciso assinatura digital. - comecei a ficar com pele de galinha. -Estou feito ao bife”. -Pensei. - Você quer dado e arregaçado. Não. Para isto não é necessária a assinatura digital, basta o BI. - Renasci, dizendo em voz baixa, gracejando: o que posso fazer é pagar-lhe um cafezinho e pedir perdão a Deus na igreja mais próxima. -Olhe, há aqui uma bem perto!


Safei-me neste primeiro embate. A minha postura de uma certa humildade apalermada, ajudou. A pessoa do outro lado, no meio daquela complexidade, até foi compreensiva e colaborante.


Já disse que o assunto era complexo. Precisava de informações e fui pedi-las no dia seguinte. Chuva se Deus a dava. Estacionamento aí a 100 m do local. -”Agora é que é o “elas!””. - Pensei.


-”Afinal, quem é o senhor? Nós não sabemos quem é! Tem que ir a tal parte pedir uma certidão”. - Lá fui, não era muito longe. A pé. Chuva que era um “regalo”. Repartição cheia. Tirei a senha. - “Seja o que Deus quiser. Estou por tudo.” Uma pessoa a atender, ar cansado e resignado, tal como o público que aguardava a vez suspirando impaciente.



Aí uma hora depois, outra pessoa tratou do meu assunto, num ápice, murmurando -”Não há gente para atender, somos só nós”´. Entregou-me o tal papel a troco de cinco euros. - “Estou safo! Ala para a câmara”, - pensei. Fui, depois de aconselhar uma jovem aflita por uma certidão de uma mota, ou algo do género. E a chuva, fiel, à minha espera. Safou-me o carapuço do blusão.


Cheguei. -”Tem assinatura digital?”. -”Como? O que é isso?” -”Não lhe deram um papelinho quando tirou o cartão de cidadão?. Está lá o pin”. -”Acho que tenho qualquer coisa mas não sei onde está. E estou longe de casa”. Mas não basta a assinatura conforme o cartão de cidadão?”. -”Não! Sabe o que é um regulamento? Para este caso é necessária a assinatura digital!”


“Pronto, pensei que podia simplificar as coisas. Então onde arranjo isso?. -”Pode tratar disso em tal parte”. - Lá fui. Parte do trajeto de carro, parte a pé. Chuva sempre a cair. Eu encharcado que nem um pinto.


Lá chegado, o costume; senha e espera, boas instalações, bons assentos, gente resignada, minha vez. - “Veio em má altura, o sistema está a falhar”. - disse a pessoa que me atendeu, de meia-idade e ar cansado, forçando um sorriso que mais parecia um esgar. - Senti um calafrio; -”como raio vou saber se a altura é boa?”. - “Ah, está com sorte, já funciona”. - “Estou salvo!” - pensei, dizendo, ao que pretendia. Após breve explicação: - “Já está. A chave móvel está ativada, agora já pode assinar com o pin”. - “O pin? - “Sim, aquele que vem com o cartão de cidadão!”. - “Não sei onde está. Estou longe de casa”. -”Espere aqui e vá àquele guiché logo que esteja livre”. Esperei, esperei, entrei à má fila, temendo uma repreensão.


Expliquei-me ante a pessoa, com ar cansado e cordial, que me atendeu. Mais um relambório e...-”diga-me quatro números. - Respondi, sem perceber bem. Era o pin, o famoso pin. -”E este aqui é puk. Não o perca nem dê o pin a ninguém! Olhe que os funcionários costumam pedi-lo. Não pode pedir isto muitas vezes, se o fizer é-lhe cancelado o cartão de cidadão!”. - Chiça! - murmurei.


Fiz a viagem de regresso, parte a pé, parte de carro, chuvinha sempre a cair e eu a escorrer.


”- Cá estou”. - Disse triunfante após o pequeno calvário dos preliminares, entregando os papeis a quem me atendia. Este digitou no PC passou-me um aparelho com teclas e números. -”Ponha aí o código”. - Teclei o pin. -”Não está a dar”. - Fiquei gelado!. -”Dê cá, qual é o pin?”. - Lembrei-me da recomendação de há pouco. -”Quero lá saber”. - Disse-lhe o pin. -” Já deu. Já está!”. -”Aleluia! Boa tarde e obrigado”. Ala para casa.


Acreditem que sei ler, escrever e contar, leio uns livrecos, esgatanho umas guitarradas e, perante este labirinto kafkiano senti-me um analfabeto. Se usasse boné, tinha-o tirado respeitosamente afivelando um ar amedrontado.


Muita coisa mudou, na Administração e nos cidadãos, mas a distância entre ambos permanece imutável. E assim continuará.

                                                                        Edvard Munch


Peniche, 31 de maio de 2025

António Barreto


sábado, 17 de maio de 2025

Nos Mares do Fim do Mundo

 

Nos Mares do Fim do Mundo

Bernardo Santareno


- Era de Ílhavo, sr doutor. Uma peste, uma praga de Deus! Aquilo na era home, era o próprio diabo!…


Tantos e tão cruéis agravos fez, que um dia, durante uma das suas últimas viagens, a tripulação revoltou-se. E tendo-o amarrado de pés e mãos, prestes a baldeá-lo, mantinham-no deitado e seguro sobre a amurada do navio: Hesitavam…

Logo o velho capitão num golpe de audácia:


- Vamos rapazes: Assim não estou bem, doem-me as costas. Resolvam: borda fora p’ró mar; ou então, depressa p’ra dentro!…


Surpreendidos e dominados pela coragem do velho, os homens abrandaram: e puseram-no dentro.

Uma vez em terra nenhum fugiu ao castigo do terrível capitão: um a um desgraçou-os a todos, inexoravelmente.


Adélia Maria

Peniche, 17 de maio de 2025

António Barreto

segunda-feira, 7 de abril de 2025

MESTRE MANTANA

 

MANTANA


Esteta, sonhador, professor, exímio contador de histórias, fadista e cantor lírico de ocasião, perscrutador de almas, Mestre Mantana, adorava Buarcos e suas gentes, que imortalizou nos seus, bem conhecidos trabalhos de cerâmica.


Marcou a paisagem urbana da vila com inúmeros projetos onde a alegria proporcionada pelo equilíbrio, terraços, varandas, janelas e cores denuncia o seu carácter extrovertido, a sua visão universalista da vida.


Mestre de Trabalhos Manuais da Escola Secundária da FF onde se distinguiu pela imaginação e perícia encantadoras, sabia ser humilde, homem de carácter sabia reconhecer o mérito alheio; disse-me um dia, era eu um rapazote: - “Barreto, quando fui para a Escola pensei que era o melhor de todos, mas enganei-me, Fulano é ainda melhor que eu”. Admirável.


Pelos idos de 60 tinha uma escolinha num anexo em casa de seus pais, na Praia, ali para os lados das freirinhas. Não sei como, os meus pais lembraram-se de me pôr lá, quando eu, no 1º ano, “navegava” entre medíocres, sofríveis e suficientes, orgulhoso de pertencer à “pior turma da escola”, a turma dos “buarqueiros”, como anunciara, eufórico, com um sorriso de orelha a orelha, o meu querido amigo João da Susana (salvo-o-erro), suscitando reação exultante de todos, por sermos especiais em alguma coisa.


Distribuía-nos tarefas, ia fazer as suas coisas e voltava mais tarde para ver os resultados e corrigi-los. Mandava-nos estudar um tema e fazia sabatinas, para ver quem respondia melhor. Volta e meia íamos todos jogar à bola para a praia. Ele jogava connosco. E jogava bem, à Simões. Era do Benfica, amava o Benfica. De vez em quando mostrava-nos aguarelas de sua autoria, que eu adorava.


Um belo dia, todos reunidos lá no quintal soalheiro, o Mestre Mantana, começou a dissertar sobre cada um de nós. E todos, todos sem excepção, tínhamos qualidades; uns assim, outros assado, mas todos éramos notáveis em alguma coisa. Admirável. Inesquecível. É das coisas mais bonitas que recordo dele; coração generoso, por uma ou outra razão, real ou imaginária, fez-nos acreditar em nós próprios.


Devo-lhe isso, que não é pouco; com surpresa comecei a perceber que tinha qualidades: -” Eh pá” - dizia nas sabatinas, perante todos: -” O Barreto sabe vírgulas e tudo!”. - Aquilo galvanizou-me para o resto da vida e ainda hoje me comovo e sinto grato ao Mestre Mantana.


Era nosso amigo. Éramos amigos.


Histórias da vida local e anedotas sabia “milhentas”, que, com o seu entusiasmo e espontaneidade, tornava hilariantes, fascinantes por vezes, Adorava ouvi-lo, fosse a contar a história da “velhinha que matara o filho com sete chapeladas”, ou as peripécias de buarqueiros castiços, alguns deles meus familiares, ou a cantar o “Solo Mio”.


Estar com os outros, conviver com os outros era a sua vocação profunda.


Obrigado querido Mestre Mantana, Deus há-de estar contente a ouvi-lo cantar a “Canção do Cigano”,


Barreto

Peniche, 7 de Abril de 2025


sábado, 22 de março de 2025

José António Saraiva e Salazar

 

José António Saraiva

e

Salazar


Invulgarmente culto, sereno, cartesiano, preciso, sem rodeios, subterfúgios nem hipérboles, José António Saraiva dissecava com eficácia as matérias de que se ocupava.


Ao saber do seu falecimentoolhei à minha voltaDois passos. Quase em frente um dos seus livros sobre Salazar: “A Queda de Uma Cadeira Que Não Existia”. Terminei agora a leitura. Gostei.


O título é o objeto. Desconfiou da tese corrente, segundo a qual Salazar morrera em consequência dos ferimentos na cabeça devido à queda duma cadeira, no terraço do Forte de Santo António, no Estoril. Preparava-se para ler o jornal frente ao oceanoTal cadeira nunca apareceu e a descrição que dela foi feita - cadeira de realizador de cinema -, não condizia com a das fotos usada habitualmente.


Investigou e comparou os testemunhos das pessoas próximas, na ocasião; a governanta, o barbeiro, o massagista, o enfermeiro, o médico pessoal, outrasDescobriu indícios de acidente ocorrido na residência oficial de São Bento umas semanas antes. Durante o banho de imersão, Salazar terá caído e batido violentamente com a cabeça no rebordo da mesma.


Ocultando o facto, por o considerarem impróprio, indício de degenerescência física do ditador, e ultrapassável, a poderosa governanta, Maria da Luz, terá inventado a história da cadeira, aparentemente menos polémica. E é verdade que há demasiadas contradições nos testemunhos.


Eduardo Coelho, médico pessoal de Salazar, diagnosticou hematoma subdural. Vasconcellos Marques, anti-Salazarista convicto, subscritor do MUD nas eleições de 1949, ex-pugilista e o melhor cirurgião neurológico da época, discordou, considerou tratar-se de um AVC. Discutem.


Maria da Luz tem medo. Não quer um médico da oposição. Contra vontade, Vasconcellos e a sua equipa operam Salazar após discussão com Eduardo Coelho. Confirmou-se o hematoma. Acreditou-se na recuperação. Que aconteceuSalazar estava curado, pensaram. Preparou-se a alta.


Fevereiro,16, 13 30, depois do almoço. “Estou muito aflito. Ai meu Jesus”, exclamou Salazar, caindo inanimado sobre a poltrona. É um AVC no hemisfério direito - o hematoma fora no hemisfério esquerdo -,Vasconcellos, egoistamente, suspira de alívio; a sua reputação estava salva Era o fim.


Tom Gallagher, no seu livro, “Salazar, o Ditador que se Recusa a Morrer”, refere que, a certa altura do seu internamento, Salazar terá murmurado algo como: “E agora, para onde me irão enviar? Não tenho para onde ir”.


Filho de caseiro, seminarista, Salazar encarou a seu envolvimento na esfera pública como uma missão divina para salvar Portugal. Recusou casar-se com a Carolina Asseca, viscondessa de Asseca e condessa de Anadia, para se dedicar inteiramente ao governo do país.


Não era misógino, discretamente, tinha os seus encontros femininos, mas foi Christine Garnier a sua autêntica paixão, por sinal, correspondida. O marido desta divorciou-se ao ler a correspondência entre eles. Os passeios pela quinta do célebre duque de Palmela, as visitas ao convento que lá se encontra, parecem revelar envolvimento íntimo.


Por ocasião da II GM Salazar foi um gigante ao opor-se às pretensões de Churchill e Roosvelt de ocupação militar dos Açores. O estatuto de neutralidade assim o exigia. Terá respondido ao americano que, em caso de ataque, Portugal defenderia os Açores com todas as suas forças.


Sobre o fim da venda de volfrâmio aos alemães, exigido pela Inglaterra, o homem de Santa Comba, nunca cedeu. Defendia, disse, os muitos milhares de portugueses que dependiam disso. Aceitou, sim, fornecê-lo igualmente ao velho aliado. E quando o desfecho da guerra se avizinhou, deixou de fornecer ambos.


Com a diplomacia ágil de Pedro Teotónio Pereira convenceu Franco a optar pela neutralidade de Espanha evitando uma nova frente de combate aos aliados, e a, mais que certa, invasão de Portugal.


Considerou que a derrota da Alemanha e da Itália, tal como ocorreu, tornaria inevitável o avanço do comunismo na Europa. Algo que não entendi bem.


Dele disse Thomaz Jefferson “Embora V.V. não sejam um regime democrático como nós o concebemos, as vossas relações connosco são excelentes e ninguém hoje vos ataca porque o Dr Salazar com o agudo sentido das realidades que sempre tem revelado, veio manobrando com tal habilidade política que não há hoje, internacionalmente, a menor reserva para com Portugal.


Pio XII: Abençou-o-o, Salazar de todo o meu coração e faço os mais ardentes votos para que possa levar a bom termo a obra de restauração nacional tanto material como espiritual.”


Eisenhower: “De todos os estadistas europeus com quem conversei Salazar parece-me o mais lúcido e avisado.”


Dean Acheson: “Não restam dúvidas de que se trata do governo de um só homem, e que não há lá outro homem como ele. O mais provével é que, se Salazar morrer, ou perder os seus poderes, Portugal volte à confusão de onde o arrancou.”


Robert Schumann: “Salazar não é apenas um exemplo, é uma fonte de inspiração.”


Marcello Mathias: “Gulkbenkian considerava Salazar um “homem genial” e todos os anos lhe enviava cheques de cem ou duzentos contos para ajudar os pobres.”


No final da guerra Salazar estava exausto, profundamente deprimido, disposto a abandonar o cargo. Os seus apoiantes, ou dependentes políticos, com Marcello Caetano à cabeça, não deixaram. Christine Garnier, tirou-o da profunda depressão em que encontrava.


Marcaram-se eleições, constituiu-se o MUD (Movimento de Unidade Democrática), que desistiu. Ganhou a UN (União Nacional). Carmona foi reeleito, vindo a falecer dois anos depois.

Porém, tirei uma dúvida; Salazar era, ou não fascista?


Acreditava na hierarquia de capacidades, de competências, e isso não é consentâneo com o conceito de igualdade prevalecente nas democracias atuais. Não era um democrata. O falhanço do liberalismo do século anterior, dissuadira-o das virtudes desse regime político.


É verdade que Salazar não cultivava comportamentos públicos característicos dos fascistas do século XX; o culto da personalidade, a participação nos grandes públicas, nas grandes paradas militares, as obras de fachada, discreto, deixava as inaugurações para os outros enquanto estudava novos projetos.


Enfim, inteligente, brilhante, culto, corajoso, não era um monarca mas agia como os do Antigo Regime; era um discreto absolutista, capaz de ser tolerante mas não admitia dissidência.


E era fascista, sim. Sem exuberância, mas era fascista.


Segundo Paulo Otero, o fascismo caracteriza-se pela subordinação dos direitos individuais aos interesses do Estado. E era esse um dos pilares do Salazarismo. Os interesses do Estado eram definidos pelo partido do regime, a UN (União Nacional).


Curiosamente, a recente crise da covide, impôs aos cidadãos os interesses do Estado definidos pelo partido que sustentava o Governo de então.

                                                                               



Peniche, 22 de Março de 2025

António Barreto


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Guerra Peninsular - Os portugueses

 Guerra Peninsular


Os portugueses


Numa época em que a falta de autoestima e a denegação dos méritos das antecedentes gerações lusitanas proliferam ameaçando instalar-se na nova ordem abrilina, reconforta conhecer testemunhos externos dos comportamentos daquelas em cenário de guerra. É o caso da Guerra Peninsular em que um tal General Margot discorre sobre algumas particularidades do conflito e seus intervenientes. Também aqui, o “Zé Cueca tuga”, demonstrou que, quando sob comando de bons líderes é tão bom como os melhores.


...desde os inícios de 1808 até aos finais de 1813, os franceses perderam na Península Ibérica 200 ooo homens, que foram mortos a tiro ou que morreram nos hospitais, aos quais é preciso juntar os 60000 perdidos pelos nossos aliados das diferentes nações.

Os ingleses e os portugueses também sofreram perdas consideráveis, mas as dos espanhóis ultrapassavam todas as outras...Sem o apoio das tropas inglesas, os espanhóis nunca teriam podido resistir às tropas francesas perante as quais não ousavam manter-se em linha. Mas têm um mérito imenso, que é o de, ainda que vencidos, nunca desanimarem. …

No que respeita aos portugueses, não lhes foi feita justiça pelo contributo que deram à guerra na Península. Menos cruéis, muito mais disciplinados que os espenhóis e com uma coragem mais calma, eles formavam, no exército de Wellinghton várias brigadas e divisões. Dirigidos pelos oficiais ingleses, não ficavam a dever nada às tropas britânicas, mas, como eram menos gabarolas que os espanhóis, falaram pouco deles próprios e das suas façanhas e a reputação tornou-os menos célebres.


O três de Maio - Francisco Goya


General Barão de Marbot

Guerra Peninsular

Museu Municipal Leonel Trindade-Torres Vedras


Peniche, 1 de Novembro de 2024

António Barreto

sábado, 26 de outubro de 2024

Figueira da Foz, Defesa da Barra e Costa

 Figueira da Foz

Defesa da barra e costa



A infraestrutura de defesa da barra e da costa de Buarcos e Figueira da Foz era constituída pelos Fortes de São Pedro e de Santa Catarina de Ribamar, pelo Fortim de Palheiros e pela Atalaia da Vela.


Refere-se que o Forte de Santa Catarina de Ribamar terá sido construído durante os reinados de D. Henrique, O Casto - de 1578 a 1580 - e de D. Sebastião, O Desejado - de 1557 a 1578.


Contudo, algo não bate certo, uma vez que, em 23 de Outubro de 1585, segundo o mesmo autor, os notáveis da região, em nome da Câmara de Coimbra, escreveram a Filipe I, O Prudente - Rei de Portugal de 1581 a 1598 - alertando-o para a necessidade de “dotar a defesa da barra de Buarcos com um “forte, tiros e soldados espanhóis”, a erguer nos rochedos situados à entrada da dita barra conhecidos como Monte de Santa Catarina”.


A contradição é óbvia face ao confronto das datas; se em 1585 não havia Forte como pode a sua estrutura remontar aos reinados anteriores? Só em termos de intenção ou projeto, mas tal não se infere do texto.


Três detalhes suscitam atenção; em primeiro lugar o empenho da Câmara de Coimbra na construção do Forte, resultaria da preocupação natural com a própria segurança, mas, provavelmente, também da dependência jurisdicional histórica da zona ribeirinha relativamente a Coimbra desde Sesnando Davides, depois do Mosteiro de Santa Cruz e ainda D. Pedro, primeiro Duque de Coimbra. Esta subordinação poderá ainda explicar uma certa fricção entre as respetivas populações, muito viva em tempos, muito atenuada nos dias de hoje.


Em segundo lugar a referência à “barra de Buarcos” resultaria de, à época, povoado na Foz do Mondego ser ainda incipiente em termos económicos e populacionais.


Em terceiro lugar pede-se uma guarnição de soldados espanhóis! Estou em crer que, por esta altura, devido à união ibérica, odispositivos militares - materiais e humanos - portugueses, integrariam as Forças Armadas espanholas. Ainda assim, seria mais sensato guarnecer o forte com soldados portugueses.


Por outro lado, o financiamento, exclusivamente assegurado pelas rendas da Vila de Buarcos, do cabido, do Mosteiro de Santa Cruz e da Universidade de Coimbra, indicia uma certa autonomia económica e financeira regional. Apesar do evidente interesse nacional da obra, o contributo da coroa parece ter-se limitado ao licenciamento régio.


Em sequência, para condução das obras foram nomeados três capitães de infantaria e um de cavalaria. Contudo, parece que o resultado não foi grande coisa uma vez que, em 1602, o dispositivo foi incapaz de resistir ao ataque, pilhagem e destruição dos povoados, perpetrado , durante seis dias por piratas ingleses.


Afonso Furtado de Mendonça, reitor de Coimbra, chefiando uma coluna de estudantes e homens armados das redondezas, resgatou, então, as povoações, desalojando os atacantes, que se haviam refugiado no convento de Santo António - atual igreja da Misericórdia da Figueira da Foz - e no Forte de Santa Catarina.


É aqui que se esclarece a contradição que referi acima; efetivamente, há um lapso do autor quando atribui o início da construção do Forte de Santa Catarina aos reinados de D. Sebastião e D. Henrique.


O Forte de São Pedro é que foi construído no século XVI, em substituição de uma estrutura fortificada construída anteriormente ao século XV, reforçada posteriormente com dois baluartes e peças de artilharia por D. Pedro, primeiro Duque de Coimbra e regente de Portugal de 1439 a 1448.


“Buarcos, então vila de grande poder e detentora de grande quantidade de naus, via-se na necessidade de pôr os seus habitantes a fazerem vigia para evitar eventuais ataques.”


Mas, não só os larápios externos eram motivo de preocupação para o povo de Buarcos; também os internos lhes causavam danos. Numa nota de rodapé o autor dá conta de uma queixa que os pescadores de Buarcos apresentaram contra os governadores e soldados do forte, que lhes confiscavam o pescado sem sequer pagarem um real.


Certo é que o forte, por sinal, não tinha, então, grande préstimo, uma vez que, cerca de 1566, um bando de corsários invadiu e pilhou os povoados de Buarcos e Figueira, tendo provocado grandes danos. E só com o auxílio militar que veio de Coimbra foi possível derrotá-los e expulsá-los.

Tal feito valeu, em 1570, um louvor de D. Sebastião, aos juiz, vereadores, procuradores, homens bons, e povo da cidade de Coimbra, pela efetiva organização dos socorros solicitados pelo povo de Buarcos.


Segundo Carlos Pereira Calisto, entre 1570 e 1602, terá decorrido a construção do novo Forte de São Pedro.


A verdade porém é que as peripécias da construção, reconstrução e recuperação do Forte de São Pedro não se esgotam aqui.


Forte de Santa Catarina de Ribamar

Peniche, 26 de Outubro de 2024

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Figueira da Foz

 

Figueira da Foz

Navegabilidade e defesa do rio Mondego


Na primeira metade do século XVII as caravelas de Sesimbra subiam o rio até Montemor-o-Velho. Fenómenos diversos; construção de diques, obstrução do leito do rio e seus afluentes pelos aluviões fluviais e marítimos, foram dificultando a navegação no rio.


A tal ponto que, D. Luís I “O Popular” - reinou de 11.11.1861 a 19.10.1889 - em meados do século XIX, desceu o rio desde Montemor até à Foz, comprovando a sua - ainda - navegabilidade.


Para defesa do estuário e da povoação, segundo o general João Almeida, existiu um castelo medieval próximo da igreja de São Julião, cujas ruínas ainda eram visíveis no século XVII.


Porém, a um tal Nogueira Gonçalves, pareceu que a “boa torre” do abade Pedro, do século XI, se referia a tal castelo também designado por Torre dos Redondos.


Mas não é tudo; diversos achados neolíticos parecem indicar a existência de uma estrutura defensiva ainda anterior sob a forma de um castro.


Sesnando Davides - um moçárabe influente na taifa de Sevilha, crê-se natural de Tentúgal, donde teria sido raptado pelos árabes, que, posteriormente se colocou ao serviço de Fernando I, o Magno, rei de Leão e Castela, e terá sido decisivo na tomada de Coimbra - no século XI tomou o dito castelo, e deu-lhe um perfil defensivo acrescentando-lhe torres.


Como recompensa, Fernando Magno nomeou o culto e bravo Sesnando Governador dum vastíssimo território, desde o Douro às linhas árabes a sul, e desde Viseu à costa atlântica.


Alvo de novas obras e ampliações no século XIII no reinado de Afonso III o Bolonhês - reinou de 1248 a 1279 -, este castelo, e toda a correspondente estrutura defensiva, foi doado em 1411 por D. João I, o Mestre de Aviz – reinou de 1385 a 1433 – a seu filho D. Pedro duque de Coimbra.


Ponte Edgar Cardoso - com vénia a CMFF

Nota:

Ou não percebi bem ou há confusão entre o castelo de São Julião - Foz do Mondego - e a Torre dos Redondos - próximo de Buarcos. Dada a enorme distância entre eles, não pode tratar-se da mesma estrutura. Falta aqui algo mais.

Créditos a : Figueira da Foz - José Pedro de Aboim Borges, e C.M.F.F.                   


Peniche, 22 de Outubro de 2024

António Barreto