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domingo, 26 de junho de 2016

A propósito do Brexit...


   Claude Monet

   Inicialmente acreditei na saída, na fase final, em virtude do empenho do governo e de outros grupos de relevo, convenci-me da permanência. A opção adotada está em linha com a tradição histórica dos ingleses. O Reino unido nunca esteve de alma e coração na CEE; ao longo da história nunca se sujeitaram à subalternidade, exceto talvez nas primeira e segunda guerras mundiais relativamente aos americanos - que nos dois casos os pouparam à derrota. No século XIII, nobres e eclesiastas, impuseram ao rei a Magna Carta, origem remota das Cartas Constitucionais, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e de muitos dos preceitos legais que enformam, hoje, a ordem jurídica dos países ocidentais. Muito antes de Martinho Lutero, foi John Wycliffe, no século XIV, o primeiro a denunciar e combater a prepotência da igreja católica.  Durante mais de um século, séculos XIV e XV, travaram e perderamm para os franceses a célebre guerra dos cem anos, fundadora do nacionalismo gaulês e de que resultaria o fim do feudalismo e a guerra da sucessão britânica que ficaria conhecida pela guerra das rosas, a qual duraria trinta anos e fundaria Inglaterra moderna.   No século XVI, na Batalha Naval de Gravelines, conquistaram o domínio dos oceanos derrotando a "invencível" armada ibérica. No século XIX enfrentaram e derrotaram Napoleão terminando com a hegemonia francesa no continente europeu. Pelos aliados, França, Rússia, depois EUA e Itália, vencem a primeira grande guerra consolidando e expandindo o império britânico, imperativo da expansão produtiva e demográfica resultante da Revolução Industrial que ocorrera no século anterior. Opõem-se aos desígnios totalitários de Hitler, que reerguera economicamente a Alemanha e ameaçava a supremacia económica e cultural britânica, graças aos "velhos" aliados, americanos, russos e franceses, tendo-lhe custado, paradoxalmente, o império, em favor dos velhos "amigos" americanos, novos senhores do Ocidente. Mais recentemente, perante a iniciativa dos argentinos de anexação da ilhas Malvinas, colonizadas pelos ingleses no século XIX, recuperam-nas, numa demonstração de determinação e poder bélico naval e aéreo invulgares, derrotando em escassos setenta e cinco dias, as forças argentinas. Acresce o papel relevante que desempenhou na guerra fria, seja na luta antissubmarina, pela Royal Navy, seja nos serviços secretos, pelo famoso MI6, ou ainda pelo poder dissuasor das suas armas nucleares.


   Parece-me que se trata de um povo que sente ter um papel singular a desempenhar no mundo que exige a sua própria liberdade e não necessariamente a dos outros. Um povo cuja moeda simboliza o extinto império ao qual permanecem afetivamente ligados e, talvez, esperançosos numa qualquer forma de restauração. Fiquei sempre com a impressão de que a sua participação na  CEE era, acima de tudo, preventiva, tendo-se limitado a "pagar para ver". O seu tradicional orgulho e sobranceria impedio-os de aceitar uma ordem ditada pelos arqui-inimigos do passado, cuja economia se tornou na primeira da europa apesar da total devastação que a guerra causou ao seu aparelho produtivo e do opróbrio a que sempre são votados os vencidos, bem patente na atual crise. 

   Também me parece que a europa de hoje nada tem a ver com o propósito dos seus fundadores. Não quero crer que o objetivo inicial consistisse na construção duma superestrutura composta da mais grotesca buresia, que debita regulamentos e multas a torto e a direito, como se tivessem a presciência dos iluminados e o misticismo dos eleitos. Conheço, por experiência própria, toda a espécie de iniquidades que têm sido cometidas em nome dos mais variados pretextos, com destaque para o famigerado Aquecimento Global, a produtividade e o ambiente. Na verdade, trata-se de mais uma forma de repressão económica que visa proporcionar reserva de mercado aos poderes económicos dominantes e a fazer de nós eternos clientes da tecnologia dos países liderantes, cujo poder normativo nos impõe sucessivas  restruturações empresariais e profissionais, sempre insuficientes. O resultado traduz-se no fecho de milhares de empresas e na exclusão de profissionais que outro remédio não têm senão imigrar ou habituar-se a viver na ignomínia da miséria, não sem antes encherem os bolsos a toda a sorte de gente que se banqueteia na orgia da formação profissional. Uma união europeia de elites que canaliza os financiamentos extorquidos aos contribuintes para as estruturas estatais e as sanguessugas do sistema; eternos subsidiados que talvez já nem conheçam bem o objeto da sua atividade. 

   Por tudo isto, defendo, sim, uma confederação europeia; uma europa das nações, aprofundando-se passo a passo conforme os interesses bilaterais e a plena assunção dos povos. A livre circulação de pessoas é algo inestimável, extraordinário, fantástico, que só quem não viveu no antigo regime não entende; poder frequentar uma escola ou trabalhar em qualquer país da europa sem medo da marginalidade, não tem preço e constitui o melhor caminho para o progresso social. Já a livre circulação de bens exige grande cuidado para impedir o colapso empresarial dos países de baixa competitividade económica face aos seus parceiros de projeto, que acarretam sempre custos sociais gravíssimos relativamente aos quais nada justifica a indiferença que se tem verificado.

   Há porém fatores de grande relevância geoestratégica que não devem ser ignorados na crise atual. Os Estados Unidos não estão interessados numa europa forte cuja moeda constitui cada vez mais uma alternativa ao dólar americano nas trocas internacionais, pondo em causa a estrutura financeira e o domínio económico daquela nação. Quanto à Rússia, jamais deixará de retaliar pelas intromissões europeias nos seus desígnios de expansão territorial, casos da Crimeia e da Ucrânia, e muito menos pelas sanções económicas que lhe foram aplicadas. De tal modo que, estou convicto, constituindo a guerra da Síria um conflito entre os Estados Unidos e a Rússia, por interpostas entidades pelo controlo daquela região estratégica, serve os interesses de ambos relativamente à união Europeia. O afluxo maciço de refugiados ao espaço europeu, o genocídio em curso, constitui a alavanca do divisionismo europeu, graças ao pânico instalado nas populações, especialmente dos países mais abastados. Um aumento de população de quinhentas mil pessoas por ano, no caso do Reino Unido, com a espetativa de indução de atos terroristas por infiltração de agentes islâmicos, não é algo que se aceite de ânimo leve.

  As consequências são difíceis de avaliar; talvez o Brexit constitua a tal caixa de pandora despoletando os movimentos independentistas europeus, nomeadamente o desmembramento do Reino Unido, da Espanha, da França...! Talvez outros financiadores líquidos do projeto europeu prefiram sair. Talvez diminuam os candidatos à união em virtude da espetativa de redução de meios. Talvez os países reguladores moderem a sua fúria controladora e pensem mais nas pessoas e menos nas ONG, do Greenpeace e da Comissão dos Oceanos, por exemplo, e outros poderes paralelos que têm manipulado a sua atuação. Talvez os países do sul percebam que não têm garantido financiamento perpétuo e, finalmente, procedam às reformas estruturais de que padecem. Talvez, finalmente, sob tutela alemã nasça o embrião da nação europeia. Talvez os radicalismos de ambos os lados vejam aqui uma oportunidade de extremarem posições e acabem por suscitar uma guerra civil.

   A história  porém diz-nos que a prevenção das guerras e o progresso económico e social sucede à abertura dos mercados, ainda que na pespetiva mercantilista. A reativação dos velhos nacionalismos constituirá um retrocesso inconcebível no século XXI. Quero crer que esta crise vá servir para reformular e simplificar todo o processo da União Europeia restituindo-lhe os princípios originais da solidariedade, do humanismo e do progresso das populações, no respeito extensivo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de cada Homem, e da identidade das múltiplas culturas que a compõem.  

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