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sábado, 3 de junho de 2017

O Príncipe: Maquiavel, c/introdução de José António Barreiros, Editorial Presença


Acabei de ler uma das obras que mais desejava, oferta do meu João; O Príncipe, de Maquiavel. Apesar da erudição, confesso que foi com enorme desconforto que fiz a travessia da introdução de José António Barreiros.

Maquiavel teve uma vida conturbada - século XV -, natural de Florença, viveu os primórdios do Renascimento alternando entre os mais altos cargos públicos e a vida rural de modesto proprietário entrecortada por amores venais e bajulação dos poderes instituídos.

O Príncipe é uma obra acerca da natureza do poder da época, caracterização dos vários modelos de ascensão ao poder e sua manutenção, baseada na sua própria experiência, a partir das muitas vicissitudes político-militares da Itália pré-medieval, pós império romano.

A capacidade de síntese e subtileza de raciocínio de Maquiavel são notáveis e transponíveis, em muitos casos, para os dias de hoje. Se não, vejamos algumas preciosidades, e cito:

“...e quem conquista tais estados e os quer conservar deve tomar duas precauções: uma é extinguir a estirpe do antigo príncipe; a outra é não alterar as leis nem os impostos.”

“---pelo que se deduz que os homens devem ser mimados ou aniquilados: porque se se vingam das pequenas ofensas, não podem vingar-se das grandes, de forma que a ofensa que se faz a um homem deve ser tal que não se tema a vingança.”

Parafraseando: uma guerra que se evita, não se elimina, apenas se adia, com vantagem para os outros.

“donde se extrai uma regra que nunca, ou raramente, falha: quem dá azo a que alguém se torne poderoso, arruína-se a si próprio; porque esse poder é gerado por ele por engenho ou pela força, e tanto um como a outra são suspeitos para quem se tornou poderoso.”

Esta é super boa:

“As frequentes rebeliões da Espanha, da França e da Grécia contra os Romanos derivam do grande número de principados que havia nesses Estados enquanto a sua memória perdurou, nunca os Romanos estiveram seguros da sua posse; mas, logo que a sua memória se desvaneceu, passaram a ser dominadores seguros, graças ao poder e à continuidade do império.”

“Quem se torna senhor de uma cidade habituada a ser livre e não a destrói, pode ter a certeza que será destruído por ela.”

“E deve ter-se em conta que não há coisa mais difícil de tratar, de êxito mais duvidoso, e mais perigoso de manejar, do que ousar introduzir uma nova ordem.”

Preciosa, esta:

“Porque é sempre por medo ou por ódio que os homens ofendem os outros.”

E mais esta:

“Por outro lado, não se pode dizer  que seja virtude mandar matar os seus concidadãos, trair os seus amigos, não ter palavra nem compaixão, nem crença; assim, pode conquistar-se o poder, mas não a glória.”

Então esta é soberba:

“Creio que isso depende do bom ou do mau uso que se faz da crueldade. Pode dizer-se que é bem usada (se é possível dizer bem do mal) a crueldade que se exerce de uma só vez por necessidade de segurança, e que depois não se repete, antes se converte no maior benefício para os súbditos. A crueldade mal usada é aquela que, embora de início seja pequena, vai aumentando com o tempo, em vez de se extinguir. Os que obedecem à primeira forma de agir, podem, com a ajuda de Deus e dos homens, encontrar algum remédio para a sua condição, como aconteceu a Agátocles: quanto aos outros, é impossível manterem-se”

“Porque as injúrias devem fazer-se todas de uma vez, para que, havendo menos tempo para as sofrer, provoquem menos dano; e os favores devem fazer-se a pouco e pouco para melhor se saborearem.”

Ainda esta:

“Por conseguinte, quem for feito príncipe pelo favor do povo deve conservar sempre a sua amizade; o que lhe será fácil, pois o povo não pede mais que não ser oprimido.”

E mais esta::

“E como os homens se sentem mais gratos quando recebem o bem de quem esperavam o mal o povo passa logo a amá-lo mais do que se ele próprio o tivesse feito principe.”

Agora, mesmo em cheio, tendo em conta os tempos modernos:

“Por isso, um príncipe sábio deve arranjar maneira de os seus súbditos precisarem, sempre e em qualquer circunstância, do Estado e dele próprio; e assim, ser-lhe-ão sempre fiéis.”

“Os principais alicerces de todos os Estados, sejam eles novos, antigos ou mistos, são boas leis e boas armas.”

Mais uma fantástica:

“As tropas auxiliares podem ser úteis e boas para si mesmas; mas são quase sempre danosas para quem as chama; porque, se perdem, fica derrotado; e, se vencem, fica seu prisioneiro.”

“O imperador de Constantinopla - João Cantacuzeno (NT) -, para resistir aos seus vizinhos, fez entrar na Grécia dez mil Turcos, que, terminada a guerra, não quiseram partir, o que foi o início da sujeição da Grécia aos infiéis.”

“Por isso, um príncipe sábio evitou sempre servir-se de tais armas e contou apenas com as suas; e preferiu ser derrotado com as suas a vencer com as dos outros, pois não tem por verdadeira a vitória obtidas com armas alheias.”

Outro exemplo a ter em conta:

“A este respeito quero ainda recordar um episódio do Antigo Testamento. Quando David disse a Saul que estava disposto a lutar contra Golias , um provocador Filisteu, Saul, para o encorajar, deu-lhe as suas armas; David, porém, mal as empunhou, recusou-as, dizendo que com elas não se sentiria seguro de si e queria enfrentar o inimigo com a sua funda e o seu punhal. Em suma, as armas alheias, ou nos caem do corpo, ou nos pesam ou nos ficam apertadas.”

“Por conseguinte, aquele que, num principado, não reconhece os males logo que eles surgem, não é verdadeiramente sábio; mas são poucos os que têm esse dom. E, se quisermos encontrar a causa primeira da ruína do império romano, veremos que se ficou a dever ao facto de terem começado a arrolar Godos; e, a partir desse momento, as tropas começaram a enfraquecer, e todo o valor que iam perdendo ia passando para os Godos.”

Mais uma bem atual:

“..os príncipes perderam os seus Estados quando pensaram mais nas comodidades do que nas armas.”

Esta, então, é de “morte”:

“Portanto, se um príncipe deseja manter-se no poder, precisa de aprender a não ser bom e a servir-se, ou não, dessa capacidade, de acordo com as necessidades.”

Mais esta, que não lhe fica atrás:

“Nos nossos tempos só vimos fazer grandes coisas aos que foram tidos por sovinas; os outros foram derrotados.”

Esta outra serve que nem luva ao momento que se vive em Portugal, atualmente:

“Podes doar generosamente o que não é teu nem dos teus súbditos, como fizeram Ciro, César e Alexandre; porque gastar o que é dos outros não diminui o teu prestígio, antes o aumenta: só te prejudicas se gastares o que é teu. Não há no mundo coisa que mais se consuma a si própria que a magnanimidade; enquanto fazes uso dela vais perdendo a faculdade de a usar, e tornas-te pobre ou mesquinho, ou então, para escapares à pobreza, ganancioso e odiado.”

Realmente, Maquiavel, era profundo conhecedor da natureza humana ora veja-se:

“…é muito mais seguro ser temido do que amado, se só se puder ser uma delas. Porque, acerca dos homens em geral, pode afirmar-se o seguinte: que são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores, receosos dos perigos, ávidos de lucro; e, enquanto lhes fazes bem estão todos do teu lado e oferecem-te o seu sangue, os seus bens, a sua vida e os seus filhos, quando a necessidade vem longe; mas quando ela é presente, revoltam-se….e os homens têm menos receio de ofender alguém que se faça amar do que alguém que se faça temer.”

Ainda (isto é duma subtileza…!), ora vejam só:

“O príncipe deve fazer-se temer de tal modo que, se não conseguir que o amem, possa evitar que o odeiem; porque pode muito bem ser temido e, ao mesmo tempo, não ser odiado. É o que acontecerá sempre, se respeitar os bens dos seus cidadãos e dos seus súbditos, bem como as suas mulheres….Acima de tudo, deve abster-se de tocar nos bens alheios; porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a perda do património.”

Esta então serve que nem uma luva na política atual:

“Toda a gente sabe quão louvável é, para um príncipe, honrar a sua palavra e viver com integridade e não com astúcias; todavia, a experiência do nosso tempo ensina-nos que os príncipes que pouco tiveram em conta a palavra dada e souberam astuciosamente ludibriar os espíritos dos homens fizeram grandes coisas e acabaram por superar aqueles que se apoiaram na lealdade….Por conseguinte, um senhor prudente não pode, nem deve, honrar a palavra dada se isso se voltar contra ele e se os motivos que o levaram a fazer promessas deixaram de existir….Contudo, há que disfarçar bem essa faceta e ser grande simulador e dissimulador: os homens são tão ingénuos e tão conformados com as necessidades presentes que quem engana encontrará sempre quem se deixe enganar….Portanto, um príncipe não precisa possuir, de facto, todas as qualidades acima enumeradas, mas convém que parece possui-las.” (Ora toma!)

Parafraseando:

Das qualidades que o príncipe deve permanentemente simular; piedade, fidelidade, lealdade, integridade, humanidade e religião, nenhuma lhe é mais necessária do que esta última.

Outra também aplicável às democracias atuais:

“Resumindo, digo que, da parte de quem conjura não há senão medo, inveja, suspeita de um castigo que o assusta; mas, da parte do príncipe, há a majestade do principado, as leis, as defesas dos amigos e do Estado.”

“E os Estados bem governados e os príncipes avisados cuidaram sempre de não desesperar os nobres e de manter o povo feliz e satisfeito, pois é essa uma das tarefas mais importantes do príncipe.”

Ainda esta preciosidade:

“A este respeito convém notar que o ódio tanto se grangeia com boas ações como com más; todavia, como atrás se disse, se um príncipe quer conservar o seu Estado, vê-se muitas vezes obrigado a não ser bom; porque, quando a comunidade, seja ela do povo, dos soldados ou dos grandes, de que julgas precisar para manter o poder, é corrupta, convém-te obedecer às suas disposições de espírito para as satisfazeres; e, nesse caso, as boas ações são-te adversas.”

“Além disso (Fernando Aragão), para poder entregar-se a façanhas ainda mais grandiosas (após a tomada de Granada), e servindo-se sempre da religião, socorreu-se de uma piedosa crueldade, perseguindo e expulsando os marranos do seu reino, exemplo que não pode ser mais miserável e mais raro….E as suas iniciativas foram saindo umas das outras, para que, entre uma e outra, os homens não tivessem tempo para se revoltarem contra ele.” (piedosa crueldade!)

Contra o cinzentismo oportunista e cobarde:

“Um príncipe também é estimado quando mostra ser amigo verdadeiro e verdadeiro inimigo, ou seja, quando se declara abertamente a favor de um contra outro….Porque, quem vence não quer amigos suspeitos e que não o ajudem na adversidade; quem perde não te recebe por não teres querido partilhar da sua fortuna, pegando em armas….E os príncipes irresolutos, para evitarem os perigos presentes, decidem na maioria das vezes manter-se neutrais e, na maioria das vezes, provocam a própria ruina.”

Mais uma lição que poderá ser bem útil aos políticos atuais:

“Um príncipe deve também mostrar-se amante das virtudes, albergando os homens virtuosos e honrando os que são exímios numa arte. Deve também encorajar os cidadãos para eles exercerem pacificamente os seus ofícios, tanto no comércio como na agricultura e em qualquer outro ofício dos homens, para que uns não receiem engrandecer as suas terras por medo que lhes sejam tiradas, e outras não queiram abrir um comércio por medo dos impostos; deve, isso sim, premiar quem queira fazer tais coisas e quem pense em qualquer forma de desenvolver a sua cidade e o seu Estado. Além disso, deve, nas alturas oportunas do ano, manter os homens entretidos com festas e espetáculos.”

E uma já nossa velha conhecida:

“ A primeira conjetura que se faz acerca da inteligência de um senhor é observar é observar os homens que o rodeiam.”

Parafraseando:

Há três espécies de cérebros; os que compreendem por si próprios, os que compreendem o que os outros compreendem e os que não compreendem, nem por si próprios nem com a ajuda dos outros, sendo os primeiros, excelentes, os segundos, excelentes e os terceiros inúteis.

“..aquele que tem nas suas mãos o Estado de outro nunca deve pensar em si, mas no príncipe, e nunca deve recordar-lhe coisas que não digam respeito ao principado.”

“Não há outra forma de te defenderes da adulação senão dares a entender às pessoas, que não te afrontam por te dizerem a verdade; mas, se todos puderem dizer-ta, deixas de ser respeitado.”

Parafraseando:

Segundo Maquiavel, o príncipe só deve permitir a liberdade de opinião as restrito grupo de colaboradores por si escolhidos e apenas relativamente aos temas que lhes colocar, devendo interrogá-los acerca de tudo e decidir como lhe aprouver, com independência e determinação. Procedendo de modo diverso, o príncipe acabará por ser arrastado pelos aduladores ou tergiversar nas suas decisões, tornando-se pouco estimado.

A seguinte, “é de morte”; citando:

“….os homens acabarão sempre por se revelar maus se uma necessidade não os obriga a ser bons. Por isso, é de concluir que, os bons conselhos, venham eles de quem vierem, devem depender da prudência do príncipe, mas que a prudência do príncipe não depende dos bons conselhos.”

Outra que serve que nem uma luva ao momento atual; parafraseando:

Os homens valorizam mais o presente do que o passado e quando aquele lhes agrada tiram proveito dele sem outras preocupações e defenderão o príncipe por todas as formas desde que não lhes falte coisa alguma.

Os príncipes não devem acusar a má sorte quando perdem os seus principados, mas apenas o seu diletantismo ou covardia.

Citando:

“As únicas defesas que são boas, seguras e duradoiras, são as que dependem de ti e da tua virtude.”

Mais uma válida em todas as épocas; parafraseando:

Enquanto muitos reconheciam a inutilidade da ação humana face aos desígnios divinos e o acaso, Maquiavel atribui ao livre arbítrio a responsabilidade de metade dos acontecimentos, recorrendo à metáfora dos danos provocados pelo extravasamento sazonal dos rios em que, nos intervalos, o homem pode minimizá-los com a sua ação.

Citando:

“…um príncipe que se apoie totalmente na fortuna, cai, mal a fortuna muda.”

Parafraseando (“grande metáfora”):

As circunstâncias condicionam o sucesso ao príncipe que possua as virtudes que melhor se adequem ao momento, revelando a importância da sua capacidade de ser flexível.

Maquiavel valoriza mais a ousadia do que a prudência pelo facto de considerar a fortuna feminina; tal como a submissão da mulher, a submissão da fortuna exige contrariação e espancamento, comprovado pela preferência dquelas pelos jovens, devido ao espírito ardoroso destes.

Sublime; cito:

“Deus não quer fazer tudo, para não nos privar do livre arbítrio e do quinhão de glória que nos cabe.” (uau!)

Agora uma frase de Tito Lívio citado por Maquiavel, em latim, da maior relevância em todos os tempos, quer para governantes, quer para governados:

“É justa a guerra para aqueles que dela necessitam; e são sagradas as armas quando nelas repousa a única esperança.”

Parafraseando:

Nada confere tanta glória e respeito a um novo príncipe como as novas leis e instituições que cria, quando são grandiosas e bem alicerçadas.

Atribui a sucessão dos inêxitos dos exércitos italianos à fraqueza das chefias, apesar da força, destreza e engenho dos soldados, dando como exemplos as batalhas de Taro, de Alexandria, Cápua, Génova, Vailà, Bolonha e Mestre.

Termina instigando o destinatário da obra a assumir os destinos da Itália contra os bárbaros, assegurando-lhe o apoio incondicional geral e citando Petrarca.
AB

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