AUTOCRACIAS NO SÉCULO XXI
Anne Applebaum, no seu recente livro “Autocracia Inc.”, identifica e caracteriza os regimes autocráticos atuais, descreve a sua forma de atuação, como infiltram e manipulam as democracias e como se articulam entre si. Rússia, China, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, Irão, Bielorrússia, Myanmar, Angola, são os principais exemplos que refere. Surpreendentemente, inclui a Polónia e a Hungria neste grupo e deixa de fora o Brasil, atualmente uma das mais ativas autocracias.
Financiam-se e comerciam entre si e desenham estratégias conjuntas de desestabilização dos regimes democráticos. Nestes, infiltram-se económica e politicamente, corrompem políticos, financiam trolls - operacionais que, nas redes sociais, ocultando a verdadeira identidade trabalham para a causa -, e partidos políticos, fundam empresas, compram jornais, jornalistas e canais de TV, difundem informação, que manipulam ou inventam, estabelecendo a confusão e a dúvida, com o propósito de enfraquecer as democracias.
há uma consciência geral, embora difusa, destes temas; com alguma frequência vão aparecendo notícias de interferência da Rússia nas campanhas eleitorais americanas, do financiamento de partidos em Espanha pela Venezuela, do envolvimento do Irão no financiamento e armamento de grupos anti-ocidente, das sucessivas provocações da Coreia do Norte ao mundo livre, etc..
Abertamente a China vai tecendo a sua teia económica, por todo o lado, criando ascendente e dependência, consentida, desejada, na ingénua, ou falsa, convicção ocidental de que tal acabará por induzir a democratização do regime. Ideia que se revelou desastrosa quando aplicada à Rússia.
Menos conhecidos são os papeis da Bielorrússia, Polónia e Hungria. O primeiro com intervenção no encaminhamento maciço de imigrantes para a Europa e no apoio logístico às operações militares russas, e os restantes dificultando a tomada de decisões da UE potencialmente prejudiciais ao regime de Putin.
Surpreendente é a referência ao envolvimento de Cuba na Venezuela e na Rússia, fornecendo operacionais para, no primeiro caso, reprimir os opositores de Maduro e no segundo, combater na Ucrânia ao lado dos russos! Recordo que o principal suspeito do assassinato de Nascimento Costa - Piloto do Santa Maria - é o cubano José Sottomayor, que, mais tarde, lutou contra o exército português, em Angola, ao lado dos guerrilheiros do MPLA.
Os cubanos lutaram na Guiné ao lado do PAIGC - o caso Peralta deu grande celeuma no pós 25 de abril - no 27 de Maio de 77, decidiram a favor do MPLA; a rebelião de Nito Alves e José Van-Dunem - um episódio trágico que marcou a história da Angola, e a guerra civil contra a FNLA e a UNITA. Uma pequena ditadura, falida, com tal influência, merece melhor atenção e análise.
Porém, é a duplicidade dos líderes alemães que mais perplexidade provoca; Gerhard Schröder, mal deixou a chancelaria - em 2005 -, assumiu a chefia de empresas da Gazprom na Alemanha a troco de um milhão de euros anual. Angela Merkel induziu turbulência económica, social e política na UE ao abrir as fronteiras à imigração e, implicitamente, encorajou a invasão da Rússia à Ucrânia ao prosseguir com a construção do gasoduto desde a Sibéria.
A esperança, alemã e europeia, da eficácia da política de envolvimento económico da Rússia na dissuasão das suas aspirações imperialistas e na adesão da mesma às virtudes da democracia, revelou-se um total fracasso.
A ideia de superioridade económica, política e moral da UE cai por terra quando constatamos o paradoxo inimaginável de o seu maior membro, a Alemanha, condenar a invasão da Ucrânia e, simultaneamente, financiar o invasor, com a agravante de deixar a Europa dependente do gás russo.
Se outras razões não houvesse, esta basta para minar o projeto europeu, que, nem Rússia, nem China, nem EUA desejam.
Quanto aos europeus, a confusão está instalada, ninguém, fora das “trincheiras partidárias sabe em quem confiar; os líderes parecem limitar-se a gerir os seus interesses pessoais ou de grupo, alguns envoltos em suspeitas de corrupção, ou de conluio com inimigos da Europa, a comunicação social parece servir agendas disruptivas e a Comissão Europeia parece gostar demasiado de impor restrições aos seus cidadãos.
Não se vislumbra uma figura agregadora do “sonho europeu” a que só a “chuva” de milhões, com que todos sonham, parece dar consistência.
Hoje em dia, as autocracias não são geridas por um homem mau isolado, mas por redes sofisticadas assentes em estruturas financeiras cleptocráticas, serviços de segurança - militares, paramilitares e policiais - e por peritos em tecnologias de informação encarregados da vigilância, propaganda e desinformação. Os membros destas redes encontram-se interligados não apenas no interior de uma autocracia, mas também com redes existentes em outros países autocráticos e mesmo em algumas democracias.
Em 2022, o ano em que a Rússia invadiu a Ucrânia, Shroeder estava a ganhar perto de um milhão de euros anuais de empresas associadas ao gasoduto e ao gás natural russo, entre as quais a Rosneft.
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Quando, mesmo após a primeira invasão da Ucrânia em 2014,a chanceler Angela Merkel, sucessora de Shroeder, não decidiu pôr fim ao projeto Nord Stream, Putin pode bem ter achado que tinha luz verde para dar seguimento à invasão.
Anne Applebaum – Autocracia Inc.
Anne Applebaum
Peniche 14 de Setembro de 2024
António Barreto